Artigo: Coronavírus (Covid-19) e reflexos nas relações de trabalho

O artigo foi escrito pelo Juiz do Trabalho, Professor Efetivo da UESPI e Mestre em Direito (PUCRS), Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz

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Por Carlos Wagner Araújo Nery da Cruz

Juiz do Trabalho, Professor Efetivo da UESPI e Mestre em Direito (PUCRS)

O governo federal publicou a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid – 19).

Um dos principais artigos da Medida Provisória, um dos artigos de abertura, é justamente o artigo 2º, disciplinando que empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites na Constituição. 

A Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020 (Medida Provisória da Medida Provisória) revogou apenas o art. 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, que tratava do “direcionamento do trabalhador para qualificação” sem a devida remuneração do período. O restante do texto continua em vigência. 

A Medida Provisória nº 927 diz também, no parágrafo único do seu art. 1º, que o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos no disposto do art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho.

De fato, os artigos 501 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho disciplinam hipóteses de força maior, qual seja, um acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. E aí, de fato, podemos enquadrar a questão da pandemia. 

Nesse sentido, a Consolidação permite a redução dos salários dos empregados em até 25% (CLT art. 503), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo. Uma leitura desatenta poderia motivar a interpretação de que a legislação trabalhista permite a redução de salário em caso de força maior. 

Certo, mas o parâmetro constitucional é claro nesse sentido, qual seja, o princípio da irredutibilidade salarial pode ser flexibilizado, mas apenas mediante acordo ou convenção coletiva, conforme art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal. 

Entretanto, o que a Medida Provisória fez? Ela empurrou para negociação individual entre empregados e empregadores a resolução dos conflitos graves que surgirão por força da pandemia. Como, diante de uma situação de força maior habilitar as partes para negociações tão complexas?

O caminho adequado para a flexibilização das relações de trabalho é a negociação coletiva. Exclui-la do processo ao invés de trazer benefícios aos empregados e empregadores pode gerar mais inseguranças e incertezas jurídicas. 

Não se pode entregar ao empregado e ao empregador o ônus de uma travessia tão complexa, que será feita durante os meses que se aproximam, ainda mais incentivando a negociação individual em tais situações, contrariando a Constituição Federal. 

Algumas saídas podem ser encontradas. 

Em caso de suspensão do contrato de trabalho em virtude de participação do empregado em curso ou programa de qualificação oferecido pelo empregador, o art. 2º-A da Lei nº 7.998/1990, possibilita bolsa de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo do Trabalhador, retirando do empregador tal ônus durante o período de suspensão. 

A redução salarial de até 25%, conforme disciplina o art. 503 da CLT, quando de força maior, seria possível não mediante negociação individual entre empregado e empregador, mas por meio de negociação coletiva, com a participação dos sindicatos das categorias econômicas e profissionais. Nesse caso, a participação de Auditores Fiscais do Trabalho e dos Procuradores do Trabalho será de suma importância para colaborar ou impulsionar a negociação num momento de crise como o atual. 

O art. 20 da Lei nº 8.036/90, a Lei do FGTS, no seu inciso XVI disciplina que a conta vinculada pode ser movimentada pelo trabalhador em caso de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural. Efetivamente não estamos falando de um desastre natural em si, mas através de regulamentação o governo federal pode permitir a movimentação em caso de pandemia, como agora. Os valores da movimentação também podem ser limitados, resguardando-se a conta vinculada do trabalhador para futuras necessidades. 

Além disso, a utilização do seguro-desemprego em tais hipóteses tem amparo legal. Uma das finalidades do programa é auxiliar os trabalhadores na preservação do emprego, conforme dispõe o art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.998/1990. Nada obsta que o governo utilize desse remédio pelo menos nos três primeiros meses da pandemia, diante da recessão que se avizinha. 

Tais medidas, portanto, contribuiriam para a relação entre os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil. Elas iriam equilibrar os princípios da continuidade da relação de emprego e da preservação da empresa, o primeiro caro ao Direito do Trabalho, o segundo caro ao Direito Empresarial. Tudo isso passa, necessariamente, pela preservação e valorização da negociação coletiva, com participação dos sindicatos e das autoridades em matéria trabalhista. No fim, caso necessário, a Justiça do Trabalho estará pronta para dirimir possíveis conflitos, aplicando o princípio da conciliação e valorizando o equilíbrio necessário entre o capital e o trabalho.



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