Produtos custam bilhões de dólares locais e preços dobram em 24 horas

Zimbábue passa pelo segundo maior processo inflacionário da história

HIPERINFLAÇÃO | Divulgação
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Pois mesmo o pior índice mensal de inflação mensal registrado no Brasil nas últimas três décadas é inferior aos 98% de aumento diário registrado em um país africano em 2008. Bem-vindo ao Zimbábue, onde grassa a segunda pior hiperinflação já registrada na história.

O G1 conversou com o estudante paranaense Felipe Balotin, de 17 anos, que viveu 11 meses na capital Harare, entre fevereiro de 2008 e janeiro deste ano, como parte de um intercâmbio promovido pelo clube Rotary.

Ele relata como é o cotidiano em um local onde os preços dobram em média a cada 24 horas e os produtos nos supermercados são cotados na casa dos bilhões de dólares locais.

Arte/G1 (Foto: Arte/G1)?Para quem ganha em moeda local a situação é muito difícil. Você recebe o salário no começo do mês e dali a alguns dias já não vale mais nada. Então é tudo muito pensado, muito premeditado", diz ele.

Um exemplo: ?assim que as pessoas recebem os salários, elas correm para fazer as compras para todo o mês, para tentar evitar a inflação. Se deixar para depois, provavelmente elas não terão dinheiro?.

E no caso de produtos cujo consumo é diário, como o pão? ?A saída é comprar o máximo possível de uma vez só e depois congelar?, relata. Isso, no caso de esses produtos serem encontrados nas lojas.

Como muita gente já não aceitava fazer negócios usando o desvalorizado dólar zimbabuano (Z$), as prateleiras de muitos mercados ficavam vazias. A solução é recorrer ao mercado negro, onde o preço das mercadorias chega a ser três vezes maior que no comércio oficial.

This is Zimbabwe

Com a inflação registrando alta diária, é comum o preço subir em intervalos de horas. Um exemplo é o caso das kombis usadas para o transporte da população da capital.

De acordo com Balotin, ?quando se sai de manhã o preço da passagem está em, digamos, Z$ 50 milhões. Na volta, à tarde, pode estar em Z$ 200 milhões. Eu juro que não sei como as pessoas faziam nessa situação.?

Supermercados que negociam apenas em moeda local ficaram com as prateleiras vazias. ?Tem muita coisa que a gente se pergunta como funciona por lá e não dá para explicar. Nessas horas, as pessoas só respondem: ?This is Zimbabwe? (Isto aqui é o Zimbábue, em inglês)?, uma espécie de piada local sobre o péssimo estado de funcionamento do país.

Segundo o estudante, esse tipo de situação estranha acontece muito na vida cotidiana do país.

?No meio da pobreza geral da população, você vê aparecerem de repente pessoas dirigindo BMWs novinhas, com a placa do país. O povo só olha para os carros e repete: ?This is Zimbabwe?.

À luz de velas

A situação piorou tanto que até a infraestrutura básica do país foi atingida. ?Tem muitos problemas no fornecimento de água e luz. Às vezes funcionavam, às vezes não, em horários variados. Tanto que uma das atividades mais populares no país ultimamente era a abertura de poços artesianos?, diz Baltin.

E quanto à eletricidade? ?Os mais abastados usavam gerador. Os outros tinham que apelar para outras soluções, como fazer uma fogueira no quintal, ou mesmo tomar banho gelado?, diz. ?No início, era legal jantar à luz de velas, mas com o tempo isso se torna cansativo?, completa.

Foto: Arquivo pessoal Felipe Balotin no Zimbábue: vivendo em meio à segunda maior hiperinflação de todos os tempos. (Foto: Arquivo pessoal)A deterioração da situação no país se agravou a tal ponto que fez ressurgir uma epidemia de cólera ? a mais grave a atingir o continente nos últimos 15 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) - responsável pela morte de cerca de 3,3 mil pessoas até agosto do ano passado.

Trilhões de dólares

A desvalorização diária do dólar do Zimbábue fez com que o governo lançasse notas de valor cada vez mais alto para evitar a paralisação do comércio do país ? o que, por sua vez, gerou ainda mais pressão sobre os preços.

Numa tentativa de evitar os valores estratosféricos da moeda, por duas vezes o governo cortou os zeros da divisa, mas a tentativa não teve sucesso e culminou no lançamento de uma nota de 100 trilhões de dólares em janeiro.

Segundo o diretor do Banco Central do país, Gideon Gono, as calculadoras não conseguem mais lidar com tantos dígitos da moeda.

Aparentemente, os habitantes não têm os mesmos problemas que as calculadoras do Zimbábue. Segundo o estudante brasileiro, ?na primeira vez que fui a um supermercado, me assustei ao ver os muitos zeros nos preços, que às vezes chegavam aos Z$ bilhões. Não conseguia processar os números. Demorou um tempo para me acostumar. Mas a população faz as contas de modo mais automático?, diz.

A imprensa internacional relata cenas de pessoas que precisavam de malas cheias de dinheiro para conseguir pagar uma conta.

Segundo Balotin, essa situação é gerada pela constante desvalorização da moeda. ?Quando eu cheguei, US$ 1 equivalia a aproximadamente Z$ 10 milhões. Como havia muitas notas antigas em circulação junto com as novas, às vezes as pessoas precisavam pagar uma conta de Z$ 50 milhões usando notas de Z$ 20 mil?, diz.

Ele relata ainda que tinha um amigo que encadernava o caderno escolar usando notas antigas de dólares zimbabuanos: ?era muito mais barato que comprar o material certo?, ironiza.

Jeitinho zimbabuano

Com a inflação descontrolada, algumas pessoas apelavam até para as trocas. O próprio Balotin teve essa experiência.

?No final da viagem, tinha algumas roupas sobrando, e fui na feira trocar por algumas lembranças para trazer aqui para o Brasil. É uma saída para a situação. Se por lá alguma família tem um extra de arroz ou de farinha de milho, é comum que ela troque isso por algum outro produto?.

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Segundo ele, eram vários os ?jeitinhos? na luta contra os preços altos.

?Uma saída para tentar adquirir os produtos era viajar para os países vizinhos, como Moçambique e África do Sul, e comprar tudo o que coubesse no carro e no ônibus. O preço acabava compensando muito a viagem. Valia a pena comprar o máximo possível?.

Mesmo assim, segundo ele, era muito difícil encontrar no país produtos como chocolate e algumas frutas.

Longa estrada

Um pequeno espaço para esperança pode ter sido aberto em de fevereiro, quando o presidente Mugabe aceitou formar um governo de coalização com o oposicionista Morgan Tsvangirai, que passou a ocupar o cargo de primeiro-ministro ? o atual líder continua sentado na cadeira de presidente.

No entanto, até que tudo isso se traduza em melhorias concretas na situação do país, há uma longa estrada a ser percorrida: no início de fevereiro, mesmo com todos os cortes promovidos pelo governo, cada dólar americano valia 12,3 bilhões de dólares zimbabuanos.



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