Mulher salva marido após infecção pela 'pior bactéria do mundo'

O homem foi salvo da morte

Bactéria | BBC
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Quando Tom Patterson começou a vomitar durante suas férias no Egito, pensou que estava com intoxicação alimentar. Ele estava errado. Na verdade, Patterson havia contraído uma superbactéria resistente a antibióticos. Apenas a determinação de sua esposa e um novo tratamento revolucionário o salvariam. A notícia está no site MSN.

"Alguém disse a Steff que seu marido vai morrer?"

Essa foi uma pergunta que Steffanie Strathdee não deveria ouvir. Ela estava numa ligação telefônica com colegas de trabalho, que continuaram conversando entre si depois que pensaram que ela havia desligado.

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Epidemiologista especializada em doenças infecciosas, Steffanie sabia que o estado de saúde de seu marido era grave — naquele momento, ele estava em coma induzido.

Ainda assim, foi chocante ouvir que ele iria morrer.

"Pensei: 'Oh meu Deus. Não, ninguém me disse isso'", lembra.

"Pus o telefone nos meus braços como se estivesse ninando um bebê, e comecei a refletir sobre o que estava acontecendo. Percebi que, se ele estava realmente morrendo, tinha de fazer alguma coisa."

Vontade de viver

Os médicos estavam ficando sem alternativas para manter Patterson vivo, enquanto a superbactéria resistente a todos os antibióticos permanecia em sua corrente sanguínea.

Steffanie leu que às vezes pessoas em coma podem ouvir, então decidiu perguntar ao marido se ele queria viver.

"Pensei que não podia simplesmente tomar a decisão de mantê-lo vivo se ele não quisesse mais viver. Precisava perguntar a ele", diz. "Então, segurei a mão dele e disse: 'Querido, se você quiser viver, precisa dar seu máximo; os médicos já não têm mais recursos. Todos esses antibióticos são inúteis. Então, se você quer viver, por favor, aperte minha mão e não deixarei pedra sobre pedra'."

Depois de alguns minutos, Patterson apertou a mão dela.

"Dei um soco no ar e disse: 'Isso é maravilhoso!'", diz Steffanie. "E então percebi: 'Oh meu Deus, o que vou fazer agora? Não sou médica, não sei o que fazer.'

Patterson e Steffanie, ambos cientistas da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, se conheceram por meio de seu trabalho na pesquisa sobre Aids. Viajantes ávidos, eles visitaram cerca de 50 países juntos, frequentemente aproveitando conferências acadêmicas para emendar férias e explorar novos lugares.

Em novembro de 2015, os dois estavam prestes a viajar para o Egito, quando uma bomba terrorista derrubou um avião russo saindo do balneário de Sharm el-Sheikh. Eles chegaram a conversar sobre adiar a viagem, mas decidiram ir.

"Tom disse: 'É a hora perfeita para ir! Não haverá muitos turistas!' Respondi: 'Você está louco?' Escrevi o resto de nosso testamento à mão e entreguei a meus pais, que ficariam cuidando de nossa casa. Pensamos que, se houvesse um problema, seria um ataque terrorista ou algo assim."

A viagem foi fantástica. A última parada foi no Vale dos Reis e, para chegar lá, o casal fez um passeio noturno de barco pelo Nilo. Quase os únicos passageiros em um barco fluvial projetado para 150 pessoas, Patterson e Steffanie jantaram sob as estrelas no convés do navio, com o Nilo cintilando ao seu redor.

Mas, de volta à cabine, Patterson começou a vomitar. A princípio, o casal pensou se tratar de uma intoxicação alimentar. Em suas viagens, sempre carregavam um antibiótico, mas desta vez o remédio não funcionou. Tom se sentia cada vez pior e começou a ter dores nas costas. Não parecia uma simples intoxicação alimentar.

A pior infecção do mundo

De volta à terra firme, Steffanie levou Patterson a alguns médicos. Eles realizaram uma tomografia computadorizada e descobriram que não era intoxicação alimentar. Patterson tinha um abcesso no estômago, conhecido como pseudocisto, que havia crescido quase até o tamanho de uma bola de futebol.

Graças a seu seguro médico, pelo qual pagaram US$ 35 (R$ 140 em valores atuais), Patterson foi levado para Frankfurt, na Alemanha, onde os médicos descobriram que a causa inicial do problema era uma pedra expelida de sua vesícula biliar que estava presa em seu ducto biliar.

Dentro do cisto, eles encontraram um líquido marrom escuro que indicava que não se tratava de uma nova infecção. Enquanto os médicos trabalhavam para descobrir o que estava acontecendo, Patterson começou a entrar em coma.

"Estava tendo alucinações, pensando que estava no Egito, vendo hieróglifos nas paredes, realmente perdendo totalmente minha consciência", lembra Patterson. "Por causa da infecção no meu intestino — e eu já não dormia muito havia alguns dias — estava ficando muito louco. Os médicos voltaram e disseram: 'Esta é a pior infecção do planeta. Isso é uma infecção que fechou hospitais na Alemanha. Chama-se Acinetobacter baumannii'."

Patterson foi colocado em isolamento e seus filhos viajaram ao seu encontro, pensando que talvez o pai não sobrevivesse. Quando os médicos vinham visitá-lo, tinham de usar roupas especiais.

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Isso assustou Steffanie, que conhecia a Acinetobacter quando estudou microbiologia na faculdade.

"Fiquei realmente chocada porque este é um organismo que eu costumava colocar nas placas de Petri nos anos 80, e era considerado um patógeno muito fraco na época. Só usávamos luvas e jaleco para manuseá-lo, e nenhum equipamento especial", diz.

"Mas, nas últimas duas décadas, tornou-se uma superbactéria. Esse micro-organismo aprendeu a roubar genes de resistência a antibióticos de outras bactérias e ganhou superpoderes que o tornaram um patógeno muito mortífero."

Transferência para os Estados Unidos

Em 2017, a Acinetobacter foi listada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das três superbactérias para as quais novos antibióticos eram mais urgentemente necessários. Felizmente, ainda havia alguns antibióticos que funcionavam com Patterson, e a equipe médica de Frankfurt conseguiu estabilizar seu estado de saúde.

Graças ao trabalho, o casal tinha vários amigos médicos que puderam dar conselhos sobre a situação de Patterson, e decidiu-se transferi-lo para San Diego. Ali, o corpo médico tinha experiência com a Acinetobacter baumannii, devido ao número de militares vivendo na área — o micro-organismo foi apelidado de "Iraqibacter" devido ao grande número de infecções detectadas nas forças americanas servindo no Oriente Médio.

Mas quando Patterson chegou, foi testado novamente quanto à sensibilidade a antibióticos e recebeu más notícias. Nenhum deles estava fazendo qualquer efeito.

Os médicos tiveram de tomar uma decisão difícil: eles poderiam operar para remover o abscesso ou tentar extrair o fluido infectado do corpo. Mas chegaram à conclusão que operar era muito arriscado — se o micro-organismo entrasse na corrente sanguínea, provocaria choque séptico.

Steffanie descreve o choque séptico como a reação exagerada do sistema imunológico do corpo ao invasor. O corpo entra em "alerta vermelho", a pressão arterial cai, a frequência cardíaca aumenta e a respiração acelera.

"Isso acontece muito rapidamente e a taxa de mortalidade é de 50%", diz ela.

Assim, os médicos optaram por aspirar o líquido, colocando cinco drenos no abdômen de Patterson.

Eles planejaram transferi-lo para uma unidade de terapia intensiva de longo prazo. No entanto, um dia antes de isso acontecer, um dos drenos escorregou enquanto ele tentava se sentar na cama, jogando toda a infecção na corrente sanguínea. Patterson imediatamente entrou em choque séptico, foi levado de volta à UTI e precisou de ventilação mecânica para respirar.

"A partir desse momento, a bactéria se espalhou por todo seu corpo — no sangue, não apenas no abdômen. Ele estava morrendo", lembra Steffanie.

Com 1,80m de altura e 136 kg, Patterson já havia perdido uma quantidade enorme de peso.

"Podia colocar meu punho entre as bochechas dele e as órbitas dos seus olhos; era uma cena horrível", diz Steffanie.

Alucinações 

Nesse ponto, Patterson realmente não sabia o que estava acontecendo. "Estava tendo alucinações de proporções quase bíblicas. Histórias como se eu estivesse vagando por 100 anos no deserto tentando responder a três perguntas feitas por homens santos. Isso durou dias", diz ele.

Patterson saía do coma por um curto período de tempo e, em seguida, conseguia se comunicar com as pessoas ao seu redor, mas não sair da cama.

Foi nessa época que Steffanie ouviu seus colegas perguntando se sabia que seu marido iria morrer. Foi quando ela apertou a mão dele e lhe perguntou se ele queria viver.

O que Steffanie não sabia era que naquele momento ele estava tendo alucinações de que era uma cobra. Como Patterson poderia apertar a mão dela quando as cobras não têm mãos? Ele acabou descobrindo que poderia envolver todo o corpo em torno da mão dela — e foi aí que deu o sinal de que ela tanto precisava.

Percebendo que eram necessárias medidas urgentes, Steffanie procurou o PubMed, o mecanismo de pesquisa da Biblioteca Nacional de Medicina.

"Busquei 'resistência a múltiplas drogas', 'Acinetobacter baumannii' e 'tratamentos alternativos', e apareceu um artigo com algo chamado terapia com bacteriófagos no título e pensei: 'Bacteriófago... eu me lembro do que eles são'."

Os fagos são vírus que evoluíram naturalmente para atacar bactérias e Steffanie os estudou por um curto período de tempo na graduação.

Eles são minúsculos, 100 vezes menores que as bactérias, e estão por toda parte, explica ela, na água, no solo e na pele. Estima-se que 30 bilhões deles entrem e saiam de nossos corpos todos os dias.

Agulha no palheiro

Um século atrás, os fagos estavam atraindo muita atenção como uma possível cura para infecções bacterianas, mas fora da antiga União Soviética e partes da Europa Oriental, essa pesquisa caiu no esquecimento após a descoberta da penicilina, em 1928.

Depois da penicilina, surgiram outros tipos de antibióticos, diz Steffanie, que fez os médicos do Ocidente pensarem que sempre poderiam encontrar uma solução para qualquer nova infecção bacteriana.

"Estávamos errados!", diz ela. "Foi somente quando essas superbactérias, essas bactérias resistentes a vários antibióticos, começaram a se tornar uma ameaça real à saúde global que começamos a analisar novamente (os fagos)."

O próximo passo de Steffanie foi abordar a Federal Drug Administration (FDA), a agência americana que regula produtos alimentícios e farmacêuticos, que aprovou um tratamento experimental por empatia a Patterson.

Mas havia um problema. Para que o tratamento funcionasse, Steffanie precisou encontrar fagos que correspondessem à forma específica da bactéria Acinetobacter com a qual seu marido estava infectado — e com trilhões de fagos no planeta, essa não era uma tarefa fácil.

Steffanie voltou à internet e contatou pesquisadores que poderiam ajudá-la — embora nenhum deles estivesse usando fagos como tratamento médico.

Ry Young, da Universidade A&M do Texas, respondeu rapidamente, oferecendo-se para transformar seu laboratório em um quartel-general e pedindo a especialistas em fagos de todo o mundo que enviassem amostras para serem testadas contra as bactérias de Patterson.

"Basicamente, tínhamos pesquisadores de fagos de todo o mundo que estavam oferecendo ajuda, da Suíça, Bélgica, Polônia, República da Geórgia, Índia. Os belgas até ofereceram que seus fagos fossem enviados em uma mala diplomática. Eram desconhecidos chamando a responsabilidade para si, um verdadeiro esforço global para resgatar um homem", diz Steffanie.

Dentro de três semanas, graças em parte a um estudante de doutorado que dormia no laboratório para não interromper as pesquisas, um coquetel de quatro fagos estava pronto.

A essa altura, Patterson estava sobrevivendo acoplado a uma máquina. Seus pulmões e rins estavam falhando, ele usava um respirador e necessitava de três medicamentos diferentes para manter o coração funcionando. Em outras palavras, estava a poucas horas de morrer.

Naquele momento, as emoções já tinham tomado conta do hospital.

"As pessoas acendiam velas, rezavam, enviavam recomendações de músicas. Tínhamos música tocando ao fundo e Tom se lembra até hoje dos Beatles tocando quando ele entrava e saía do coma", diz Steffanie.

A responsabilidade pelo tratamento experimental que eles estavam prestes a realizar pesava sobre ela.

"Foi assustador porque pensei: 'Bem, ele vai morrer de qualquer maneira, se não fizermos isso... mas se isso o matar, ficarei com esse peso na minha consciência pelo resto da minha vida'".

O começo da recuperação

O primeiro coquetel de fagos foi injetado em tubos no abdômen de Patterson, mais próximo da infecção. Quando ele estava mais estável, um segundo e mais potente coquetel de fagos, desenvolvido em um centro médico da Marinha dos EUA, foi injetado em sua corrente sanguínea.

Foi realmente um tratamento pioneiro, pois mesmo em locais onde ainda se usa a terapia fágica, geralmente ela não é administrada por via intravenosa. Esses coquetéis podem matar o paciente se não estiverem limpos o suficiente, e geralmente vêm de lugares sujos, ricos em bactérias, como esgotos — "de alguns dos lugares mais horríveis que você pode imaginar", como descreve Steffanie.

Mas três dias após receber fagos, Patterson acordou do coma.

"Minha filha estava de pé ao meu lado. Peguei a mão dela e a beijei", lembra ele. "Não conseguia falar na época e depois fiquei muito cansado, dormi de novo."

Logo após o início da terapia fágica, Patterson teve outro choque séptico, o sexto de sete durante os nove meses que passou no hospital.

Vários fagos foram utilizados enquanto o tratamento continuava, e as bactérias desenvolveram resistência a alguns deles. Ainda não se sabe quais fagos funcionaram e quais não.

Ele agora cumpriu 75% de um período previsto de recuperação de quatro anos.

Patterson teve de reaprender a engolir, a conversar, a ficar de pé e a andar. Ele deixou o hospital em uma cadeira de rodas porque seus músculos estavam muito fracos.

Uma das lições que Patterson tira de seus meses no hospital é sobre a importância da companhia. Seu genro garantiu que ele estivesse acompanhado 24 horas por dia, sete dias por semana, e mesmo quando ele estava em coma, muitas vezes ouvia à distância o que estava acontecendo.

"Ouvia as pessoas conversando, as pessoas liam e cantavam para mim, seguravam minha mão, e um toque era como um choque elétrico, tanta energia chega até você", diz ele.

Patterson foi a primeira pessoa na América do Norte a receber terapia fágica intravenosa para tratar uma infecção sistemática por superbactérias. Steffanie reconhece a sorte que tiveram e o quão importante foi sua rede de contatos, o que lhe permitiu lançar o esforço internacional para salvar seu marido.

Quando, um ano após a recuperação de Patterson, seu caso foi apresentado no Instituto Pasteur, em Paris, na França, em uma conferência para marcar o centésimo aniversário da descoberta dos bacteriófagos em 1917, Steffanie começou a receber ligações de pessoas de todo o mundo — pessoas cujos familiares estavam morrendo de uma infecção por superbactérias e que queriam tentar a terapia de fagos.

"Fiquei impressionada", diz ela. "Mas tentei reproduzir o mesmo tratamento que foi dado a Tom. Salvamos algumas delas, não apenas suas vidas, mas seus membros, e um dos casos mais milagrosos que ocorreram como resultado de Tom foi Isabelle."

Isabelle Carnell-Holdaway, uma adolescente britânica que sofre de fibrose cística, desenvolveu uma infecção resistente a antibióticos após um transplante de pulmão. Em outubro de 2017, os médicos de Isabelle entraram em contato com Graham Hatfull, especialista em fagos da Universidade de Pittsburgh, e sua equipe usou sua vasta coleção de fagos para desenvolver um coquetel para tratar Isabelle.

Chip Schooley, o médico responsável pelo tratamento de fagos de Tom, trabalhou com as equipes de Pittsburgh e Londres para obter aprovação para o uso terapêutico do coquetel.

A terapia começou em junho de 2018 e Isabelle logo começou a se recuperar. Em meses, ela conseguiu voltar à rotina normal, mesmo tendo recebido prognóstico de apenas 1% de chance de sobrevivência. A experiência adquirida ao salvar Patterson foi inestimável para o tratamento da infecção de Isabelle.

Ainda há muitos obstáculos a ser transpostos antes que a terapia fágica possa ser usada na medicina convencional.

Os fagos não são como drogas, onde uma droga pode funcionar contra uma grande variedade de organismos. Os fagos funcionam melhor quando adaptados com muita precisão à bactéria com a qual um paciente está infectado, o que torna o experimento de ensaios clínicos mais complexo. Até agora, apenas alguns ocorreram.

Mas Patterson e Steffanie se tornaram grandes entusiastas do tratamento. Eles contaram sua história em um livro, The Perfect Predator (O Predador Perfeito), que agora está sendo transformado em documentário e filme.

Eles também abriram o Centro de Terapia Fágica Inovadora e Terapêutica da Universidade da Califórnia, San Diego — o primeiro centro dedicado à terapia fágica na América do Norte.

Parte de sua missão é convencer as pessoas da urgência de encontrar uma solução para a resistência aos antibióticos. A menos que algo seja feito, diz Steffanie, uma pessoa vai morrer a cada três segundos por infecção causada em 2050.

"Como epidemiologista de doenças infecciosas, ter meu marido morrendo de uma superbactéria foi um choque", diz Steffanie.

"Parecia uma ironia terrível do destino. Parte de mim era a cientista tentando analisar as coisas e obter controle, a outra parte de mim era a esposa tentando segurar a mão do meu marido e lidar com uma situação desesperadora", lembra.

"Mas, para ser sincera, fiquei extremamente envergonhada porque estava realmente cega a essa ameaça global, a crise das superbactérias, com a qual tive que lidar".



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