Pesquisadores desenvolvem técnica para produzir fígado em laboratório

Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista Materials Science and Engineering

Matriz extracelular de fígado descelularizado- Foto: CEGH-CEL/USP | Matriz extracelular de fígado descelularizado- Foto: CEGH-CEL/USP
FACEBOOK WHATSAPP TWITTER TELEGRAM MESSENGER

Elton Alisson | Agência FAPESP – Pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL), do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), desenvolveram uma técnica para a reconstrução e produção de fígado em laboratório.

A prova de conceito do método foi realizada com fígado de ratos. Na próxima etapa do estudo, os pesquisadores pretendem adptar a técnica para, futuramente, produzir fígados humanos a fim de aumentar a disponibilidade do órgão para transplante.

Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista Materials Science and Engineering: C.

“A ideia é produzir fígados humanos em laboratório, em escala, com o intuito de diminuir a espera por doadores compatíveis e os riscos de rejeição do órgão transplantado”, diz à Agência FAPESP Luiz Carlos de Caires Júnior, primeiro autor do estudo. O pesquisador realiza pós-doutorado no CEGH-CEL – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.

Matriz extracelular de fígado descelularizado- Foto: CEGH-CEL/USP

A metodologia é baseada em técnicas de bioengenharia de tecidos desenvolvidas nos últimos anos para a produção de órgãos para transplante, chamadas descelularização e recelularização.

As técnicas consistem em submeter o órgão de um doador falecido – no caso, o fígado – a sucessivas lavagens com soluções detergentes ou enzimas, com o objetivo de retirar todas as células do tecido até restar apenas a matriz extracelular, com a estrutura e o formato originais do órgão. A matriz extracelular é recomposta com células derivadas do paciente receptor, a fim de evitar o risco de reações imunológicas e diminuir o risco de rejeição em longo prazo do órgão transplantado.

“É como se o receptor recebesse um fígado recauchutado, que não seria rejeitado porque foi reconstituído usando suas próprias células. Ele não precisaria nem tomar imunossupressores”, explica Mayana Zatz, coordenadora do CEGH-CEL e coautora do estudo.

Por meio dessas técnicas também é possível reconstituir órgãos considerados limítrofes, aumentando a sua disponibilidade para os pacientes na fila de espera, explica Caires.

“Muitos órgãos disponíveis para o transplante não são aproveitáveis porque são provenientes de pessoas que sofreram acidentes de trânsito. Por meio dessas técnicas é possível recuperar esses órgãos, dependendo de sua condição”, afirma o pesquisador.

O processo de descelularização, contudo, remove os principais componentes da matriz extracelular do órgão, como moléculas que sinalizam para as células que elas devem proliferar e formar vasos. Dessa forma, compromete a recelularização do tecido e diminui as propriedades de adesão das células à matriz extracelular.

Para solucionar esse obstáculo, os pesquisadores do CEGH-CEL aprimoraram as técnicas de descelularização e recelularização, introduzindo uma nova etapa.

Após isolar e descelularizar o fígado de ratos, eles injetaram na matriz extracelular uma solução rica em moléculas, como as proteínas Sparc e a TGFB1, produzidas por células hepáticas cultivadas em laboratório em um meio condicionado. Essas proteínas sinalizam para as células hepáticas que elas devem se proliferar e formar vasos sanguíneos – funções essenciais para o bom funcionamento do fígado.

“O enriquecimento da matriz extracelular com essas moléculas permite que ela se torne muito mais parecida com a de um fígado saudável”, afirma Caires.

Depois de tratar a matriz extracelular do fígado de ratos com a solução, foram introduzidos no material hepatócitos, células endoteliais e mesenquimais – essas últimas produzidas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, na sigla em inglês). O método consiste em reprogramar células adultas (provenientes da pele ou de outro tecido de fácil acesso) para fazê-las assumir estágio de pluripotência semelhante ao de células-tronco embrionárias.

“O trabalho mostrou que é possível induzir a diferenciação de células-tronco humanas em linhagens de células que fazem parte de um fígado e usá-las para reconstruir o órgão de modo que seja funcional. É a primeira prova de conceito de que a técnica funciona”, avalia Zatz.

Com o auxílio de uma bomba de seringa, as células hepáticas foram introduzidas na matriz extracelular de fígado de ratos para produzir um órgão com as características do humano.

O órgão cresceu durante cinco semanas em uma incubadora que simula as condições de um corpo humano. As análises indicaram que o enriquecimento da matriz extracelular com a solução rica em proteínas Sparc e TGFB1 melhorou muito a recelularização do fígado produzido.

“As células hepáticas crescem e funcionam melhor por meio desse tratamento. Pretendemos, agora, construir um biorreator para fazer a descelularização de um fígado humano e avaliar a possibilidade de produzi-lo em laboratório e em escala”, diz Caires.

Segundo o pesquisador, a técnica também pode ser adaptada para produção em laboratório de outros órgãos, como pulmão, coração e pele.

Fabricação de órgãos

O projeto integra uma das linhas de pesquisa do CEGH-CEL, voltada à fabricação ou reconstrução de órgãos para transplante por meio de diferentes técnicas.

Por meio de um projeto em parceria com a farmacêutica EMS, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), os pesquisadores do Centro pretendem modificar órgãos de porcos, como o rim, coração e pele, para transplantá-los para humanos (leia mais em agencia.fapesp.br/29761/).

Como não é possível transplantar fígado de porcos para humanos, os pesquisadores partiram para outras estratégias: a descelularização e recelularização e a produção do órgão por impressão 3D (leia mais em agencia.fapesp.br/31946/).

“Essas diferentes frentes de estudo são complementares. A expectativa é termos, no futuro, fábricas de órgãos para transplante”, diz Zatz.

O artigo está disponível em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0928493120337814. 

 



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


Tópicos
SEÇÕES