Indigenista diz que crack pode ter provocado canibalismo no AM

O grupo indígena teria matado e ingerido partes do corpo da vítima

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O consumo de crack entre os índios da tribo kulina, associado ao elevado uso de bebidas alcoólicas, pode ter sido a causa do canibalismo ocorrido na cidade de Envira (AM). Essa é a opinião da indigenista Rosa Maria Monteiro, 59 anos, que conviveu por cerca de 15 anos na aldeia onde vivem pelo menos seis índios suspeitos do crime.

Segundo a polícia, o grupo indígena teria matado e ingerido partes do corpo da vítima, Océlio Alves de Carvalho, 21 anos. O crime ocorreu entre 1º de fevereiro, quando a vítima desapareceu, e o dia 2 deste mês, quando um índio da mesma aldeia teria feito a denúncia do caso às autoridades de Envira.

"A brutalidade desse caso é assustadora. Isso nunca foi registrado em aldeias de índios kulinas. Se for confirmado o canibalismo, só mesmo o álcool aliado a alguma droga, como o crack, que poderia provocar uma violência como essa", disse a indigenista Rosa, integrante da Organização Não-Governamental (ONG) Operação Amazônia Nativa (Opan).

Maconha e crack

Ela disse ao G1 que presenciou a entrada gradativa de drogas na aldeia kulina, em Envira. "Nos anos de 1990, o álcool já era consumido em escala crescente. Na mesma época, vi a maconha ser introduzida na comunidade, mas consegui conscientizar os índios que aquilo era muito prejudicial. Eles chegaram a plantar maconha nas terras indígenas, mas desistiram do cultivo quando expliquei os riscos de a Polícia Federal prender todos por tráfico", afirmou Rosa.

A indigenista explicou que o crack começou a surgir na aldeia no início dos anos 2000. "Trabalhei muito para conseguir fazer com que os kulinas deixassem de usar o crack. Inicialmente, acredito que eles tenham associado o crack à semelhança da pedra com a resina usada pelos pajés nos rituais de cura. Depois foi o vício mesmo", disse Rosa.

Outro ator que faz parte da cultura dos kulinas é o uso do rapé. "Se bem feito, como costuma ser o rapé indígena, eles sentem uma lombra (efeito provocado pela droga) poderosa. Isso e mais outras drogas e bebidas pode gerar uma reação violenta", afirmou a indigenista.

Canibalismo

O corpo da vítima de canibalismo foi esquartejado e encontrado por familiares, sem órgãos e vísceras, perto da aldeia, na terça-feira (3). A polícia informou ter ouvido uma testemunha, que afirmou ter visto os índios comerem os órgãos do rapaz.

Ele foi sepultado na quarta-feira (4), em um cemitério da cidade. Os representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) chegaram ao local no dia seguinte ao sepultamento. A Funai informou que está apurando o caso e o canibalismo em aldeias de índios kulinas é inédito.

Brutalidade

Segundo o laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) de Envira, a morte foi provocada pela quantidade de facadas no corpo da vítima, que tinha cerca de 60 marcas, seguida de esquartejamento. "Os órgãos foram assados em uma espécie de ritual na aldeia. Não foram encontrados o coração, cérebro, fígado e outros pedaços do corpo", disse o sargento José Carlos Correia da Silva, da Polícia Militar, e que também responde pela delegacia da cidade.

Ainda de acordo com ele, os índios suspeitos foram identificados apenas pelos nomes civis que usam no convívio social. "São índios civilizados. Não sabemos os nomes indígenas, apenas como são chamados na cidade", disse o sargento.

Investigação

Um inquérito policial foi instaurado para apurar o caso, mas Correia da Silva informou que enfrenta dificuldades por conta da legislação que impede as polícias Civil e Militar de fazer investigações em tribos indígenas. "Essa legislação limita o nosso trabalho. O caso seria de atribuição da Polícia Federal. Chegamos a ouvir um dos suspeitos, mas a Funai nos obrigou a liberá-lo. Também não podemos entrar na aldeia para procurar pelos suspeitos, que estão foragidos", disse Correia da Silva.

De acordo com Maronilton da Silva Clementino, chefe de gabinete da Prefeitura de Envira, o alcoolismo pode ser um dos fatores que provocou o crime. "Há um índice muito grande de alcoolismo entre os índios da região. A Funai é ausente e não ajuda neste sentido. O representante da fundação só chegou aqui 72 horas depois de ser avisado sobre o homicídio e até agora não se posicionou sobre o caso."

Cultura dos kulinas

Segundo a ONG Operação Amazônia Nativa (Opan), o canibalismo não é característica da cultura dos índios da tribo kulina, ou madija, como os próprios integrantes costumam se auto-denominar. "Isso seria um fato inédito. Nunca ouvimos um caso como esse. Os kulinas não são antropofágicos. Só temos referências de antropofagia em índios tupinambás e aruaques, mas que já entrou em desuso há muitos anos", disse Ivar Luiz Busatto, 58 anos, indigenista e coordenador da Opan.



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