Deputado gerencia redes que promovem falso tratamento contra a Covid-19

Nos grupos são enviadas receitas médicas e protocolos para uso de medicamentos como ivermectina, hidroxicloroquina, azitromicina, bromexina e suplementos vitamínicos.

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Por Agência Pública

"Bom dia! Alguém pode, por favor, me informar um protocolo para minha filha de 15 anos? Todos na casa dela estão muito gripados e o padrasto dela perdeu o olfato ontem". "Boa tarde. O que fazer se tiver contato com pessoa que testou positivo?". "Oi grupo, boa tarde. Ontem eu passei o dia espirrando e com dor de cabeça. Hoje amanheci vomitando. Vocês acham que pode ser covid?". Perguntas como essas são comuns em grupos de WhatsApp que promovem o tratamento precoce contra a covid-19. A Agência Pública acompanhou por um mês oito deles — cinco dos quais são administrados pelo deputado estadual e médico oftalmologista Albert Dickson (Pros-RN). 

O político possui um canal no Youtube e uma página no Facebook, em que defende o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus, além de realizar atendimentos por WhatsApp.

Nos grupos são enviadas receitas médicas e protocolos para uso de medicamentos como ivermectina, hidroxicloroquina, azitromicina, bromexina e suplementos vitamínicos. Tratamentos mais arriscados como nebulização com cloroquina também são recomendados. Circulam ainda mensagens conspiracionistas sobre a pandemia, questionamentos sobre a eficácia das vacinas e rejeição ao uso de máscaras.

A Pública apurou que o telefone celular de Dickson consta como administrador dos grupos de WhatsApp "Ivermectina é Vida", "Ivermectina Salva", "Trat Precoce VS RS" e dois grupos diferentes com o mesmo nome: "Covid/Tratamento Precoce". Juntos, os grupos somam mais de 850 membros.

A reportagem ainda acompanhou os grupos "Tratamento Precoce", "Ivermectina São Paulo" e "Salvando Vidas/Covid", cujos administradores não foram identificados. O administrador "Ivermectina: porque [sic] eu uso?" é o título de um dos vídeos mais assistidos do canal de Albert Dickson no Youtube, que hoje conta com mais de 200 mil inscritos.

Deputado tem canal no Youtube onde trata dos assuntos (Foto: Reprodução/ Youtube)

Por propagar informações consideradas falsas sobre a pandemia, o casal teve 12 vídeos removidos do Youtube no início do ano, mas continua na ativa. Dickson e a esposa começaram a postar no Youtube em 2017, mas só ganharam popularidade no ano passado, quando passaram a fazer vídeos sobre tratamento precoce. Ao final das gravações, o médico disponibiliza seu número de telefone para consultas por WhatsApp. Segundo reportagem da BBC, o oftalmologista pede inscrições no seu canal em troca de atendimento médico.

Receitas médicas

 Apesar de realizar atendimento por WhatsApp, Dickson não costuma responder mensagens ou interagir nos grupos. Seu número encaminha links para suas lives e postagens no Facebook, Instagram e Youtube sobre tratamento precoce. No entanto, membros dos grupos indicam aos outros que entrem em contato com o oftalmologista por mensagens privadas para atendimento personalizado. Integrantes dos grupos relatam que já foram atendidos pelo médico e até o agradecem publicamente.

Integrates do grupo trocando informações sobre medicamentos (Foto: Reprodução)

Também circulam nos grupos receitas de medicamentos com carimbo e assinatura em nome do médico. A reportagem teve acesso a quatro receituários com a assinatura sobre o nome de Dickson que foram compartilhados pelo WhatsApp no último mês, direcionados a pacientes diferentes e em datas diversas.

"São medicamentos que não têm nenhuma recomendação para uso em infecção viral", afirma o farmacêutico e doutor em epidemiologia Julio Ponce. Ele ainda chama a atenção sobre as receitas terem várias orientações ao mesmo tempo, para pessoas com pesos e sexos diferentes. "Parece ser uma receita não personalizada, que não está sendo feita para um paciente, porque o médico que escreveu não sabe nem se é do sexo masculino ou feminino." Os receituários são emitidos com o papel timbrado do Instituto da Visão, consultório de oftalmologia em Natal onde Dickson atende, e terminam com expressões religiosas como "Deus seja exaltado. Leia a Bíblia".

Médico compartilha vídeo a favor do tratamento precoce (Foto: Reprodução)

Anti-vaxxers 

Membros dos grupos no WhatsApp também questionam os únicos métodos eficazes de combate à pandemia, como a vacinação e o uso de máscaras. "Era para eu ter ido na sexta tomar a vacina da astrazeneca... desisti", confessou um número no grupo "Ivermectina Salva". "Estou com muito receio. Metade de mim quer e o outra tem medo", continuou. "Metade de mim diz pra não tomar a outra metade também. Daqui uns dois anos quem sabe teremos uma vacina eficiente e segura, prefiro a profilaxia, mas você decide o que é melhor pra você", respondeu outra integrante do grupo. "Eu não tomo nenhuma, ninguém caiu a ficha ainda", publicou outra pessoa.

Grupos criticaram Paulo Gustavo por não ter feito tratamento precoce (Foto: Reprodução)

Há também relatos de pessoas que tiveram efeitos colaterais às vacinas ou se infectaram mesmo assim. "Minha vizinha aqui tomou a vacina e depois de contaminada com o vírus veio a óbito", alertou um dos usuários. Também circulam fake news sobre vacinas e o uso de máscaras. Uma imagem compartilhada dizia que elas poderiam causar "privação de oxigênio e envenenamento por CO2", o que já foi desmentido por agências de checagem.



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