Com 20 mil cisternas construídas, projeto devolve a esperança no Semiárido do Piauí

Com ações no Piauí há quase quarenta anos, a organização não governamental Obra Kolping, da Alemanha, vem desenvolvendo um trabalho de transformação

Cisterna | José Alves Filho
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A seca assola o coração sertanejo, os tons cinzas da paisagem remetem ao passado, nos longínquos povoados a sobrevivência é a principal fortaleza, o olhar concentra as passagens vividas sobre dias infindáveis, onde não havia alimentos na mesa e a água era artigo raro; o dramático cordel realista se encerrava no casebre, cercado pela tristeza da impotência, sacramentada pelo choro da fome e da sede. Momentos em que só lhes restava acreditar no amanhã, em um futuro; a rota cíclica de sofrimento apenas se encerraria com a chegada de uma nova perspectiva, capaz de trazer de volta as cores, desabrochando o verde, inundando o lamento, reavivando a esperança.

O desaguar de horizontes maiores no município de Queimada Nova, a 520 km de Teresina, confunde-se com o início da atuação da ONG alemã Obra Kolping, através de projetos inovadores, capazes de abrir as portas do desenvolvimento, eliminando a miséria e, consequentemente, valorando os esforços de um povo corajoso e trabalhador. Com a ação, o semiárido piauiense ganha outra face, o convívio com a seca é atenuado com práticas progressistas, tornando o solo produtivo, gerando emprego e renda.

Atuando no Estado há quase quatro décadas, milhares de famílias já foram beneficiadas; os números impressionam pela grandiosidade e aportam na riqueza social da iniciativa. Apenas nos últimos 11 anos, a Obra Kolping construiu 20 mil cisternas de placas de cimento de 16 mil litros para a captação de água para o consumo humano, através do projeto ‘Tecnologias sociais de convivência com a seca e de geração de trabalho e renda no semiárido’, onde foram gerados 40 mil empregos diretos, além dos indiretos com o comércio de material de construção, escavações e circulação de recursos na economia da região. A rotina inserida pela conquista se deu em um ganho imensurável na qualidade de vida. “Antigamente a vida era sofrida, não tinha água, até mesmo as mulheres e as crianças tinham que buscar água nos baldes e carregá-los na cabeça sob um sol escaldante e em longas distâncias”, revela o coordenador estadual da Obra Kolping, Raimundo João da Silva. A qualidade do líquido colocava em risco a saúde dos sertanejos. "Geralmente era de barreiros, a mesma utilizada pelos animais”, afirma.

Além do arcabouço oferecido para o consumo, o projeto construiu nas moradias atingidas pela entidade cisternas de produção, com 52 mil litros cada, oferecendo oportunidades de trabalho, ressurgindo em cada um o desejo da mudança. “Nós percebemos que a vontade deles é produzir, mas não tinha água. É um povo que não foge do trabalho, só faltava subsídios para plantar e colher. Hoje em dia, a água da chuva não se perde, fica armazenada na cisterna, é uma conquista que não tem preço”, complementa Silva.


A vida no meio da seca

Na comunidade quilombola Baixa da Onça, os efeitos da transformação podem ser sentidos, em meio a paisagem seca, com os galhos das árvores cruzados, esconde-se o oásis da evolução. As plantações de legumes, frutas e verduras deslancham no semiárido, as culturas são colhidas e vendidas nas feiras das cidades mais próximas; a alegria volta e o agradecimento se eterniza. “A situação melhorou demais com a cisterna, tinha dias que eu ficava desesperada sem saber o que fazer, já hoje temos comida, não passamos tamanha necessidade”, detalha a dona de casa Jesuíta Ferreira.

Os capítulos escritos em sua vida encontram-se interligados com a epopeia enfrentada pelo seu marido, Fausto de Souza Silva, que assim como muitos piauienses, vagou pelo Sudeste em busca de melhores condições, mas ao encontrar a realidade de frente, viu que os sonhos não seriam alcançados e a única concretização era a exploração.

“Cheguei a construir prédios na capital de São Paulo, mas depois fui para Serrana (SP) ser boia-fria, era uma vida de escravo, ganhava R$ 0,05 por metro colhido, isso não dava R$ 200 por mês”, conta.

A rotina de trabalho que constantemente ultrapassava quatorze horas diárias, só veio a ter um fim com a volta do trabalhador ao Piauí, a saudade da família e a humilhação não o fizeram suportar as condições degradantes, enfim, era lhe dada a ‘alforria’. “Com o pouco que consegui juntar retornei, pensava na minha mulher e meus filhos todos os dias, fora daqui eu não estava os ajudando, então resolvi que era o momento certo de pegar minha trouxa de roupas e sair de lá. Foi uma emoção, eu pensava que nem voltava, não era brincadeira”, afirma o sertanejo.

A readaptação, porém, não seria fácil, a seca continuava, assim como a sede e a fome, mas o sopro da transformação veio com a atuação da ONG alemã e finalmente Fausto pôde respirar aliviado. “Depois da ‘cisterninha’ melhorou, ela chegou a tempo. Hoje trabalho na roça e é muito melhor, tenho liberdade, aqui é sossegado”, garante o agricultor. Agora, o beneficiário do projeto nem sequer cogita mais aventuras nos grandes centros. “Não vou mais não, vou ficar aqui, que é melhor. Tenho mais chances”, desabafa. Com a venda das culturas que colhe, a renda mensal da família praticamente triplicou, uma conquista sem precedentes. “Eu produzo cenoura, tomate, pimentão, entre outras variedades”, complementa orgulhoso.

Fausto e Jesuíta têm dois filhos, isolados dos arranha-céus de prédios ou da efervescência das capitais, ainda há muita coisa que não conheceram, mas com a atuação da Obra Kolping, Samila (9 anos) e Danilo (3 anos) vivem seu universo particular. “Eu estudo, vou até a entrada de Queimada Nova de bicicleta, ou a pé, com a minha mãe, são 3 km, mas não desisto, quero ser alguém no mundo”, afirma a menina.



Pedreiro chega a faturar mais de R$ 4 mil no mês
Na comunidade Vereda das Malhadas, uma história constata o eficiente plano de geração de emprego e renda da Obra Kolping no semiárido. Ao revisitar o passado, o pedreiro José Jesus de Sousa percebe como sua vida se transformou; antigamente não tinha casa própria ou uma fonte confiável de subsistência, com o início dos projetos da ONG alemã a situação foi revertida e hoje chega a ganhar mais de R$ 4 mil com a construção das cisternas mensalmente, dinheiro que o ajudou a adquirir sua residência e a ampliar a qualidade de vida da sua família; um verdadeiro salto para melhorias inesgotáveis. “Eu já construí vinte e duas cisternas aqui na região, não falta trabalho. Antes era uma dificuldade para conseguir algo. Foi através desse serviço que pude ter a minha moradia, que pude ter dignidade”, explica.

Uma pequena criação de galinhas também faz parte da nova vida, nessa ação ele conta com a ajuda da esposa, Josilene Martins, que ressalta a força da Obra Kolping no combate à miséria. “Melhorou muito depois da chegada deles, de 2009 para cá tudo que conquistamos foi positivo; a falta de água diminuiu, nós podemos ter uma alimentação mais reforçada. É algo que me deixa sem palavras”, afirma emocionada.

Atualmente, a remuneração é de R$ 1,2 mil para cada tecnologia construída, ou seja, não há limites de arrecadação.

Os tentáculos de boas iniciativas da organização não se resumem à Queimada Nova e às comunidades circundantes, vai além, são ao todo 92 municípios abrangidos no Estado, tendo como finalidade a promoção integral do trabalhador e sua família, com foco especial no exercício da cidadania, majorada na formação social, política, cultural, ambiental e geração de renda, como combate à exclusão social. Determinante através de ações em diversos lugares, de forma centralizada e no desenvolvimento de ações voltadas para o convívio harmônico com o meio ambiente, atentando a sociedade em volta de práticas cidadãs e sustentáveis. “As famílias passam por vários processos de capacitação, entre eles a capacitação em gestão de água, gestão de alimentos e sistemas de irrigação, no qual terá o conhecimento da quantidade de água a ser usada na produção que deseja. Depois disso vem a parte de auxílio técnico após a construção ter sido realizada”, complementa o técnico Gustavo Freire.

Projeto de energia solar pioneiro

Percebendo o potencial do semiárido piauiense, a Obra Kolping na sua missão de defender a sustentabilidade ambiental e social começa a desenvolver um projeto inovador na região, onde a energia solar é utilizada para o funcionamento de bombas das cisternas de placas construídas no sertão. As placas solares fazem parte de um kit e as instalações já podem ser observadas nas casas piauienses, o investimento inicial é de R$ 100 mil e a ação beneficiará centenas de piauienses. “Antes da colocação das placas o agricultor usava o balde para tirar água, era um trabalho muito desgastante”, revela o coordenador estadual da entidade, Raimundo João da Silva.

A iniciativa pioneira traz um ar moderno à região, abrangendo também os municípios de Simplício Mendes, Curimatá e Conceição do Canindé. Nesta experiência piloto serão 69 kits de energia solar instalados em placas de cimento. “Com a pressão o bombeamento será facilitado, de modo que permitirá a irrigação automática das plantações”, explica. Esse sistema reduzirá o custo de produção de alimentos durante a estiagem, já que o bombeamento da água será reduzido, devido à “abundância de sol no Piauí”. “Além de tudo é uma energia limpa”, conclui o coordenador.

Aliando informação, tecnologia e amor, a Obra Kolping segue expandido suas ações no Piauí, a diferença sentida com os períodos massacrantes passados, não cabe explicação. “Só quem já passou sabe”, observa a dona de casa Jesuíta Ferreira. Enquanto isso, a inclusão passa a ser maleável deixa de ser um objeto utópico e se renova ao nascer do dia.






Fotos: José Alves Filho
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