Empreendedor da periferia de SP sofre outras dores na pandemia

Informalidade jurídica, falta de logística e ausência do mundo digital tornam fazer negócio nos extremos da capital mais desafiador em tempos de comércio eletrônico em alta

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Grandes empresas abriram seus marketplaces para que os pequenos negócios pudessem ter um canal de vendas online em tempos de pandemia do novo coronavírus. Uma ótima iniciativa, mas não atende grande parte dos empreendedores, em específico os donos de negócios nas periferias. Falta de formalização, de intimidade com o meio digital e de logística são algumas das barreiras. As informações são do Estadão.

Sabendo muito bem como é essa realidade e em busca de uma solução urgente, Richard Tortoya e Thayane Amaral, fundadores da comunidade Hackathon Brasil no distrito da Brasilândia, zona norte de São Paulo, criaram o Mundial Shop, marketplace da periferia para a periferia.

“O e-commerce praticamente nunca funcionou aqui. A gente não tem logística, você compra pela internet e os Correios, que é a principal empresa de logística do e-commerce nacional, não entrega aqui porque somos categorizados como área de risco”, explica Richard. “É preciso buscar o produto na central dos Correios. Por esse motivo, as pessoas pararam de comprar pela internet. Então, não há uma cultura de comprar pela internet.

 Não adianta as empresas apresentarem uma solução se a gente tem esses obstáculos: a falta de usabilidade (tanto de comprador como do vendedor) e a logística. Richard é do time de tecnologia da startup Jaubra, o Uber da Brasilândia, que será o  parceiro para as entregas de produtos dos lojistas cadastrados no marketplace. “Com eles, podemos fazer a entrega de ponta a ponta, pois eles retiram o produto no ponto do vendedor e entregam na casa do comprador. Isso nem os Correios faria, porque o empreendedor teria que ir até a agência para enviar o produto. Já eliminamos um problema”, diz. Aderir a logística pela Jaubra, no entanto, não é obrigatório, conta Richard.

Para solucionar o problema da usabilidade, Richard e Thayane darão assistência passo a passo para o empreendedor. “Vamos deixar a loja pronta e treiná-lo para que ele saiba cadastrar os produtos.” Até o momento, 100 empreendedores se cadastraram no Mundial Shop.

“Com a reabertura gradual, vamos fazer uma ação de ir até os comércios pessoalmente divulgar a plataforma para que mais gente possa participar. Criamos o marketplace com a intenção de que ele se mantenha no pós-pandemia. A digitalização deve se tornar uma cultura, para dar mais força para os pequenos comércios. Nosso slogan é ‘da periferia para o mundo’”, afirma Richard.

O valor para colocar o Mundial Shop no ar veio de um match funding em conjunto com a plataforma Benfeitoria, com a meta de R$ 30 mil atingida. O valor também possibilitou que neste momento de emergência nenhuma taxa sobre as vendas seja cobrada dos empreendedores. Richard diz que, para que as operações comecem definitivamente, ainda faltam poucos ajustes na ferramenta de pagamento interna do marketplace.

DEFICIÊNCIAS DA INICIATIVA PRIVADA PARA OS EMPREENDEDORES DAS PERIFERIAS

A reportagem do Estadão PME conheceu o trabalho de Marcelo Rocha, o DJ Bola, em 2018. Muito tarde, afinal Bola está na ativa com A Banca (produtora que dissemina a cultura hip hop por meio de eventos e oficinas culturais) desde os anos 1990, quando o Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, foi categorizado como um dos lugares mais violentos do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Por meio de sua história e trabalho, Bola sempre ressaltou como é imprescindível que a iniciativa privada que busca investir em ações sociais nas periferias enxergue a potência que ela tem e não a encare apenas como agente passivo.

“Há anos trago esse debate com A Banca. É importante investir diretamente na base, colocando ela como protagonista. Do lado de cá, a gente foi só beneficiário, cliente ou usuário de alguma iniciativa. Pouco investimento social privado foi colocado aqui de fato.

Quando aconteceu, a base não participou do processo. Com isso, não teve aprendizado, troca, ampliação da rede. E isso é um grande problema. E agora, com a pandemia, isso se agravou ainda mais porque está todo mundo precisando correr contra o tempo nesse momento de emergência”, desabafa ele.

Segundo Bola, é preciso fortalecer iniciativas que já existem e que são dos territórios, porque elas já trabalham com o público que é a base da pirâmide. Isso é possível, diz ele, quando a iniciativa privada se aproxima das organizações das periferias, para ter ideias de produtos e serviços “pensados pelas pessoas daqui, o conhecimento da quebrada”.

Para o ativista e fomentador do empreendedorismo, esse movimento deve ser feito para que os negócios da periferia e seus atores sejam de fato reconhecidas desde o início, “não depois de uma história e carreira de dor e sofrimento”. “A gente não tem moral de errar. Se a gente errar, vai para onde? Não temos fluxo financeiro que garanta a possibilidade do erro.”

Sobre a realidade dos negócios da periferia neste contexto de pandemia, Bola explica que muitos são do setor da economia criativa, o mais afetado da economia, de acordo com pesquisa do Sebrae, que registrou queda no faturamento de 77%.

“São poucos os negócios de impacto que conseguem ter reserva. Sempre foi assim e agora ficou mais complicado. E se reinventar agora não garante a operação. Fechar totalmente ou paralisar a operação é quase a mesma coisa. Se está paralisado, não está fazendo nada, é como estar fechado”, pontua Bola.

A Banca opera a Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia, a Anip (que também conta com a organização de impacto social Artemisia e o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas).

A aceleradora, em parceria com o Banco Pérola, criou o Fundo Volta Por Cima, que tem a missão de conceder empréstimos a juro zero para que os negócios possam se manter ativos.

QUEDA DE RENDA E MAIOR CONCORRÊNCIA: A REALIDADE PÓSPANDEMIA

“A queda no faturamento aconteceu no dia 1 do isolamento para muitos negócios. Literalmente da noite para o dia. Empreendedor de periferia não é como empreendedor por oportunidade. Ele vendia hoje para pagar as contas de amanhã”, contextualiza Luis Coelho, que ao lado de Jennifer Rodrigues criou a escola de formação Empreende Aí, para capacitar empreendedores de territórios populares, comunidades e favelas.

Luis pontua a temática do empreendedor por necessidade porque acredita que esse número vai aumentar, devido às projeções de aumento na taxa de desemprego do País. “Tem estudos que falam que podemos atingir 20 milhões de desempregados. Isso vai gerar uma queda gigantesca no consumo das famílias. E provavelmente vai atingir mais quem é preto, mulher e de periferia.” De acordo com a pesquisa GEM, a falta de oportunidades no mercado de trabalho foi o principal fator que motivou mulheres e negrosa abrir o próprio negócio.



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