Exposição ao chumbo pode causar modificações no DNA e na saúde

Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e colaboradores em células sanguíneas de trabalhadores da indústria de baterias automotivas.

Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e colaboradores em células sanguíneas de trabalhadores da indústria de baterias automotivas. Impactos à saúde ainda são desconhecidos (Marilia Araújo conduz análises no laboratório da Unifesp durante seu doutorado; foto: acervo dos pesquisadores) | Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e colaboradores em células sanguíneas de trabalhadores da indústria de baterias automotivas. Impactos à saúde ainda são desconhecidos (Marilia Araújo conduz análises no laboratório da Unifesp durante seu doutorado; foto: acervo dos pesquisadores)
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André Julião | Agência FAPESP – Estudo publicado na revista Frontiers in Genetics sugere que a exposição ao chumbo– mesmo em concentrações consideradas seguras – pode causar modificações no DNA cujos impactos à saúde ainda são desconhecidos.

As alterações foram detectadas em células do sangue de trabalhadores da indústria de baterias automotivas, que tem o metal como uma de suas principais matérias-primas. A concentração de chumbo nas amostras dos 85 voluntários – em média 20 microgramas por decilitro de sangue (20 µg/dl) – estava abaixo do que a legislação brasileira define como máximo tolerável (60 µg/dl). Estudos realizados na China mostraram concentrações na faixa de 40 µg/dl no sangue de trabalhadores daquele país.

“O que os estudos vêm sugerindo, ainda que de forma incipiente, é que baixas exposições ao chumbo podem ter relação com eventos moleculares que precedem problemas neurológicos e hematológicos”, explica Gustavo Rafael Mazzaron Barcelos, professor do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos.

Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e colaboradores em células sanguíneas de trabalhadores da indústria de baterias automotivas. Impactos à saúde ainda são desconhecidos (Marilia Araújo conduz análises no laboratório da Unifesp durante seu doutorado; foto: acervo dos pesquisadores)

O trabalho integra um projeto financiado pela FAPESP e envolveu também pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal do ABC (UFABC), Anhembi Morumbi e Nova de Lisboa (Portugal).

Ainda que as baixas doses de chumbo não estejam diretamente relacionadas com problemas de saúde, Barcelos alerta que o fato de causarem alterações no DNA devem acender um alerta. “Não dá para chamar essas concentrações de seguras. Seria ótimo ter o mínimo de exposição ao chumbo, mas também existe um sistema industrial que depende da produção do metal. É preciso ter boas políticas públicas para minimizar a exposição”, avalia.

No país, explica o pesquisador, quando a concentração de chumbo ultrapassa os 60 µg/dl, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social precisam ser notificados.

Alteração bioquímica

O estudo conduzido na Unifesp investigou um tipo de modificação bioquímica no DNA conhecido como metilação, que ocorre quando a molécula recebe a adição de um radical metil (CH3) e isso muda a forma como os genes se expressam. Não se trata de uma alteração genética (mutação) e sim epigenética (mudança no padrão de expressão gênica induzida por fatores ambientais, como a exposição ao chumbo).

“Avaliamos a metilação do DNA, que é uma das modificações epigenéticas que ocorrem principalmente nas chamadas regiões promotoras, que controlam a função dos genes. Quando a metilação dessas regiões sofre tais alterações, a síntese das proteínas pode também estar desregulada, o que pode ser um problema. Há evidências de que a exposição ao chumbo é capaz de inibir uma enzima chamada DMNT1, responsável justamente pelo controle da metilação do DNA. Nas amostras analisadas, encontramos em abundância o microRNA miR-148a, que tem como alvo justamente o gene da DMNT1”, conta Marilia Ladeira de Araújo, primeira autora do artigo, produzido durante seu doutorado no ISS-Unifesp. Parte das análises foi feita durante estágio de pesquisa na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

Como explicam os autores, microRNAs são pequenas moléculas de RNA que não contêm informações para a síntese de proteínas, mas que são capazes de se ligar a genes codificadores e modular sua expressão. O miR-148, por exemplo, aparentemente se liga ao gene que codifica a proteína DMNT1 e impede que ela seja produzida. Sem essa enzima o controle da metilação do DNA fica alterado.

Detecção

Em um trabalho anterior, o grupo havia detectado a diminuição global da metilação do DNA na mesma população de trabalhadores, cujas amostras foram colhidas em fábricas no Estado do Paraná. O artigo foi parte do mestrado de Paula Pícoli Devóz na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), com bolsa da FAPESP.

Os pesquisadores então queriam saber se haveria algum biomarcador que indicasse a diminuição na metilação do material genético e elencaram uma série de microRNAs que poderiam estar associados com esse evento. Foi observado um aumento significativo do miR-148a, conhecido na literatura científica por várias funções. Entre elas, sua ocorrência pode estar associada a danos ao DNA, a processos inflamatórios e ao estresse oxidativo, eventos relacionados com o desenvolvimento de diversas patologias multifatoriais, como doenças neurodegenerativas e câncer, por exemplo.

“A vantagem de usar o miR-148a como um biomarcador associado a distúrbios epigenéticos induzidos pela exposição ao chumbo é que estas alterações em sua expressão podem preceder diversos distúrbios celulares, tais como estresse oxidativo e morte celular, por exemplo. Não sabemos dizer ainda se a diminuição da metilação do DNA terá impactos negativos, uma vez que analisamos o status global desse parâmetro ao longo de todo o DNA. Porém, sabemos agora que ele é um potencial biomarcador desse estado”, afirma Barcelos.

Uma das ideias do pesquisador para o prosseguimento da pesquisa – assim que a pandemia de COVID-19 permitir – é coletar novas amostras da mesma população ao longo dos anos. O objetivo é verificar se os efeitos da exposição em baixas concentrações são persistentes e como o organismo pode se adaptar a ela.



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