Youtube influencia jeito de falar de crianças? Saiba mais

Sem ir à escola e sem encontrar os amigos, muitas crianças passaram a consumir muitos vídeos no canal

Anita passou a usar expressões de outras regiões diferentes de onde ela mora | Arquivo pessoal
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Cada vez mais frequentes na vida das crianças, os youtubers se tornaram ídolos e podem estar influenciando até o modo de falar e de agir dos pequenos. É o que observaram muitos pais, principalmente após o início da pandemia e as medidas de isolamento social.

A defensora pública Odyle Serejo, de Natal (RN), percebeu algo de diferente no jeito de falar da sua filha mais velha. Anita, de 6 anos, passou a usar expressões que destoavam do vocabulário usado pela família e pela população do Rio Grande do Norte, em geral. "Ela começou a falar coisas como 'Ah, satanás' ou 'supimpa', que não falamos em casa, e até a fazer um chiado em algum momento", exemplifica a mãe.

Sem ir à escola e sem encontrar os amigos, a menina passou a se distrair consumindo principalmente vídeos de jovens youtubers jogando (e narrando) games populares entre as crianças. A maioria dos que ela acompanha é de São Paulo.

"Na pandemia, houve um contato maior com esse conteúdo e acho que influenciou. Essa geração tem características próprias na fala relacionadas ao mundo online, até na forma de se comunicar quando vão gravar um vídeo com o celular", diz a mãe de Anita.

Mas será que o intenso consumo de vídeos nas redes sociais é capaz, sozinho, de mudar o jeito de uma criança falar? A resposta é mais complexa que um "sim" ou "não".

A primeira coisa que precisamos ter em mente é que o "sotaque" de uma pessoa vai bem além do uso de novas expressões ou da forma como ela constrói uma frase. O sotaque tem a ver com a forma que pronunciamos as palavras — como emitimos o som, onde posicionamos a língua — na hora de falar.

O fonoaudiólogo e linguista Leonardo Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa), explica que o uso de novas palavras e gírias ou a maneira de formular frases exigem um "nível de atenção menos refinado" — ou seja, identificamos essas diferenças regionais rapidamente quando ouvimos e somos capazes de reproduzi-las no nosso próprio modo de falar.

Já o sotaque contempla propriedades acústicas mais refinadas, nuances muito discretas que às vezes nem percebemos — e, para "imitarmos" naturalmente, seria necessário certo nível de interação com o falante dessa variante.

Pesquisador Leonardo Lopes ressalta que o Brasil caminha para cenário com sotaque com cada vez menos diferenças regionais — Foto: BBC 

Estudos feitos nos EUA que compararam a percepção e aquisição de linguagem mostram diferenças significativas quando crianças são expostas a telas ou quando elas interagem presencialmente com o interlocutor.

"Ou seja, uma mera exposição a um conteúdo em vídeo não seria capaz de modificar o sotaque de uma criança. A pronúncia necessita da interatividade", explica Lopes.

"A exposição a vídeos com pessoas de outras regiões pode afetar a questão dialetal, o que inclui o vocabulário, expressões idiomáticas, o modo de formular uma frase".

Isso quer dizer que o intenso consumo de vídeos pode fazer com que a expressão "oxe" — popular em vários Estados nordestinos — faça cada vez mais parte do vocabulário de pessoas do Sudeste. Mas não seria capaz de fazer com que um paulista fale um "ti" ou um "di" bem marcado, característico na pronúncia de um paraibano, por exemplo.

Essa influência específica no vocabulário é sentida na casa de Elisa, casada com um paulistano-catarinense e moradora do Rio de Janeiro. O filho Bruno, de 5 anos, já passou um período usando expressões nordestinas, mas hoje está indo mais pro lado das paulistas.

"Com a pandemia, ele ficou muito em casa no tablet, vendo conteúdo de youtubers como Gabriel Dearo [de Ribeirão Preto, SP]. Antes ele via mais gamers do Nordeste. Então a gente vai percebendo essa mudança de acordo com o que ele assiste", diz.

O sotaque, ressalta Lopes, é formado até por volta dos 7 anos de idade. Para ocorrer uma mudança depois desse tempo, é necessário um período longo de exposição a outras variantes linguísticas ou um contexto social específico.

Por exemplo, as pessoas podem mudar a forma de falar, mesmo involuntariamente, para se incluir num determinado grupo social (quando se mudam para algum lugar) ou para se adequar a uma situação de fala (se é uma conversa de amigos, uma palestra ou uma gravação do Instagram).

Na casa de Odyle, a família percebeu que Anita fala de um jeito diferente se está gravando um vídeo — e que a garota também vive "fases" de falar uma ou outra expressão. "Depois do relaxamento de algumas medidas de isolamento, percebemos que voltou mais ao 'normal'".

Anita passou a usar expressões que não são faladas em Natal, onde mora — Foto: Arquivo Pessoal 

O mundo globalizado, com mais trocas entre pessoas de diferentes regiões, está levando o Brasil a ter um sotaque mais homogeneizado, na opinião de Leonardo Lopes, da SBFa.

Lopes, que pesquisou no doutorado justamente a relação da audiência com as variantes linguísticas de apresentadores de telejornais, reflete que o mundo conectado tem aumentado a nossa tolerância com os diferentes dialetos.

"Esse processo social, de contato linguístico, tem essa parte positiva: há valorização da diversidade linguística, e isso é importante para que as pessoas parem de sofrer preconceito por causa da sua fala".



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