Ninguém tem direito de roubar o respeito e dignidade da mulher

Brasil teve 221.238 registros de violência doméstica em 2017

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“O que a senhora fez pra ele te bater?”, “por que não denunciou na primeira vez que ele bateu?”, “por que ela não se separa dele?”, “é mulher de malandro, eles se merecem”. A violência doméstica e familiar contra as mulheres é recorrente e está presente no mundo todo. E, ainda assim, ouvimos frases como essas, que responsabili­zam a mulher pela violência so­frida e minimizam a gravidade da questão.

Dados que fazem parte do 12º Anuário Brasileiro da Segurança Pública, divulga­dos na semana passada, mos­tram que o Brasil teve 221.238 registros de violência doméstica em 2017, o que significa 606 casos por dia. E o ciclo é vi­ciante. Após tantas ameaças do agressor (ou, às vezes, até pelos preconceitos ou processos buro­cráticos enfrentados em delega­cias, hospitais e Justiça), muitas vítimas de violência doméstica têm dificuldade de buscar ajuda.

O QUE É VIOLÊNCIA DOMÉSTICA?

Geralmente é um homem – namorado, marido ou ex – que agride a parceira, motivado por um sentimento de posse sobre a vida e as escolhas daquela mulher. Mas pode haver violência doméstica e familiar independentemente do parentesco – o agressor também pode ser o padrasto/madrasta, sogro/ sogra, cunhado/cunhada.

LEI MARIA DA PENHA

A lei que leva o nome da mulher que sofreu dois atentados por seu próprio marido foi sancionada em 2006. E mudou a forma como se tratava a violência doméstica no Brasil, propondo medidas para a punição dos agressores e para a proteção das mulheres vítimas de violência. Desde então, há uma luta constante para encorajar as mulheres vítimas de violência doméstica e toda a sociedade a denunciar os agressores e exigir que a lei se cumpra. É importante ressaltar que é considerada violência as seguintes categorias: patrimonial, sexual, física, moral e psicológica.

QUAIS AS CAUSAS?

Segundo Márcia Vieira, coordenadora do curso de Serviço Social da UNISUAM (RJ), ainda é comum os homens serem valorizados pela força e agressividade, e muitos acabam acreditando que têm o direito de impor suas opiniões e vontades às mulheres e, se contrariados, recorrem à agressão física ou verbal. “Por conta da sociedade patriarcal e machista, muitas pessoas ainda acham que homens são superiores às mulheres e, por isso, podem mandar na vida delas. É comum colocarem a culpa no uso de álcool, drogas ou ciúme. Só que tudo isso são fatores que podem desencadear uma crise; e não causas.”

PERFIL DE AGRESSOR

A violência doméstica não escolhe idade, classe social, raça/cor ou escolaridade. Mas há alguns sinais em que a mulher deve atentar:

Quer controlar a roupa; dificulta o relacionamento com todos, até mesmo com amigos e familiares; busca e leva para o trabalho, faculdade; quer saber com quem fala nas redes sociais; faz de tudo para controlar os gastos e as finanças.

POR QUE NÃO É FÁCIL SAIR DE UMA RELAÇÃO VIOLENTA?

“A violência se caracteriza por um ciclo. A primeira fase é a lua de mel, quando o casal está muito bem e tudo é perfeito. Depois, a rotina se torna tensa e passam a discutir bastante. As agressões verbais e psicológicas vão ganhando força, podendo chegar à violência física. Por último, está a promessa de mudança. É a hora em que o homem amado, carinhoso, trabalhador e pai de família pede desculpas e promete uma vida diferente. A mulher acredita e o ciclo recomeça”, explica Márcia. Além disso, existem outros fatores que fazem com que as vítimas continuem nestas circunstâncias. São eles:

 Sentimento de vergonha da situação. Por isso, ela vive desencorajada a contar para as pessoas próximas e até mesmo a denunciar; se tem filho, a mulher coloca o relacionamento do pai com a criança em primeiro lugar; muitas vezes, a mulher é ameaçada de morte, caso termine a relação.

A SUA DENÚNCIA PODE SALVAR UMA VIDA

DISQUE 180 – CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER

“Os telefonemas são encaminhados para as delegacias e as equipes da investigação verificam se há ou não procedência. A polícia entra em contato com a vítima. No caso de violência doméstica, o cuidado é redobrado para o agressor não perceber. A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país”, diz Renata Lima de Andrade Cruppi, delegada de polícia da Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema, SP.

DISQUE 190 – POLÍCIA MILITAR

“A vítima também pode procurar uma delegacia comum, onde deverá ter prioridade no atendimento ou pedir ajuda. Neste caso, uma viatura da PM é enviada até o local. Havendo flagrante de ameaça ou agressão, o homem é levado à delegacia, registra-se a ocorrência, vítima e testemunhas (se houver) são ouvidas. Na audiência, o juiz decide se ele ficará preso ou em liberdade”, afirma.

E SE EU NÃO TIVER CERTEZA?

“A interferência deve sempre ser feita. Se as informações da denúncia forem vagas, haverá apuração preliminar. E depois que a denúncia for feita, a vítima será a primeira pessoa a ser ouvida, podendo ou não seguir com o processo”, finaliza Renata.

RELATOS DE VÍTIMAS

Christine Aparecida Xavier, 33 anos, jornalista, de São Paulo, SP

“Tinha 29 anos quando o conheci. Logo desconfiei que seria uma relação diferente e pensava: ‘Como ele pode gostar tanto de mim em tão pouco tempo?’ Só depois percebi que aquilo não era amor. O ciúme era exagerado, doentio. Em três meses juntos, já brigávamos e ele quebrava as coisas da minha casa, rasgava minhas roupas. Depois vieram tapas e cuspidas na minha cara. Vivia com hematomas. Uma noite discutimos porque ele não queria que eu visitasse minha mãe. Bêbado, não parava de me ameaçar e acabei chamando a polícia. Os policiais pediram a ele que se acalmasse e me procurasse só quando estivesse tranquilo. Ele saiu, mas levou a chave. Em menos de uma hora voltou cheio de ódio: puxava meu cabelo com força e me dava soco na cara. Quando se distraiu, escrevi para uma amiga, que chamou a polícia. Ele foi preso em flagrante (ficou detido por cinco meses). Mesmo assim, tive pena. Trocávamos cartas e, quando saiu, me procurou, agradecendo e querendo voltar. Eu, movida pela culpa, cedi. Em menos de duas semanas voltou a me agredir. Em dois meses, descobri que estava grávida. No fim da gestação, numa briga, ele me jogou no chão e me trancou no quarto para que minha raiva passasse e eu não o denunciasse. Fugi para a casa dos meus pais em Sorocaba e, finalmente, coloquei um ponto final naquela relação de quase dois anos. Valentina nasceu e hoje moramos só nós duas. Faz um ano que eles não se veem, mas conversam por telefone. Eu quero distância.”

Aline Ferraz do Nascimento, 37 anos, professora, de Santo André, SP

“Ficamos nove anos juntos e só hoje consigo perceber que fui manipulada. No começo ele dizia: ‘Vamos vender o seu carro para eu te levar e buscar no trabalho’ – achava fofo. Às vezes demorava para ligar e ele não gostava. ‘Onde você estava?’ ‘Conversando com o pessoal do trabalho’, respondia. Ele dizia que eu não precisava de ninguém, pois todos tinham inveja de mim. E fui me afastando dos meus amigos. Já envolvida, conheci os pais dele. Eram agressivos e faziam vistas grossas para as atitudes do filho. Era mimado. Casamos e passamos a discutir muito. As agressões verbais eram absurdas e constantes. Quando falava em separação, ele dizia que ia mudar e eu acreditava. Virei refém do meu próprio marido. Ele tinha, aliás, controle das minhas finanças. O dinheiro era do meu trabalho, mas eu tinha que pedir permissão para usar. Um dia, ao voltar de uma viagem, escondeu meu celular e começou a me agredir fisicamente. Peguei o interfone e ele arrancou o fio. Passei a noite inteira sendo agredida física e sexualmente. Gritava, mas ninguém ajudou. Morava no primeiro andar, fui até a sacada, pedi para chamarem a polícia, mas o porteiro não fez nada. Amanheceu e continuei sendo espancada. Fiz um escândalo na varanda e, finalmente, o zelador chamou a polícia. Ele ficou preso por três meses, mas quando saiu continuou me perseguindo. Apesar de ter a medida protetiva, ainda é muito difícil...”

Aparecida dos Santos*, 49 anos, empregada doméstica, de Seabra, BA

“Tinha 22 anos quando conheci meu ex-marido, na época com 19. Ficamos 26 anos juntos, tivemos três filhos. Sempre trabalhei muito e cuidava da casa sem nenhuma ajuda dele. Era um homem sem ambição, grosseiro e ignorante, e eu sempre esperei por uma mudança. Após 15 anos juntos, tudo piorou. Ele me ignorava, mandava eu calar a boca toda hora. Eu insisti querendo saber o que estava acontecendo, e a resposta foi que agia assim porque eu dava mais atenção aos filhos do que para ele. A partir daí, deixamos de dormir na mesma cama e a indiferença continuava. Para me provocar, comprava cerveja para a filha da vizinha na minha frente. Me humilhava diante dos vizinhos dizendo que não queria mais ficar comigo, que não estávamos mais juntos. Cheguei a mandar ele embora de casa, mas não foi. Certa vez, quando voltei do trabalho, perguntei para a mãe da moça para quem ele pagava a bebida se ela achava aquilo certo. Ele apareceu, me empurrou com muita força e ficou apertando o meu pescoço. Minha filha ouviu a gritaria e foi para cima dele, que também a agrediu jogando-a contra a escada. Ficamos com vários hematomas. Dois dias depois, nós duas fomos à delegacia para denunciá-lo. Após fazermos o exame de corpo delito, a delegada perguntou: “Você quer que o tiremos da sua casa e abramos um processo contra ele?” Fiquei na dúvida, pois não queria o mal dele. Em dois meses, ele foi intimado e depois foi embora. Nunca mais nos procurou. Isso tem quase um ano. Hoje, continuo trabalhando duro para não faltar nada em casa. E só quero paz”.



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