Empreendedora sai de SP para viver em povoado de 600 pessoas no Piauí

Foi buscando o sentimento de “viver sem excesso” que a empreendedora de moda consciente Camilla Marinho trocou a rotina da capital paulista para o povoado da Barrinha, no Piauí.

Camilla Marinho | Reprodução
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Camilla Marinho para a Vogue

A simplicidade traz sabedoria e quando assumimos o lugar de aprendiz, esses saberes vão tornando a nossa vida mais leve. E foi buscando o sentimento de "viver sem excesso" que tomei a decisão mais sábia da minha vida: sair do caos de São Paulo para viver com menos pressa e mais propósito em um povoado de aproximadamente 600 pessoas, na Barrinha, litoral do Piauí.

Trabalho no mercado da moda há 13 anos e fiz de tudo um pouco: comecei trabalhando em algumas marcas do segmento, tive um blog e já fui do tipo extremamente consumista. Presenciei muitas campanhas e editoriais criados a partir de referências gringas e pouquíssimos, ou quase nenhum deles, valorizava os saberes ancestrais do nosso País. Com o grande repertório da cultura popular que possuímos, porque não valorizar esses costumes? Esse era - e ainda é - um questionamento constante que martela em minha cabeça.

Depois de um tempo, repensei e recriei a minha moda como eu acreditava. Foi um processo de desconstrução interna muito ligado à sustentabilidade e consumo consciente. Idealizei um projeto que, por meio da descentralização e impacto social, abriu inúmeras portas para o que se conhece como mercado de moda sustentável hoje no Brasil: o DAMN Project.

Casa ok, trabalho ok, relacionamento ok. Estava tudo indo muito bem quando comecei, novamente, a me questionar o quanto esse estilo de vida frenético fazia - de fato - sentido para mim. Percebi então, que o cenário que se formava da moda sustentável vinha com uma velocidade e ideais que não conectava mais com o meu propósito. 

Como uma boa curiosa e apaixonada pelo Brasil, me permiti abrir os horizontes e me debrucei em pesquisas, leituras, exposições e documentários que traziam boas histórias da nossa cultura nacional tão rica e, infelizmente, pouco valorizada.Questionamentos como esses, junto de viagens transformadoras, onde fazia questão de me envolver com as saberes locais, me levaram a deixar São Paulo e o mercado da moda sustentável que ajudei a desenvolver. Sair do maior centro do país, onde transitava pelos eventos mais "hypados" do mercado da moda, não foi nada fácil para mim, mas eu precisava de silêncio, precisava respirar, acalmar e me reconectar com a nossa maior força - a mãe Natureza. Com a correria imposta pelo meio urbano, isso era praticamente impossível, então me via cada vez mais desconectada do lugar em que habitava. Foi aí que li um texto da Sibele Oliveira na revista independente Vida Simples, e tive o impulso que precisava para virar essa chave de vez:

"A sabedoria não é exclusiva de homens de cabelos brancos e barbas fartas, sempre calmos e agradáveis, gentis e com uma compreensão profunda de todas as coisas. O ancião tem a sabedoria de ser prudente, aprender com o que já viveu. Mas o jovem tem a sabedoria de arriscar, de querer o novo, de procurar ser diferente."

A partir daí, não tive dúvidas: me planejei junto com meu noivo, vendemos todos os móveis que tínhamos em São Paulo, entregamos as chaves da casa de vila que morávamos em Pinheiros e migramos para o Piauí sem olhar para trás.

Junto com mais 5 sócios, que buscavam uma ideologia de vida menos intensa e fora dos grandes centros, idealizamos o Chão Piauí - um projeto sociocultural que de turismo consciente que busca gerar impacto positivo para o povoado da Barrinha.

Tudo teve seu início quando a Martha, uma das sócias, visitou pela primeira vez o povoado em 2012, e se apaixonou pelos costumes e práticas regionais ancestrais da região. Nosso o objetivo é resgatar o passado para recriar o presente e construir um novo futuro junto com os nativos. 

Estruturamos o projeto em três pilares: Chão de Estar, casas de hospedaria construídas de forma responsável e com materiais de baixo impacto, onde recebemos as pessoas que queiram vivenciar toda essa atmosfera. O Chão de Aculturar, um laboratório natural onde co-criamos projetos proprietários com marcas e empresas parceiras; e o Chão de Acolher, um vínculo social com o povoado, onde aplicamos iniciativas positivas em prol dos nativos.

Costumo dizer que aqui mais aprendemos do que ensinamos e, logo quando cheguei, comecei a reunir algumas crianças sem pretensão alguma para "dar aula", por conta da paralisação das escolas durante a pandemia. Falamos sobre heroínas brasileiras, sobre a nossa cultura, o por que deveríamos "recontar" a nossa história. E também discutimos a importância da valorização do trabalho dos seus avós, pais (povo sertanejo de muita fé e resistência) e para nos divertirmos e deixar a imaginação fluir. A sabedoria da simplicidade no dia a dia dessas crianças é encantadora e um tapa do que realmente importa nessa vida.

Entendemos que mesmo com o Brasil parado e a economia um caos, tínhamos que aumentar a estrutura para receber mais crianças e conseguimos tirar do papel um projeto que, com certeza, ainda vai nos dar muito orgulho e principalmente, nos ensinar muito: O Chãozinho, é um pedacinho do nosso lugarejo para agrupar o futuro do povoado e estimular a cultura local e artesã, através da oralidade, respeito e amor.

Queremos despertar o agente de transformação que habita em cada criança e propor um ambiente de convivência e troca, respeitando os limites de cada um. Chãozinho é um lugar de inspiração e transformação, onde podemos vivenciar conceitos de uma vida mais consciente e conectada com valores ancestrais. É uma oportunidade de despertar localmente, os talentos que precisam ser desenvolvidos.

Optamos por materiais de baixo impacto e que valorizam a matéria-prima local, como o trançado da palha de carnaúba e a taipa e queremos fazer deste espaço, uma referência em tecnologia social e ambiental. Quem está sonhando e fazendo acontecer junto com a gente, é o Coletivo Arruma e o Maní: coletivos de mulheres que trabalham com atividades Ecopedagógicas e o desenvolvimento de obras através da Bioconstrução, Permacultura e Agricultura Orgânica e devemos inaugurar o espaço ainda este ano.

Esse espaço é a materialização de como é possível empreender de forma consciente e gerir um negócio onde todos ganham: a comunidade e a natureza, promovendo e valorizando o conhecimento cultural, ecológico e social da comunidade da Barrinha.

Por que sim, a sustentabilidade caminha lado a lado com a tecnologia e vamos juntos construir um futuro que valorize também os povos originários. Posso dizer que minha vida está completamente transformada desde que vim para cá. Ainda bem.



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