“Vamos comprar Neymar!”, diz torcida do Anhzi, clube de Eto“o

Mas isso tudo ficamos sabendo após meses de pesquisa, dias e mais dias viajando por Moscou, pelo Cáucaso e depois de muitas conversas com os locais

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Os amigos André Fran, Bruno Pesca, Felipe UFO e Leondre Campos rodam o mundo atrás de histórias nos destinos mais polêmicos do planeta para o programa "Não Conta lá em Casa", que vai ao ar todas as quartas-feiras no Multishow. Em agosto, a equipe esteve no Daguestão, na Rússia, e acompanhou ao vivo a vitória do Anzhi por 2 a 1 sobre o Dínamo de Moscou. Apesar do medo da violência em Mahakchkala, o grupo se divertiu com a torcida no estádio e ouviu até uma "promessa" dos torcedores do clube de Roberto Carlos, empolgados com o dinheiro do bilionário Suleyman Kerimov: "Vamos comprar Neymar!"

10/9/2011 07h45 - Atualizado em 10/9/2011 09h12

"Vamos comprar Neymar!", diz torcida do clube de Roberto Carlos e Eto"o

Equipe do programa ?Não Conta lá em Casa? do Multishow assiste a uma partida do Campeonato Russo no meio da torcida do Anzhi no Daguestão.

Por André Fran Rio de Janeiro

Os amigos André Fran, Bruno Pesca, Felipe UFO e Leondre Campos rodam o mundo atrás de histórias nos destinos mais polêmicos do planeta para o programa "Não Conta lá em Casa", que vai ao ar todas as quartas-feiras no Multishow. Em agosto, a equipe esteve no Daguestão, na Rússia, e acompanhou ao vivo a vitória do Anzhi por 2 a 1 sobre o Dínamo de Moscou. Apesar do medo da violência em Mahakchkala, o grupo se divertiu com a torcida no estádio e ouviu até uma "promessa" dos torcedores do clube de Roberto Carlos, empolgados com o dinheiro do bilionário Suleyman Kerimov: "Vamos comprar Neymar!"

Não Conta Lá Em Casa em jogo do Anzhi no Daguestão (Foto: Divulgação)A torcida do Anzhi no estádio: empolgação com nova fase milionária do clube (Foto: Divulgação)

Misturando Política e Futebol

O que nos levou ao Daguestão, a república mais violentamente instável da Rússia atualmente, não foi o futebol. Com a missão de desbravar territórios desconhecidos, polêmicos e perigosos, a região do Cáucaso parecia o destino perfeito para quem já tinha visitado os Bálcãs, a Coreia do Norte, o Afeganistão e o Iraque em guerra, por exemplo. Dessa vez iríamos começar nossa epopeia por Moscou e seguiríamos por Chechênia, Ossétia do Norte, Ossétia do Sul, Abkhazia e, para temor de todos, Daguestão. Analisando friamente nosso roteiro, era especialmente perturbador constatar que atualmente a lendária Chechênia, um lugar que já nos fazia tremer de medo só de ouvir o nome, era considerada fichinha perto da temida Mahakchkala, capital do Daguestão. É que diferentemente de sua vizinha mais famosa, o Daguestão recentemente vem sendo palco de atentados terroristas quase semanais, ataques violentos e tentativas de assassinato contra policiais e forças do governo. Apenas um mês atrás, o porta-voz da presidência foi assassinado em plena luz do dia. E o que torna toda a situação na maior república do Norte do Cáucaso ainda mais complicada é que essa violência não tem uma única e direta explicação, como era o caso dos separatistas chechenos, mas era um misto de questões étnicas, políticas, econômicas e sociais. Em resumo: tenso!

Mas isso tudo ficamos sabendo após meses de pesquisa, dias e mais dias viajando por Moscou, pelo Cáucaso e depois de muitas conversas com os locais. Lá no início de tudo, nos preparativos para a viagem quando começamos a estudar os variados conflitos na região, logo saltou aos nossos olhos uma notícia futebolística: Roberto Carlos, o pentacampeão brasileiro, havia recentemente trocado o Corinthians pelo Anzhi Mahakchkala, do Daguestão. Junto com ele, mais uma meia dúzia de grandes talentos mundiais estavam se integrando ao time daguestanês em troca de somas surpreendentemente vultuosas de dinheiro, como os brasileiros Diego Tardelli e Jucilei, o russo Yuri Zhirkov, ex-Chelsea, e, mais recentemente, o famoso camaronês Samuel Eto`o, contratado ao Inter de Milão por ? 25 milhões e o maior salário do planeta: ? 20 milhões por ano, o dobro do que Messi, o melhor do mundo, recebe do seu clube, o poderoso Barcelona. Tudo bem que Leondre e Pesca, meus companheiros de viagem rubro-negros não-praticantes e pouco entendem de futebol. Mas eu, alvinegro convicto, e Felipe UFO, um tricolor bastante chato, somos aficionados pelo nobre esporte bretão. Conhecemos o Spartak Moscou, o CSKA (o time do exército vermelho), Lokomotiv, Zenit... e, mesmo assim, confessamos que jamais tínhamos sequer ouvido falar na equipe local. É que essa fama do Anzhi Mahakchckala era bastante recente e, por enquanto, motivada apenas pelos seus feitos no mercado da bola. Dentro das quatro linhas, o Anzhi pouco tinha para se orgulhar. Era um clube recente, com pouco mais de 20 anos de existência (metade destes passados nas divisões inferiores), e que nunca ganhou um título da Premier League russa (sua melhor colocação até hoje foi um quarto lugar). Mas a sorte do Anzhi virou há poucos meses, quando o bilionário russo Suleyman Kerimov, um dos homens mais ricos do mundo (fortuna de US$ 7,8 bilhões segundo a Forbes) comprou o time. Acredita-se que essa manobra tem muito mais a ver com política do que com futebol. Uma vez que os governantes locais investem uma grana pesada para conter a instabilidade na região do Cáucaso, grande parte desse dinheiro é empregado através do passatempo preferido da população: o futebol. A própria vizinha Chechenia é exemplo disso: o ex-guerrilheiro separatista Ramzan Kadyrov, presidente da república e presidente da equipe local, também fez seus investimentos na área. O Terek Grozny contratou esse ano o lendário jogador holandês Ruud Gullit (já demitido) para técnico e o brasileiro Ewerthon, ex-Corinthians, Palmeiras, Borussia e Zaragoza para seu ataque. Os polêmicos Kadyrov sempre foram grandes fãs de futebol, antes de Ramzan, seu pai Akhmad, então presidente, foi morto em um atentado terrorista durante uma comemoração no estádio local que hoje leva o seu nome.

A grana é realmente um diferencial, mesmo se tratando de um meio acostumado a grandes salários como o futebol. Apesar de irrecusável, os jogadores devem ser alertados para onde estão se metendo. Um fato curioso e que deve colaborar bastante na hora de assinar o contrato é que os jogadores do Anzhi só precisam aparecer em Mahakchkala no dia dos seus jogos em casa. Todo o time mora e treina nos arredores de Moscou e terá que voar cerca de 1250 milhas pelo menos 15 vezes durante a temporada. Se não bastasse a instabilidade na região, ainda há a questão do racismo. Movimentos xenófobos e de extrema direita frequentemente estão associados às torcidas organizadas de diferentes times. Brigas entre facções rivais são motivadas por muito mais do que mera paixão clubística. No ano passado mais de 5 mil pessoas ocuparam a Praça Vermelha, em Moscou, para uma grande manifestação que acabou em pancadaria e assassinato de estrangeiros aos gritos de ?Rússia para os russos!?. E tudo começou com uma briga entre torcedores chechenos e da capital em uma partida de futebol algumas semanas antes. A Rússia se prepara para sediar as Olimpíadas de Inverno, em Sochi em 2014, e a Copa do Mundo de 2018 e pretende, até lá, erradicar completamente este problema endêmico. Enquanto isso, cenas como a do russo Yuri Zhirkov abandonando um amistoso em Moscou aos prantos ao ser vaiado por fãs ultra-nacionalistas que o consideram um traidor por se juntar a um time do Cáucaso, ou os dois episódios em que Roberto Carlos teve bananas atiradas em sua direção durante uma partida, estarão sempre na mente dos jogadores que se aventurarem a defender os novos times sensação da liga russa.

Dia de Jogo

É desnecessário dizer que é mais fácil (bem mais fácil) achar um McDonalds na Rússia do que achar alguém que fale inglês. Mais desnecessário ainda dizer que nenhum membro de nossa equipe fala russo. Então, ao desembarcar no modesto aeroporto de Mahakchkala nossa missão crucial era encontrar alguém que falasse inglês. Analisando nossos colegas de avião a missão parecia que ia ser dura, até que avistamos uma equipe de reportagem e resolvemos arriscar. Mal sabíamos naquele momento que o jornalista Dennis Kazinsky, da NTV Rússia, que caíra de pára-quedas em nossa história e se tornaria nosso guia, segurança, produtor e anjo da guarda. Mais do que isso, seria o nosso portão de entrada para o futebol no Cáucaso. Não havíamos escolhido esse destino por conta do futebol, mas com o surgimento desses bilionários aliados aos governos locais o futebol se tornava, sim, parte integrante e fundamental para se entender a dinâmica da região.

Admirado com nossa presença no local, Dennis, em inglês perfeito, fez um alerta: ?Se estar no Daguestão é perigoso até para nós, imagine para vocês.? Contamos a ele que estávamos ali para filmar um reality show para o Brasil, que queríamos conhecer a realidade local, a história e, principalmente, como brasileiros e fãs do esporte, queríamos muito assistir a uma partida ?do time do Roberto Carlos?. Meio que se sentindo responsável por aqueles quatro brasileiros desavisados, Dennis ofereceu uma carona e ainda disse que daria um jeito de arrumar um quarto no hotel onde ele e equipe estariam hospedados. Agradecidos e já nos dando por satisfeitos com tamanha sorte, perguntamos como quem não quer nada: ?E que matéria vocês estão fazendo aqui??. A resposta do Dennis parecia uma mensagem vinda diretamente dos céus: ?Estamos fazendo a cobertura do jogo do Anzhi contra o Dínamo de Moscou. Se quiserem vocês podem nos acompanhar.? Mal sabíamos que o Dennis era narrador do principal canal de TV do país! Algo como o Galvão Bueno russo! Durante esses dias de convívio veríamos ele distribuindo autógrafos para os locais, posando para fotos, sendo recebido como figurão no estádio... e nós sempre na aba, claro. Não deixamos por menos e falamos logo que como brasileiros, fãs do esporte e do Roberto Carlos queríamos muito assistir a um jogo e quem sabe até entrevistar nosso craque se fosse possível. ?No problem.? Ele respondeu como se não fosse nada. Deus só podia ser, mesmo brasileiro.

O jogo era naquele mesmo dia e sequer tínhamos ingresso. ?No problem?, garantiu o Dennis. Queríamos filmar, mas não tínhamos credencial. ?No problem?. Assim fomos indo e quando nos demos conta estávamos dentro do estádio, no meio da torcida organizada do Anzhi Mahakchkala, com bandeirinhas em punho e visão privilegiada do campo. O Anzhi está mandando seus jogos no Dínamo Stadium (nada a ver com seu oponente naquele dia) enquanto seu novo estádio, obviamente patrocinado pelo bilionário novo dono do clube, não estava pronto. O estádio atual era muito bem arrumado. Assentos de plástico bem cuidado, publicidade eletrônica nas laterais do gramado, uma grande torre de transmissão, camarotes e capacidade para vinte mil torcedores. Coisa de alto nível, mesmo. Mas a promessa é que o novo estádio em construção, que terá o dobro da capacidade, seja referência mundial em termos de modernidade e arquitetura. Pelo que o time vem mostrando no quesito gastação de dinheiro, eu não duvidaria. O Dennis se despediu da gente e seguiu para sua cabine de cobertura, onde se encontraria com a versão local do Arnaldo, Falcão ou similares. A torcida local era muito animada e simpática. Em nada pareciam com os skinheads neo-facistas que compunham nossos imaginário de torcedor russo e, conforme ficamos sabendo, a realidade da torcida de outros clubes. Quando souberam que éramos do Brasil, viramos o foco das atenções. Até foto tiramos. Várias! Então, enquanto o jogo não começava matamos o tempo ?conversando? com a galera. Na base da mímica deu para perceber que os caras eram profundos conhecedores de futebol. Sabiam o nome e time onde atuavam diversos jogadores brasileiros. E não eram só os tradicionais São Paulo, Inter ou Flamengo que eles conheciam, não. Volta e meia nos surpreendiam citando algum time de menor expressão que não citarei aqui para não despertar a fúria de nenhuma torcida. Aproveitamos para perguntar a eles a opinião sobre os atletas brasileiros atuando no Anzhi e na liga russa. Roberto Carlos: sinal de razoável. Jucilei: sina de muito bom. Tardelli: horrível! Não fez nenhum gol até agora. E ainda faziam um sinal de barrigudo, denotando que o artilheiro do Brasileirão de 2009 não anda em boa fase. Vagner Love era para eles o grande craque brasileiro no atual campeonato. E, para nossa imensa surpresa, perguntavam incessantemente por onde andava Daniel Carvalho, considerado um dos grandes nomes estrangeiros a ter passado pelo futebol russo em todos os tempos. Mas o nome que mais comentavam era o do nosso promissor craque Neymar! E o que eles diziam com um sorriso de certeza no rosto e inglês paupérrimo era: ?We buy Neymar! (Vamos comprar o Neymar!)? Será?

Bola rolando e passamos a observar tanto as ações no gramado como nas arquibancadas. Torcedor é igual em todo o mundo. Apesar dos do Mahachkala seguirem mais o estilo dos torcedores das ligas europeias do que dos brasileiros, inclusive exibindo a todo o momento aquele tradicional cachecol com as cores do clube (verde e amarelo), no geral era tudo bem igual ao que estamos acostumados. Os caras cantavam, xingavam o juiz, faziam a ?ola? e provocavam a reduzida torcida adversária. Os raros fãs da equipe da capital que se aventuraram a ir torcer ao vivo ficavam em um setor separado atrás de um dos gols e não foram duramente hostilizados como se poderia supor. Mas o aparato de segurança a sua volta, somado ao fato de seu setor ser isolado por todos os lado por uma rede de proteção dão indícios que nem sempre a coisa é tão pacífica como naquele dia. Alguns jogos do Anzhi esse ano já foram adiados por razões de segurança. Mas, para a gente que estava ali, era difícil crer que esses simpáticos fãs pudessem oferecer grandes riscos. Em nada se assemelhavam as hordas de marginais travestidos de torcedor que compõem algumas facções de organizadas do Brasil. Apesar de seus históricos de mortes e violência serem bem parecidos.

No campo, dava para ver que o nível do jogo estava bem longe do nosso disputado Brasileirão. O destaque era o baixinho marroquino, Mbark Boussoufa, que corria, ditava o ritmo da equipe e aparecia às vezes na frente para marcar. Foi dele o primeiro gol da partida, para delírio da torcida. ?Dagestan! Dagestan!? era um dos gritos mais ouvidos, o que mostrava que as pelejas ali tinham um sabor de confronto regional, também. As grandes estrelas como Roberto Carlos, Zhirkov e Kevin Kuranyi (o brasileiro naturalizado que já inclusive defendeu a seleção alemã) parecem estar ali mais a passeio. Se apoiando muito mais na técnica do que na raça. Roberto Carlos, já com seus 37 anos, ainda se destaca pela sua qualidade diferenciada e visão de jogo. Deixou a lateral para jogar mais livre no meio de campo. Meio volante, meio líbero. Uma posição que ele mesmo deve ter inventado e que executa até que muito bem ali na meia canxa do time amarelinho do Daguestão. A partida era muito importante para ambas equipes. O campeonato estava embolado e o Anzhi, em sexto, podia se aproximar dos líderes, entre eles o Dínamo, que estava em quarto. Era o ?chamado? confronto direto! No início da segunda etapa o Dínamo empata. Tristeza geral. Reclamação com a defesa e ofensas ao jogador mais fraco que sempre é pego pra Cristo (no caso, um camaronês voluntarioso que errava tudo o que tentava). Mas, para nossa alegria e para não sair com fama de brasileiro pé-frio, o russo Aleksandr Prudnikov desempatou a favor do time da casa aos 25 do segundo tempo.

Na saída do estádio ainda encontramos o Dennis que conseguiu uma credencial para que um de nós registrasse algumas rápidas impressões do Roberto Carlos! Detalhe: quando Leondre (o agraciado com a única credencial de imprensa) ia se apresentando a ele, explicando o que fazia, o nome do programa etc. foi interrompido pelo campeão que disse: ?Cadê os outros três?? É! Roberto Carlos é fã do ?Não Conta lá em Casa?! É gooooolll do Brasil! Guardadas as devidas proporções, considerando o cenário político, as diferenças culturais, os problemas históricos, a lição que fica dessa experiência tão trivial quanto surreal é o clichê máximo (e poucas coisas são mais profundas e verdadeiras do que um clichê): somos todos iguais. Os mesmos anseios, as mesmas questões, dramas, alegrias e tristezas. Só muda o endereço. Somos todos seres humanos, e as vezes o que faz nossa história tão diferente está apenas em um detalhe. Mas, como diz outro Roberto Carlos, o Rei: detalhes tão pequenos às vezes são coisas muito grandes para esquecer.



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