Dizer “não” é mais importante do que se imagina

Ter medo de dizer “não” é algo comum, mas algumas pessoas têm mais que outras

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A arquiteta Ligia Fonseca, 31 anos, de São Paulo, ficou horas esperando por um colega porque se achava na obrigação de lhe dar carona após o trabalho e chegou a perder compromissos pessoais por causa disso. Na vida amorosa, ela prefere ceder a dizer não, pois acha que o namorado vai ficar chateado com sua atitude. E essa situação se repete nas relações de trabalho e de família. "Sou conhecida como "boazinha", "atenciosa" ou "prestativa", conta.

Ter medo de dizer "não" é algo comum, mas algumas pessoas têm mais que outras. Aceitam tudo - caladas - apostando num mundo mais gentil e sem conflitos. O "não", nesse caso, tem o poder arrasador da agressividade que deve ser evitada a qualquer custo, mesmo que a pessoa tenha de morrer um pouco por dentro. Mas ser bonzinho o tempo todo não é vida para ninguém, tanto na esfera pessoal como profissional.

"Quando a pessoa não consegue dizer "não", fica "ruminando" aquilo, geralmente porque se sente culpada. Ela evita um problema hoje, mas isso pode gerar conflitos mais adiante", avisa a psicóloga paulista Corinna Schabbel, doutora em gestão de conflitos. Um exemplo clássico são as pessoas que aceitam tudo e, de repente, explodem, com consequências imprevisíveis. Sua especialidade é administrar com boa dose de sucesso o "não" de cada um, seja nas relações familiares, seja no ambiente corporativo. Nesse contexto, ela observa que na hora de dizer não as pessoas fantasiam várias reações negativas vindas de quem recebe a recusa. E é exatamente esse tipo de comportamento que enfraquece o "não". No entanto, essas fantasias não passam de pura imaginação. É preciso ter em mente que dizer um "não" claro, sincero e coerente com os seus sentimentos facilita que o interlocutor entenda sua posição sem conflitos.

Rejeição

Para a especialista, essa dificuldade de dizer "não" está relacionada ao desenvolvimento psicológico. "Toda criança se apega afetivamente com quem cuida dela, principalmente a mãe, que desenvolve o mesmo sentimento pela criança. Quando essa mãe é superprotetora e cede a tudo que o filho pede, a criança pode desenvolver a dificuldade de dizer "não", explica Corinna. O outro lado da moeda são as crianças negligenciadas na infância. "Crianças maltratadas sentem necessidade de agradar para serem aceitas, por isso não conseguem negar", complementa.

Aliás, a rejeição está no cerne da questão: medo de se sentir abandonado pelo companheiro na vida pessoal ou de não corresponder às exigências do cargo na vida profissional por causa da negação. Mas, segundo ela, o ¿não¿ é essencial na vida, sem ele não se pode viver. O problema é que ele não é natural para muitas pessoas, o que gera um grande medo do seu efeito no outro. "Creio que é o medo de desagradar às pessoas que me faz ceder tanto", concorda Ligia.

Para o psicanalista Içami Tiba, autor do livro Quem Ama, Educa (Editora Gente), entre outros, "o "sim" só tem valor para quem conhece o "não". Dosar essas duas palavrinhas é o desafio dos pais. Isso porque a educação baseada no "sim", que permite tudo e foca somente na realização dos desejos, cria "parafusos de geleia", como ele define. "Se essas crianças levam um apertão, espanam. Não aguentam ser contrariadas", diz. O "não", portanto, é importante para criar cidadãos com consciência ética, responsabilidade, civilidade, auto-estima e gratidão filial.

Vida profissional

"Creio que é no trabalho que me sinto encorajada a dizer "não", mas apenas no relacionamento com pessoas que estão no mesmo nível hierárquico que eu. Para a diretoria, nunca digo "não", conta Ligia.

Esse erro pode gerar mais problemas no ambiente corporativo, segundo Daniela Yokoi Sanchez, gerente da divisão de vendas e marketing da Page Personnel, empresa do grupo Michel Page especializada em recrutamento. "A pessoa que tem dificuldade de negar pode acumular tarefas e não conseguir cumpri-las no prazo", exemplifica. Isso pode se agravar em meio à crise financeira, que reduz pessoas e cargos nas empresas. Mesmo assim, a gerente frisa que as corporações procuraram, sim, profissionais que absorvam o trabalho, mas que também se posicione. "Nesse caso, é importante conseguir fazer gestão de tempo e prioridade", diz.

Outra questão envolve o trabalho externo. "Se o cliente tem uma expectativa grande e não será possível atender, é melhor dizer "não" logo para não comprometer a empresa", diz Daniela. Ou seja, se posicionar sobre uma questão, mesmo que seja com um "não", repercute em credibilidade e base sólida em longo prazo. Para você e para a empresa.

Aprenda a dizer não

É preciso ter força de vontade se a intenção é realmente mudar e aprender a usar o "não" no cotidiano. Para isso, a especialista em gestão de conflitos Corinna Schabbel dá algumas dicas para começar.

A primeira é tentar dizer "não" em situações bem simples. Por exemplo: o namorado convida para um cinema; diga que não quer e prefere ir a um barzinho. Ou quando o filho pede um brinquedo diga que agora não pode e vai deixar para o Natal. "Pense na melhor resposta para a relação, diga não às situações que julgar preciso e observe o que sente. Precisa ter a primeira vez", recomenda Corinna. Depois é só treinar, como ginástica, para o "não" ganhar força e resistência.

Se não conseguir, a especialista sugere fazer uma lista de todas as situações em que não consegue dizer "não" e colocar o sentimento recorrente em cada uma delas (medo, angústia, culpa). Depois faça uma análise sobre a razão dessas reações. "É simples e funciona", garante.



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