Aos 83 anos, o senhor “Playboy”avalia seu legado

Hefner, o lendário fundador da Revista Playboy

Califórnia | d
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Em Holmby Hills, Califórnia Hugh Hefner se recostou em uma poltrona namoradeira vermelha surrada, no escritório de sua mal-afamada mansão, e cruzou os dedos atrás da cabeça. Um visitante havia perguntado - ou melhor, gritado, já que ele tem dificuldade para escutar - algo sobre mortalidade.

Aos 83, ele pensa nisso? Em uma palavra, não. Hefner, o lendário fundador da "Playboy", o profeta do hedonismo, não acredita que seu fim esteja próximo.

Ele também não age dessa maneira. Ainda trabalha o dia inteiro em sua revista, voa para a Europa e Las Vegas, toma Viagra, visita clubes noturnos com suas três namoradas-companheiras - todas jovens o suficiente para serem suas netas - e está trabalhando em um filme com o produtor Brian Grazer.

"Esta é uma das melhores épocas da minha vida", ele disse, sorrindo, de pijama e chinelos. "É ainda melhor e mais rica do que as pessoas pensam."

Você quer acreditar nele, mas é difícil ignorar a realidade de seus negócios. A Playboy Enterprises, abalada por uma paisagem da mídia em mutação, está precisando de reforço. Na terça-feira (20), a revista disse que reduziria o número de sua circulação garantida aos anunciantes de 2,6 milhões para 1,5 milhão. A empresa apresentou prejuízo em sete trimestres consecutivos.

E, talvez mais chocante, a companhia disse no início deste ano que avaliaria ofertas de aquisição, algo que era considerado impensável enquanto Hefner ainda vivesse.

Hefner sabe que toda boa festa tem de acabar, e há muito tempo comprou uma cripta ao lado da de Marilyn Monroe em um cemitério de Los Angeles. Em entrevistas ao longo dos anos, ele falou sobre como a vida não teria sentido sem a revista. "Se eu a vendesse, minha vida estaria terminada", disse. Mas talvez esteja mudando de idéia: "Estou levando mais a sério o fato de que não tenho mais 30 anos. Preciso pensar na continuidade da revista".

Ame-o ou odeie-o, ninguém duvida da influência de Hugh Hefner na história cultural dos EUA. Como editor de revista, ele essencialmente fez para o sexo o que Ray Kroc fez para as lanchonetes de beira de estrada: limpou-o para uma classe média em ascensão.

Como uma força cultural, porém, Hefner ainda divide o país - 56 anos depois da primeira edição da "Playboy". Para seus seguidores, ele é o grande libertador sexual que ajudou a alforriar os americanos do puritanismo e da neurose. Para seus críticos, incluindo muitas feministas e conservadores, ele ajudou a implementar uma revolução nas atitudes sexuais que as transformou em objetos, fez de vítimas inúmeras mulheres e promoveu um estilo de vida imoral, somente de prazeres.

Hefner admite as consequências sombrias daquilo que ajudou a criar, mas diz que "é um pequeno preço a pagar pela liberdade pessoal". "As pessoas nem sempre tomam boas decisões. As verdadeiras obscenidades neste planeta têm muito pouco a ver com sexo", ele disse, acrescentando que "não é uma época romântica".

Menos romântica e - com a pornografia online disponível à vontade e conversas detalhadas sobre sexo, inclusive no próprio programa de Hefner na TV, "The Girls Next Door" [As vizinhas] - é uma época que faz os ideais da Playboy parecerem tímidos.

Hefner - que usa a palavra "gato" para descrever a si mesmo, como em "eu sou o gato mais sortudo do planeta" - não tem uma idéia muito positiva da paisagem cultural de hoje. "Eu sinto intensamente que hoje a cultura pop é uma sopa mais rala", ele disse. "Costumava ser um mingau grosso."

Ao mesmo tempo, tenta ser um participante ativo. Enquanto a revista ainda é editada amplamente em Chicago, Hefner aprova "cada Playmate, cada capa, os quadrinhos e as cartas". Trabalhando em um escritório em casa ou na cama, cuja colcha de pele de quati da Tasmânia dos anos 1970 foi trocada por uma de seda e veludo, Hefner ajudou a conduzir a recente decisão de comprar um trecho de 5.000 palavras do romance inacabado de Vladimir Nabokov, "The Original of Laura", para uma próxima edição.

Suas namoradas-companheiras recentemente o ensinaram a usar o Twitter. ("Eu vou jogar baralho hoje à noite" foi um tweet recente.) Ele adora o seriado da HBO "True Blood". Recentemente, filmou um comercial de Guitar Hero segurando o cachimbo que abandonou depois de sofrer um pequeno infarto em 1985.

Ele também sofreu humilhações pessoais. Antigas namoradas, incluindo as que apareceram em "The Girls Next Door", o retrataram em entrevistas e em um livro como um maluco por controle que impõe um toque de recolher às 21h.

A própria mansão já teve dias melhores. Durante uma visita em julho, a casa de jogos (que tem um quarto inteiro forrado por um colchão) cheirava a mofo, enquanto a gaiola de pássaros precisava de uma faxina. Aquela famosa gruta com Jacuzzis de diversas profundidades parecia mais um tanque fétido de zoológico do que um palácio do prazer (embora as prateleiras próximas estivessem estocadas com enormes frascos de óleo para bebês Johnson"s).

Em março, com o mercado imobiliário em queda livre, Hefner colocou à venda a casa de sua ex-mulher, vizinha à Mansão Playboy, por US$ 28 milhões. Foi comprada em agosto por US$ 18 milhões. Hefner, que se separou de Kimberly Conrad Hefner em 1998, pediu o divórcio no início de setembro; ela o está processando e alega que lhe deve US$ 4 milhões segundo um acordo pré-nupcial e pela venda da casa.

A equipe de Hefner insiste que o dinheiro não está apertado, mas uma série de ações faz parecer que sim. O "Los Angeles Business Journal" relatou no ano passado que a equipe de funcionários da mansão foi reduzida. As pessoas hoje podem comprar ingressos para suas festas (até US$ 10 mil por pessoa) que antes eram só para convidados, mas que continuam sendo uma parte vital da animação da marca Playboy.

"Nem sempre é tão excitante quanto as pessoas pensam", disse Holly Madison em uma entrevista no outono passado. Ela viveu com Hefner durante sete anos como sua "namorada número 1", até que rompeu com ele no último outono.

Richard Rosenzweig, que trabalha na Playboy desde 1958 e detém diversos cargos, suplicou para discordar. "Este é um lugar muito inspirador", ele disse em uma entrevista na sala de jantar de Hefner. "Todo mundo quer vir aqui."

Quando o relacionamento com Madison terminou, Hefner disse que recebeu cartas de mulheres de todo o mundo implorando para substituí-la. "Elas subiam nos portões", ele disse, sorrindo. Hefner escolheu três novas namoradas-companheiras: Crystal Harris, de 23 anos, e as gêmeas Kristina e Karissa Shannon, de 20.

Apesar de sua atitude mais falante, Hefner claramente está pensando em seu legado. Ultimamente tem se debruçado sobre seus cadernos de notas, que mantém desde a infância e hoje chegam a mais de 2.000. O material inédito deles - seu primeiro cartão de biblioteca, quadrinhos desenhados por ele e fotos - vão formar o núcleo de uma "biografia ilustrada" de 3.500 páginas em seis volumes, da editora Taschen. Somente 1.500 exemplares dessa obra gigantesca serão vendidos a US$ 1.300, a partir do mês que vem.

Pela primeira vez Hefner também concedeu acesso ilimitado a uma cineasta documentarista, Brigitte Berman, que recentemente concluiu "Hugh Hefner: Playboy, Activist and Rebel" que estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto.

E uma grande cinebiografia de Hollywood está sendo finalmente acelerada. Grazer se reuniu há pouco tempo com a roteirista Diablo Cody para discutir o projeto, disse Hefner. Brett Ratner (mais conhecido pelos sucessos de bilheteria "A Hora do Rush") foi contratado para dirigir. Robert Downey Jr. manifestou interesse em interpretar Hefner.

"Ele é um intelecto da mais alta ordem que influenciou toda a cultura mundial de maneira intensa - e essa influência é drasticamente subvalorizada", disse Grazer.

De fato, alguns de seus velhos amigos temem que certas conquistas que eles admiram - criar um ícone cultural (a Coelhinha da Playboy), apagar limites raciais (através da inclusão de artistas negros em seus clubes) e seu apoio a muitas causas feministas, incluindo o direito ao aborto e a Emenda pela Igualdade de Direitos - estejam se perdendo.

Hefner também se preocupa com isso. "Nós literalmente vivemos em um mundo muito diferente, e eu influí para torná-lo dessa maneira", ele disse. "Os jovens não sabem disso."



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