Cientistas revelam detalhes inéditos do vírus mayaro, que circula no Brasil

Mayaro é uma espécie de 'primo' da chikungunya e provoca as mesmas reações, que podem se prolongar por muitos meses.

Cientistas revelam detalhes inéditos do vírus mayaro, que circula no Brasil | Reprodução
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Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), elucidaram, pela primeira vez na América Latina, uma estrutura viral completa. O trabalho que revela detalhes inéditos do vírus mayaro, causador de uma doença com sintomas semelhantes ao da chikungunya e que circula no Brasil, foi publicado nesta segunda-feira (24) em um periódico científico internacional. Com isso, os cientistas esperam desenvolver novos métodos de diagnóstico, medicamentos e imunizantes. As informações são do G1.

O trabalho desenvolvido desde 2017 por uma equipe multidisciplinar com 20 pesquisadores e colaboradores revelou detalhes da estrutura molecular do vírus com uma resolução aproximadamente 100 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo.

“Neste trabalho descrevemos a partícula infecciosa do vírus Mayaro, incluindo todas as proteínas que o compõem. Foram usadas técnicas que permitiram observar detalhes da biologia do vírus que não tinham sido descritos em outros trabalhos, e que representam um avanço em nossas capacidades de combate e entendimento da doença”, explica o virologista Rafael Elias Marques.

Imagem da estrutura do vírus Mayaro. Na imagem, a partícula viral está em parte aberta para possibilitar a visualização de todas suas proteínas. Cada uma das proteínas que forma a partícula viral está representada por uma cor (verde, cinza e vermelho). Os açúcares que são ligados as proteínas estão em cor laranja. — Foto: CNPEM/MCTI 

Marques trabalha há anos com vírus transmitidos por mosquitos que são "negligenciados", ou seja, que não são aqueles que envolvem doenças bastante conhecidas da população brasileira, como dengue, zika ou chikungunya.

Entre os objetos de estudo estão, além do mayaro, o oropouche e o vírus da encefalite de St. Louis, todos em circulação no Brasil e América Latina, e sobre os quais os cientistas pouco conhecem.

"Nunca se previne, mas o trabalho, o entendimento da biologia desses vírus, ajuda a entender como a doença e as infecções se desenvolvem, como as proteínas do vírus se organizam e a partir daí podemos buscar entender como intervir", explica o pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), que integra o CNPEM.

Conhecendo o inimigo...

O trabalho publicado nesta segunda na Nature Communications descreve como o mayaro se organiza e como suas proteínas interagem para atingir esta organização, dado importante para entender o ciclo de replicação e eventuais vulnerabilidades do vírus.

“Quando conhecemos em detalhes as proteínas que compõem a estrutura de um vírus conseguimos diferenciá-lo de outros vírus existentes, colaborando para o desenvolvimento de um diagnóstico mais específico da doença. Além disso, podemos identificar de forma racional moléculas que sejam capazes de se ligar ao vírus e inibir sua replicação ou entrada na célula humana, levando ao desenvolvimento de medicamentos que podem combater a infecção”, explica, em nota, Helder Ribeiro, pesquisador do CNPEM.

'Aperto de mãos'

Entre os detalhes que chamaram a atenção dos cientistas estão cadeias de açúcares ligadas na proteína E2 do mayaro. Da forma que os açúcares estão configurados, voltados uns para os outros, fez com que a estrutura fosse apelidada de "handshake" (aperto de mãos).

Visão ampliada de um corte transversal da partícula do virus Mayaro. — Foto: CNPEM/MCTI 

Os pesquisadores acreditam que essa estrutura ajude o vírus a se organizar e ficar mais estável, mas esses detalhes ainda serão objeto de novos estudos.

O que se sabe sobre a doença

O mayaro é uma espécie de 'primo' da chikungunya e provoca as mesmas reações nos pacientes: febres e intensas dores musculares e articulares que podem se prolongar por muitos meses. Há registros de complicações sérias como hemorragia, problemas neurológicos e até morte. Ainda não há imunização ou tratamento específico para a doença.

O vírus foi isolado pela primeira vez na década de 1950 a partir de amostras de sangue de pacientes infectados em Trinidad e Tobago, na América Central.

Casos no Brasil já foram registrados ainda em 1955 em um surto em Belém (PA), e posteriormente em outras partes da Amazônia e do Centro-Oeste. Houve registro de casos no Rio de Janeiro, em 2019, e um estudo da USP apontou a circulação do mayaro no interior de São Paulo.

No caso do mayaro, mamíferos - incluindo os humanos - e até aves já foram descritos como hospedeiros para o vírus, ou seja, são "reservatórios" cujo material infectado é transmitido pelos mosquitos - os insetos do gênero Haemagogus são o principal vetor.

Uso do Sirius

Uma das principais técnicas adotadas no CNPEM para revelar a estrutura viral do mayaro foi a criomicroscopia eletrônica. Agora, os pesquisadores projetam, com o auxílio do Sirius, superlaboratório de luz síncrotron de 4ª geração, avançar nas pesquisas sobre o mecanismo de infecção, possíveis alvos de novas terapias e desenvolvimento de estratégias para diagnóstico.

Principal projeto científico do governo federal, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de "raio X superpotente" que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para realizar os experimentos.

Esse desvio é realizado com a ajuda de imãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.

Por conta da pandemia da Covid-19, as equipes do CNPEM aceleraram o processo de montagem das primeiras linhas de pesquisa do Sirius. Em julho de 2020, por exemplo, foram realizados os primeiros experimentos ao obter imagens em 3D de estruturas de uma proteína imprescindível para o ciclo de vida do novo coronavírus.

Em setembro de 2020, um grupo do Instituto de Física da USP de São Carlos utilizou o acelerador na busca por uma "chave" para desativar o novo coronavírus. Foi o primeiro experimento de pesquisadores externos no Sirius, realizado na linha de luz Manacá.



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