Criticando a fome, fotógrafo faz ensaio com restos de comida em bandejas

Nas bandejas de isopor precificadas, os restos de comida simulam as do supermercado

Resto de melancia simulando crítica a fome | Flávio Costa
FACEBOOK WHATSAPP TWITTER TELEGRAM MESSENGER

Carcaças, restos de alimentos e pedaços de frutas comidos. O que há pouco tempo era somente lixo, hoje, com mais de 19 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, virou realidade e levou o fotógrafo recifense Flávio Costa a fazer o ensaio "Mercado da Fome", com imagens de sobras etiquetadas com preço.

Fotógrafo pernambucano faz ensaio com restos de comida (Foto: Flávio Costa)As fotos produzidas como forma de crítica social precisaram ser explicadas após pessoas acreditarem que era verdade ao vê-las na internet.

"Eu queria que parecesse real, mas a situação é surreal. No Brasil de hoje, se você vê uma bandeja com um resto de comida sendo vendido, se não tiver legenda, você acredita que é verdade", declarou.

Na segunda-feira (18), viralizou nas redes sociais um vídeo em que moradores de Fortaleza coletam comida num caminhão de lixo. A venda de ossos bovinos, que antes eram doados, também virou realidade nas cidades brasileiras. Atualmente, a inflação brasileira tem previsão para fechar o ano maior que a de 83% dos países do mundo.

Tudo isso levou Flávio Costa à ideia do Mercado da Fome. Nas fotos, ele coloca os produtos em bandejas de isopor, com uma etiqueta com o preço afixada, como ocorre nos supermercados. No entanto, em vez de alimentos, o que é fotografado são os restos.

"Vi matérias falando sobre a venda de ossos e carcaças de peixe. Fui no açougue vizinho e ele tinha deixado de doar os ossos para vender. Viram na fome uma oportunidade de negócio, é desumano. Foi aí que surgiu a ideia do ensaio, que era a de vender o que sobra", disse o fotógrafo.

A primeira foto foi do resto de um hambúrguer. A imagem foi publicada no Twitter no dia 10 de outubro e acumula mais de 14 mil curtidas. A postagem foi vista por quase 1 milhão de pessoas e causou a indignação de muita gente. O fotógrafo precisou fazer posts explicando que era uma crítica.

Fotos foram tiradas pela indignação de Flávio (Foto: Flávio Costa)"Depois que vi ossos e carcaças de peixe sendo vendidos ao invés de serem doados, resolvi criar uma série de fotografias sobre o assunto. Essa é a primeira delas. O absurdo é tanto que, sem legenda, a imagem é crível", diz um tweet publicado em seguida, repetido a cada foto que faz parte da série.

Flávio pretende fazer dez fotos para o "Mercado da Fome". Até agora, foram publicadas quatro delas. Além do hambúrguer, compõem a série imagens do resto de uma melancia, metade mordida de uma fatia de pizza e a carcaça de um galeto.

As fotos são feitas com aquilo que o próprio fotógrafo consome. Flávio, que trabalha com fotografia e design desde 1996 com foco na questão social, viu de perto a volta da fome no Brasil. No livro "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus, a escritora narra em um diário a miséria e desumanidade de viver na favela.

Um dos trechos do livro conta um momento em que, sem ter o que comer, Carolina Maria de Jesus vai ao açougue pedir ossos. A realidade dos anos 1950 na favela do Canindé, em São Paulo, hoje é vivenciada em outros locais do Brasil.

"Em 1996, eu via um sertão que passava fome. O brinquedo das crianças era osso de gado. O povo comia feijão e farinha cheios de água com calango. Depois, com políticas governamentais mais voltadas ao Nordeste, eu ia nos mesmos lugares, perguntava pelas pessoas e descobria que tinham ido para a faculdade, ou estudar nos Estados Unidos. Hoje, a fome está voltando. O sertão é a mesma coisa de 1996", disse Flávio Costa.

Para o autor de "Mercado da Fome", inúmeros fatores fizeram com que a fome voltasse a assolar tantos milhões de brasileiros.

"O que vivemos é um processo que resulta de um monte de coisa. Fake news; uma Justiça e imprensa que não são imparciais; o fascismo latente, que ficou escondido por muito tempo num certo grupo de pessoas; esse tipo de política em que você não quer dar assistência a ninguém, em que é cada um por si; a questão da meritocracia. É um conjunto de coisas que culminaram onde estamos e para sair disso vai demorar muito", declarou.



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


Tópicos
SEÇÕES