Após salários de R$ 20, Índio quer sua parte na saga corintiana

Responsável direto pelo maior título da história do Corinthians, Índio rodou o mundo em times menores.

A história dos Sátiro Xucuru, membros do ramo linguístico Tupi, está marcada por tragédias familiares. | UOL
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Em uma noite fria da primavera paulistana, temperatura mínima de 13º C, o jogador de futebol Índio está sentado nos fundos de um bar paupérrimo na zona leste de São Paulo. Veste camiseta de tecido frio e bermuda abaixo do joelho. Suas sandálias havaianas tocam o chão no ritmo do forró pé-de-serra que se ouve no ambiente.

Ele é o único neste lugar que parece não se importar com a temperatura baixa, e sua figura leve contrasta com os casacos, moletons e calças jeans dos amigos a seu redor.

Claramente, Índio não é dali. De repente, ele se levanta, quase derruba o banquinho onde estivera sentado e bate com força na mesa: ?Agora você paga, perdedor!?. Abre um sorriso que imediatamente vira gargalhada, enquanto se dirige ao balcão do bar e cobra seu pagamento.

Responsável direto pelo maior título da história do Corinthians, Índio rodou o mundo em times menores e agora, aos 33 anos, está radiante de felicidade porque acaba de ganhar R$ 97 na jogatina diária.

O baralho é sua grande diversão quando está em São Paulo, mas ele também se aventura na mesa de sinuca, onde se diz quase imbatível.

Felicidade mesmo, porém, ele vive quando viaja ao interior de Minas Gerais, aos arredores da cidade de Caldas, onde sua família pôs fim a uma migração de quase meio século e fundou a aldeia Xucuru Kariri, seis quilômetros sertão adentro.

RECOMEÇO

Índio divide seu tempo entre São Paulo e a aldeia. Quando encontrou a reportagem do UOL Esporte, ele atravessou a rua do bar onde jogava seu baralho e pediu para que a entrevista acontecesse no boteco da frente, cuja parede é dividida com a casa de sua ex-mulher.

Antes de Índio começar a falar, uma garotinha veio saltitando de dentro da casa, cabelo encaracolado castanho, olhos negros, rosto da cor de café-com-leite. Ela abraça Índio e pede para ele ir para dentro. Índio responde: ?O papai já vai.?

Ana Clara tem três anos e é a família paulista do jogador. Os pais da mãe de Ana Clara adotaram Índio e o abrigam toda vez que ele precisa vir à capital. Ao todo, o jogador tem sete filhos.

Aos 33 anos, também é avô, tem três netos. O mais novo havia nascido na véspera da entrevista, e Índio contava as horas para voltar à aldeia e conhecê-lo.

?A gente não resiste, é muita mulher. Mas agora eu estou sossegado, parei a produção [de filhos]. Amo muito os que eu tenho?, ele diz.

O problema era que ele não podia ficar muito tempo na aldeia curtindo seu novo netinho. Na semana seguinte, precisaria se apresentar ao Grêmio Osasco, clube cujo diretor de futebol é o ex-volante Vampeta, com quem Índio jogou nos tempo dourados.

Vampeta, aliás, é o amigo, a fada madrinha e a grande inspiração de Índio. ?Me roubaram muito nessa vida. No Corinthians, eu ganhava R$ 1.500 de salário, e todo mundo ganhava muito mais. Aí me venderam por R$ 300 mil e me deram só R$ 40 mil. O Vampeta me ajudou a ficar mais esperto para essas coisas.?

Diz Índio que Vampeta deu o dinheiro para ele comprar sua primeira casa. Ele tinha acabado de chegar a São Paulo e não tinha onde cair morto.

Vampeta tirou do bolso o que para Índio parecia uma fortuna, e ele conseguiu comprar uma casinha para seus pais em Minas (na época, a família vivia em um terreno alugado e ainda procurava um lugar definitivo para ficar).

Toda vez que a figura do irreverente volante aparece no discurso de Índio, seus olhos brilham em um sentimento de gratidão indisfarçável. Quando o UOL Esporte pediu para ele descrever o amigo em uma palavra, bateu no peito com a mão fechada e disse: ?É meu irmão.?

Mas há indícios de que Índio já era bem esperto mesmo antes dos toques de Vampeta. Quando chegou de Salvador, apenas mais um matuto tentando ganhar a vida na cidade grande, Índio juntou dinheiro para comprar um carro. Em seu possante, dirigia pelas ruas de São Paulo mesmo sem carta de motorista.

Não existem estatísticas confiáveis a respeito, mas é muito provável que a esmagadora maioria de fiscais de trânsito da capital sejam corintianos roxos.

Isso porque, Índio explica, toda vez que era parado em uma blitz e tinha os documentos solicitados, dobrava os policiais presenteando-os com uma camisa usada do Corinthians.

Com o tempo, ele aprendeu que deveria levar sempre uma camisa de seu time no porta-malas para uma eventual necessidade. O hábito do suborno conviveu com ele durante três longos anos em que dirigiu pela cidade sem habilitação.

Até o dia em que surgiu do outro lado do vidro um guarda são-paulino. ?Aquele cara queria me ferrar. A minha sorte é que eu tinha acabado de trocar uma camisa do São Paulo com o Serginho, o lateral, e entreguei ao homem. Foi por pouco.?

?AGORA EU QUERO A MINHA PARTE?

Índio voltou a ser famoso. Depois de conquistar o mundo no Maracanã, ele se prepara para fazer parte de uma série de eventos para relembrar o feito às vésperas da segunda participação corintiana em um Mundial de Clubes.

No dia da estreia alvinegra no torneio, Índio dará uma volta olímpica no Pacaembu junto com seus ex-companheiros de equipe. Assim como o UOL Esporte, alguns veículos de imprensa foram procurá-lo para ele contar como está a sua vida.

Quatro dias depois da nossa entrevista, uma equipe de TV iria até a aldeia gravar imagens da família do lateral. Ele estava pensando em cobrar pela entrevista. Seu argumento é que todo mundo do futebol cobra para dar entrevistas. Por que com ele seria diferente?

?Eu sei que isso é um negócio. Eles vão ganhar dinheiro comigo, agora eu quero a minha parte. Amanhã mesmo eu vou ligar lá para a Record e dizer que eles vão ter que me ajudar de alguma forma, dar umas cestas básicas lá para aldeia, qualquer coisa.?

Quando Índio falou isso, eu comecei a temer que ele fosse cobrar também a mim. Afinal, ele estava me dando uma entrevista. Por que comigo seria diferente?

?Com você eu estou falando na boa, não tem problema, você já veio aqui?, disse ele. ?Mas quando algum jogador vai na TV, na rádio, eles sempre têm de pagar alguma coisa, tem que ser assim.?

A voz dele começa a ficar mais alta e atinge o nível máximo quando ele lembra, indignado, que escreveram um livro sobre a sua vida sem sua autorização. ?O cara escreveu sobre mim e nem pediu permissão nem nada. Não sei o nome do livro, mas quando souber vou processar. Tá errado isso. As pessoas querem ganhar em cima de você. É um absurdo.?

BEM x MAL

Quando se pergunta a Índio como está a vida dele, ele responde que está muito boa, que ele está feliz, bem de vida e que quer dar prosseguimento à carreira depois que seu tendão do calcanhar sarou.

Diz que tem uma fazenda administrada pelo filho mais velho (que nasceu quando o pai era uma criança de 12 anos), que tem cabeças de gado, as quais lhe rendem vultosos dividendos mensais. Mas quando se faz a mesma pergunta ao pai de Índio, o cacique Zezinho, a resposta é rigorosamente oposta.

?Meu filho não está bem não?, decreta o cacique por telefone. ?Perdeu tudo que tinha, não tem mais nada. É analfabeto e está tentando voltar a jogar. O Vampeta é que anda ajudando ele, mas não sei se consegue. Você que é repórter podia ajudar meu filho, né??

Eu perguntei a Índio se ele não se arrependia de ter estudado apenas até a sexta série, se não pretendia voltar à escola um dia. ?A gente está sempre estudando?, respondeu-me.

E lembrou-se da tia Denise, a professora particular contratada por Vanderlei Luxemburgo para lhe ensinar o alfabeto. Ele admite que a falta de instrução foi a grande responsável por impedir sua carreira de decolar. Lembra que não lia contratos, deixava tudo na mão de empresários e era passado para trás. Hoje, diz não ter agentes e afirma negociar seus próprios contratos.



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