Bid Lima nunca deixou de ser artista e revolucionária

Atriz teresinense conta a trajetória de palcos e militância pela cultura. Em suas peças, sempre buscou trazer a problemática do preconceito, da desigualdade social e das demais mazelas da sociedade. Tudo isso com o humor como plano de fundo

Marlenildes Lima da Silva, nascida em 24 de agosto de 1978, com 41 anos bem vividos, é “Bid” Lima desde que se entende por gente. Já cresceu com o nome artístico que lhe rendeu tantas conquistas como atriz. Atualmente é Diretora Administrativa e Financeira da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), mas nunca deixou de ser artista. E mais: nunca deixou de ser revolucionária.  E revolução de Bid Lima vem da interpretação caricata das inúmeras personagens que fez desde “A Bela Entorpecida”, com texto de Franklin Pires. Com um ideal questionador, a dupla sempre buscou trazer a problemática do preconceito, da desigualdade social e das demais mazelas da sociedade. Tudo isso com o humor como plano de fundo.


Artista defende a cultura popular com unhas e dentes

Há poucos meses, Bid ocupou um cargo de alto escalão dentro do governo, onde acumulou inúmeras responsabilidades. A principal delas é a manutenção dos equipamentos de cultura do Piauí, Estado que anda na contramão dos ataques à cultura em esfera federal. Enquanto o Brasil censura filmes e diminui recursos para a cultura, o Piauí reforma, requalifica e cria novos teatros, casas de cultura e bibliotecas em seu território. Mas tudo na vida tem um preço. Embora sobre competência e vontade de mudar o mundo, o descrédito ao trabalho de Bid é algo que perpassa alguns seios sociais, marcados, sobretudo, pelo machismo. Mas nada que abale a atriz, que às vezes também brinca de ser cantora.

Para NOSSA GENTE, Bid Lima é um exemplo de artista que veio de uma família humilde e muito católica, mas que ascendeu com a vontade de fazer as coisas acontecerem. Hoje, à frente da Secult, ela defende a cultura popular e a manifestação do povo com unhas e dentes.



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““Não gosto de me calar. Falo mesmo. Quando penso, há incômodo. É difícil escravizar o cidadão esclarecido”"
Bid Lima

JMN: Por que o Piauí está na contramão?

BL: Nós estamos na contramão da maré. Somos uma gotinha diante de um oceano. É notório o que nossa equipe fez. Estive aqui na época que era Fundação Cultural, de 2011 a 2014. Lutei como eu podia lutar, mas não pude fazer muito. Em 2015, eu voltei, quando Fábio Novo assumiu, e fiz parte dessa equipe, percebi a evolução. A mudança da nomenclatura de Fundação para Secretaria melhorou demais. Conseguimos fazer um trabalho de gestão e fizemos 14 reformas e hoje contamos com 27 aparelhos de cultura em todo o Piauí.

JMN: O Brasil está atacando a cultura?

BL: Estamos em 2019 e estamos passando por um retrocesso absurdo. As informações estão virando bombas-relógio. É complicado discernir o que é certo e o que é errado. Em âmbito nacional, é grave o que acontece. É o reflexo do presidente da República. Lutamos para chegar à República, mas o nome democracia, que é tão bonito, não é percebido. É um retrocesso histórico em um país de tamanho continental. O que me entristece é ver gente deitada na rede, no auge da mediocridade, que não percebe o que estamos vivendo. Precisamos caminhar vendo a humanidade com igualdade. Estamos deixando um imperador transformar um país em outra coisa, mas não em democracia.


JMN: Esse descrédito é machismo?

BL: É claro! Tenho certeza. Pense bem: sou mulher negra, pobre, que veio da periferia. Que hoje nem é mais porque nossa cidade cresceu muito e moro há sete minutos do centro da cidade. Mulher, acima de tudo. E artista! Não gosto de me calar. Falo mesmo. Quando penso, há incômodo. É difícil escravizar o cidadão esclarecido.


JMN: E como chegou à Secult?

BL: Muita gente fala que cheguei do nada, por acaso. Não pela frente, porque passo para o embate. São comentários, disse-me-disse. Mas nada na vida é por acaso. Se eu consegui galgar uma posição de certo destaque no meio cultural, foi em cima de muito trabalho e esforço. Eu sou inquieta. Trabalho muito, estudo muito. Cheguei por serviço prestado, enquanto pessoal, cidadã e artista. Eu nunca parei de estudar, de pesquisar. Nosso mentor intelectual foi Arimatan Martins, diretor artístico do Grupo Harém de Teatro. Ele tinha uma biblioteca invejável. Antes não tinha internet, tinha que ler o livro mesmo. Ele formou-se em Laranjeiras, teve contato com Gal, com a Tropicália. Ele bebeu da fonte e passou para a gente. Nós ouvíamos músicas boas. Íamos para o debate. Franklin continuou como escritor, fazendo peças. Todas as peças que a gente faz tem uma problematização. Discriminação com o negro, gay, deficientes. A questão da pobreza. Agora mesmo, em A Baderna do Dragão, nós deixamos claro nosso posicionamento político. Não chegamos onde estamos por acaso.


JMN: E o universo infantil?

BL: Fiz muito! Outra coisa que ganhei dinheiro para custear minha faculdade, vaidades e ajudar em casa, foi fazendo festinha infantil. Fiz muito. Eu tinha vários personagens, fazia figurino. Eu e Franklin, sempre fazíamos coisas juntos. Se na nossa época já tivesse rede social e internet, acho que seríamos mais famosos que o Whindersson Nunes! Fazíamos muita coisa na década de 90.  

JMN: Qual a primeira vez que você pisou em um palco como atriz profissional?

BL: Nós começamos a fazer esquetes após a oficina. Mas antes mesmo de fechar a montagem do espetáculo, que durou três anos, fui sendo descoberta e chamada para alguns trabalhos. Entrei para o Grupo Harém de Teatro antes mesmo da formatura na oficina. Nós também tínhamos um grupinho, um núcleo, que despontava com certa habilidade e irreverência no teatro. Era eu, Franklin, Layanna e outros. Aí surgiu “A Bela Entorpecida”, que foi a primeira peça. Eu protagonizei a Bela, com essa minha beleza inenarrável que eu tenho.  

JMN: Como foi esse processo?

BL: Quando menos esperei, estava fazendo a Oficina Procópio Ferreira, no Clube dos Diários. Entrei no dia 14 de janeiro de 1997.  

Jornal Meio Norte: Você sempre quis ser atriz?

Bid Lima: Não. Na realidade eu achava que eu seria professora ou astronauta, alguma coisa do tipo. Eu não sabia que tinha a vocação para ser atriz, embora já tivesse percebido minha vocação para a estética e as artes. Mas eu não achava que eu seria artista, pelo menos das cênicas. Comecei a produzir na escola, porque eu tinha uma facilidade para decorar textos rápido. Hoje, não. Mas eu decorava tudo rápido. Eu declamava poesias e na adolescência comecei a escrever algumas coisas. Participei de grupos de jovens. Minha formação é muito católica, apostólica, romana. Sou de uma família muito tradicional neste aspecto. Eu sou do Memorare, um bairro que tem uma igreja do Colégio das Irmãs. A Congregação Irmãs dos Pobres de Santa Catarina de Siena. Fui criada naquele entorno. Meus familiares fundaram o bairro Memorare. Então cresci nesse universo, não me via como artista. Pensei que seria freira! Com o passar dos tempos, fui ser catequista, fiz alguns sacramentos, como tem na Bíblia. Nessa história toda, fui para o lado das artes.   


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