• Influenciadores baseados apenas em estilo de vida – exercícios, viagens, festas – passaram a ser duramente criticados em todo o mundo durante a epidemia.
  • A discussão ganhou força no Brasil quando a musa fitness Gabriela Pugliesi furou a quarentena ao promover uma festa em casa.
  • Em contrapartida, influenciadores que divulgam informações e notícias confiáveis ganharam relevância.
  • A discussão agora é: essa tendência permanecerá no pós-pandemia?

O episódio Gabriela Pugliesi, no final de abril, impulsionou uma ampla discussão sobre o papel e a responsabilidade dos influencers, personalidades da internet que têm um grande número de seguidores e ganham a vida fazendo publicidade nas redes sociais.

Recapitulando: após ter sido uma das primeiras vítimas famosas da covid-19 no país, a musa fitness promoveu uma festinha em casa, em plena quarentena. Não hesitou em postar, para seus mais de 4 milhões de seguidores, imagens do evento – incluindo uma cena em que ela declarou, em alto e bom som, “f…-se a vida”.

Nada muito recomendável para quem vendia justamente a imagem de defensora de hábitos saudáveis. Gabriela perdeu quase todos os patrocinadores, assustados com a repercussão negativa das atitudes e das postagens da influencer. Ela admitiu o erro e pediu desculpas, mas o estrago estava feito. Gabriela decidiu, então, afastar-se das redes para interromper o tsunami.

Aparência não é tudo

Agora, com a poeira assentada, a discussão ganhou um caráter mais aprofundado. Será que os influencers que exploram puramente o estilo de vida – beleza física, viagens para lugares paradisíacos, festas e badalações – realmente perderão espaço para outros com mais “conteúdo”?

“Acredito que a pandemia despertou uma grande revolução, em vários aspectos”, diz o consultor e professor de marketing André Carvalhal. “As pessoas estão mais conscientes do que acontece por trás das marcas e por trás dos influenciadores. Há mais vigilância e um clamor por coerência. Deslizes são cada vez mais expostos e menos tolerados.”

Esse cenário, acredita ele, está levando à transformação do perfil de quem cria opinião. “Hoje, existe uma vontade das pessoas de se conectarem mais com quem, além da aparência, traz informação, reflexão, notícias.”

Interesse coletivo

A visão das empresas a respeito é fundamental, já que o sucesso dos influencers depende muito do apoio de patrocinadores e parceiros comerciais.

Para André Turquetto, diretor de marketing da Alelo – bandeira especializada em benefícios, gestão de despesas corporativas e incentivos –, a pandemia acelerou o processo da busca de propósito pelas corporações. “Fica cada vez mais evidente que tanto o modelo atual do capitalismo como o papel das empresas nele inseridas estão mudando rapidamente”, ele diz.

Turquetto observa que os consumidores esperam uma participação mais efetiva das empresas no desafio de melhorar o mundo. Isso envolve causas como a preservação do meio ambiente e atitudes como a aplicação de parte dos lucros em projetos que beneficiam a sociedade.

“O período de pandemia que estamos vivendo acelerou esse movimento”, acredita o executivo. “Notadamente, a preferência passou a ser por aquelas empresas que exercitam a empatia, em detrimento das que falam sobre si próprias ou que tem se beneficiado por ações de influenciadores notadamente vazios, eticamente questionáveis ou pouco comprometidos com o interesse coletivo.”

Opinião embasada

Pesquisa do Instituto Qualibest mostrou que 20% dos internautas brasileiros passaram a seguir um número maior de influenciadores em comparação ao período anterior à pandemia.

Para a diretora geral do instituto, Daniela Malouf, o fenômeno mostra a força das redes sociais como fonte de informação. “Os influenciadores não são apenas meios de distração, mas também são consumidos como transmissores de análises, fatos, opiniões – coisas que antes eram buscadas somente na imprensa.”

O biólogo e virologista Átila Iamarino é um exemplo de influencer que “aflorou” durante a pandemia – justamente por ter se revelado uma fonte confiável e embasada para falar sobre a covid-19.

“O caso do Átila é interessante porque os próprios meios da imprensa notaram a sua importância como fonte de informação. Ele passou a frequentar programas de TV e a ser entrevistado pelos veículos grandes da nossa imprensa”, observa Daniela.

Depende do público

Para a jornalista Daniela Arrais, sócia do estúdio de criação Contente – que tem como missão promover uma vida digital mais genuína e consciente –, a profusão de médicos, psicólogos e psicanalistas que ganharam destaque neste momento é um respaldo importante num momento em que a ciência, a cultura e a informação confiável estão sofrendo um ataque sistemático.

A questão-chave, para ela, é se o mercado terá realmente mudado quando a pandemia passar. “Nas primeiras semanas, o repúdio à ostentação ficou muito forte. Saiu matéria no New York Times, subiram no Twitter a hashtag #guillotine2020, que reunia situações em que famosos tentaram parecer gente como a gente e falharam miseravelmente”, ela lembra.

“Mas a real é que, para uma parcela enorme de influenciadores e seus seguidores, o que funciona ainda é essa vida aspiracional, de mostrar o que os outros não têm. Talvez um conteúdo aspiracional e inatingível ainda seja o que a maioria das pessoas quer ver”, acrescenta Daniela, criadora da hashtag #ainternetqueagentequer ao lado da sócia, a publicitária Luiza Voll.

Internet plural

Outro aspecto ressaltado por Daniela é a constatação de que o mercado ainda prioriza números, sem fazer um mergulho mais profundo no que esses números significam.

“Muitas marcas ainda querem o número pelo número, e não estão preocupadas em promover conversas, apoiar iniciativas. Para marcas que se posicionam assim, os mesmos influenciadores pré-pandemia vão continuar fazendo sentido”, avalia.

De qualquer forma, observa Daniela, a discussão é saudável e relevante. “Quanto mais falarmos disso, mais teremos a possibilidade de construir uma internet que seja mais plural, em que mais vozes sejam ouvidas, em que influência signifique ter realmente algo a dizer, e não simplesmente a exibição de um estilo de vida possível para tão poucos.”


Fonte: site 6 Minutos/Maurício Oliveira

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