História de pescadores se torna patrimônio

Museu Vivo dá status de patrimônio e história a artefatos e a vida cotidiana de pescadores em Luís Correia

Museu | Efrem Ribeiro
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A visão tradicional ensina que museu é uma instituição dedicada a buscar, conservar, estudar e expor objetos de interesse duradouro ou de valor artístico e histórico. O município do litoral piauiense, Luís Correia (346 km de Teresina), nos ensina muito mais: que o museu pode ser vivo e seus artefatos e objetos não estão entre quatro paredes, mas pode ser um barco, uma canoa, que estão ao ar livre, estão na praia, no mar.

Foto: Efrem Ribeiro

É o Museu da Vila, na Praia do Coqueiro, que dá status de história e de patrimônio a ser preservado, a vida cotidiana dos pescadores e dos moradores. Não é preciso produzir uma obra de arte, um projeto de arquitetura revolucionário para que ganhem o status de peças de museu. A canoa que os pescadores usam para tirar o sustento de suas famílias no mar ganha status de objeto de interesse duradouro, peça de museu.

Isso dá autoestima aos moradores, porque passam a perceber que são protagonistas da história. O que produzem tem valor, seus artefatos e a forma como a vida pode alcançar a história e a imortalidade.

Um museu capaz de cadastrar e estudar uma forma de relacionamento das pessoas, uma tradição repassada por gerações, uma vestimenta, um estilo de vida dos moradores, uma tecnologia usada pelos pescadores.

A professora Áurea Pinheiro, coordenadora do curso de Mestrado de Artes, Patrimônio e Museologia da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), afirmou que tem um trabalho de mais de dez anos com comunidades ribeirinhas, praieiras e do Delta do Parnaíba, trabalhando a conservação e preservação do patrimônio e na preservação, proteção e conservação das espécies marinhas ameaçadas de extinção.

Há dois anos, Áurea Pinheiro solicitou ao Governo do Estado a cessão de uso pela Universidade Federal do Piauí, para funcionar o curso de mestrado em Museologia, o único no Brasil. É um Núcleo da Universidade Federal funcionando em uma vila de pescadores artesanais e que fica a cem metros da praia, onde tem desova de cinco espécies de tartarugas marinhas ameaçadas de extinção em todo mundo.

Áurea Pinheiro (Foto: Efrem Ribeiro)

“Além disso, os pescadores artesanais têm suas artes de pesca ameaçadas de extinção e a construção de embarcações tradicionais”, ressalta Áurea Pinheiro, pós-doutora em Museologia.

A cada ano, o curso de mestrado em Museologia, de formação profissional, recebe 15 profissionais de diversas áreas do conhecimento, como arquitetura, engenharias, história, geografia, economia, administração e biologia.

“Nós estamos formando essas pessoas para serem gestoras do patrimônio porque o Museu da Vila é o espaço gestor do patrimônio”, ressalta Áurea Pinheiro.

Canoa centenária  em exposição

O Museu da Vila é um museu-escola porque, ao mesmo tempo que forma as pessoas, também preserva, pesquisa e documenta o complexo e rico patrimônio cultural da vila de pescadores da Praia do Coqueiro de Luís Correia. O prédio, onde funcionava uma escola pública estadual, estava completamente depredado.

Este ano, foi montada uma exposição no Museu da Vila, marcando dez anos de pesquisa e os estudantes estão preparando uma nova exposição, a “Nós do Coqueiro”.

Está exposta com destaque no Museu da Vila uma canoa centenária, uma canoa de um pau, só porque foi construída de um tronco de árvore pelas comunidades indígenas que habitavam o território, além de remos de pescadores locais que deixaram de pescar e fizeram a doação dos artefatos.

Fora do Museu da Vila está uma canoa de um pescador que não pesca mais e a vendeu para a instituição. O pescador Antônio da Laura, um dos pescadores aposentados da Vila da Praia do Coqueiro, doou a canoa mais antiga do acervo do Museu da Vila, a canoa-vovó. O museu tem talha de madeira de artista local.

Em outro espaço do Museu da Vila funcionava um Posto de Saúde e um Posto Policial, onde funciona uma ação de jovens da comunidade.

O Núcleo da UFPI tem a Marcenaria da Vila, do Museu, que é de inclusão social com jovens. A Marcenaria da Vila é um embrião do Estaleiro-Escola, exatamente para que seja criado modelismo naval e construção de embarcações.

O Museu da Vila está plantado em uma comunidade vulnerável economicamente. O prédio vai ser reformado, mas a arquitetura escolar será mantida.

O Museu da Vila tem uma exposição em montagem sobre a história da área de produção ambiental e um ateliê-escola, criado por uma estilista que concluiu o mestrado em Museologia. 

Mais de 300 famílias se beneficiam do Museu

Mais de 300 famílias da Praia do Coqueiro se beneficiam das atividades do Museu da Vila, que trabalha com a escola, com a creche e com o Posto de Saúde.

“A nossa ideia é a da sustentabilidade”, define Áurea Pinheiro, informando que garrafas de vidro serão recicladas e transformadas em um piso, onde a canoa vai ficar exposta no Museu da Vila.

Áurea Pinheiro afirma que o curso de mestrado em Museologia já está na quinta turma, com 50 alunos. O curso foi criado em 2015 e formou, na primeira turma em 2017, dez museólogos. “No Piauí, até 2017, não tinha nenhum museólogo. Hoje, temos 25 com mestrado”, afirmou Áurea Pinheiro.

O Museu da Vila tem uma Sala de Cinema e tem produzido vários documentários sobre a região e os pescadores. A estilista Gisela Falcão criou um ateliê-escola como dissertação de seu mestrado em Artes, Patrimônio e Museologia. para formar pessoas da comunidade em costura. No ateliê tem um bazar e roupas e sacolas produzidas pelas costureiras da comunidade.

“Trabalhamos com a museologia do território”, diz criadora

“Não trabalhamos como a museologia do edifício, mas a museologia do território”, garante a criadora do Museu da Vila, Áurea Pinheiro.

Ela diz que quando se fala em museu se pensa em um espaço que guarda objetos, quando na verdade o Museu da Vila é museu do território da Área de Proteção Ambiental (APA).

“Esses museus de territórios, museus locais e museus de comunidades têm como proposta contar a história das pessoas que moram no lugar. Então, aqui nós contamos a vida dos pescadores, das marisqueiras, das comerciantes. Contamos a história das pessoas simples. Contamos a história de tudo o que temos aqui, das embarcações, o fazer da cocada, o fazer da peixada, o rio, o mar, o Delta do Parnaíba, as tartarugas, o cavalo-marinho, o peixe-boi. O nosso museu é vivo, é dinâmico. Nós trabalhamos com duas modalidades de acervo: o institucional, como a canoa que está dentro do museu, mas temos o acervo operacional, que são 15 embarcações que estão na orla da praia, porque são objetos que fazem parte do nosso território. Para nós, o edifício não é o museu. O museu é o mar e os objetos são as canoas”, explicou Áurea Pinheiro.

Documentarista registra processo de extinção da pesca tradicional

A documentarista Cássia Moura, com doutorado em Portugal, e subcoordenadora do curso de mestrado em Artes, Patrimônio e Museologia da UFPI, produz documentários sobre os povos e a pesca no litoral do Piauí e vem registrando o processo da pesca tradicional e da expulsão dos pescadores e de suas famílias das casas próximas da orla da praia, que passou a ser ocupada por pessoas de outras cidades para a construção de casas de veraneio ou para a construção de resorts e restaurantes.

“Por ser uma região onde essa pesca tradicional está quase em extinção e a comunidade em risco, nós estamos documentando isso com nossos filmes. A comunidade de pescadores passou a ser alojada lá atrás. Viviam próximos da orla porque facilitava a vida deles, mas hoje, eles não estão mais aqui”, afirmou Cássia Moura.

Rosiane Cardoso Silva estava próximo de uma casa com placa oferecendo para venda na Praia do Coqueiro. Ela conta que a casa é de uma cunhada, Luiziane Moraes, que mora em São Paulo. Na residência mora sua sogra, Luiza Moraes, que vai viver na casa de outra filha em Luís Correia.

Ela afirma que a venda da casa é mais um recuo dos pescadores e suas famílias nas áreas próximas da orla da praia.

“As pessoas vendem por preços baixos suas casas, para pessoas que têm melhores condições financeiras, e    turistas vão morar em locais ainda mais distantes da praia”, relata Rosiane Cardoso. 



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