Luiza Trajano: 'Em vez de jogar água na crise, estão jogando gasolina'

A empresaária vê com preocupação a falta de alinhamento entre Estados e governo federal

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A empresária Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, vê com preocupação a falta de alinhamento entre Estados e governo federal e acredita que está faltando união em um dos momentos mais críticos que o Brasil está enfrentando por conta do coronavírus. A empresária participou nesta quarta-feira, 6, da série de entrevistas ao vivo “Economia em Quarentena”, do Estadão. “Em vez de jogar água na crise, estamos jogando gasolina.”

Para Luiza, é preciso dar previsibilidade para que as empresas possam retomar as atividades e a população faça o isolamento de forma ordenada. Segundo ela, em meio à crise política, o governo não está conseguindo comunicar bem as ações para amenizar os efeitos da covid-19 na economia. A questão é especialmente grave entre pequenos e médios empresários: “Uma das coisas que mais me deixaram triste nos últimos dias foi a sensação de ver que (a crise) está pegando fogo, mas que, em vez de jogar água, estão jogando mais gasolina nela.”

A empresária acha pouco provável que o presidente Jair Bolsonaro vá conseguir chegar a um acordo com os governadores no combate ao covid-19. “Mas sinto que os governadores agora têm de tomar uma medida. Como o Brasil é muito grande, os governadores e prefeitos têm de definir.”

Nilton Fukuda/Estadão 

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista: 

Estamos há 50 dias em quarentena. A sra. conversa muito com empreendedores. Existe como a economia aguentar mais muito tempo de fechamento parcial?

Não se tem agora como se discutir se o (isolamento) horizontal ou vertical é o melhor caminho. O que tem que se discutir é a previsibilidade dessa retomada, até para as pessoas respeitarem o que for acordado. Sem regras claras, as pessoas não obedecem o isolamento, não usam máscaras. Falei com o pessoal do BNDES para perguntar por que o dinheiro não está chegando às pequenas empresas. Não estou discutindo se uma ou outra medida é melhor porque isso não adianta. Mas tem de se tomar decisão. Porque senão as empresas não vão conseguir segurar os empregos.

Vimos muitas declarações antagônicas. Isso atrapalha muito?

Eu estou fazendo o papel de líder cidadã e ajudando a divulgar as medidas do governo, que eu achei boas. Uma das coisas que mais me deixaram triste nos últimos dias foi a sensação de ver que (o País) está pegando fogo, mas que, em vez de jogar água, estão jogando gasolina com essas discussões todas. Tem de unir todo mundo, independentemente de partido. Não sinto que há uma grande união. Mas sinto que os governadores agora têm de tomar uma medida. Como o Brasil é muito grande, os governadores e prefeitos têm de definir. Não acredito que se vá entrar num acordo entre os governadores e presidente. E como ninguém está comunicando claramente, as pessoas estão indo para as ruas, as lojas de bairros estão abrindo, muitas vezes de forma errada. A falta de comunicação é séria e a falta de união é muito triste.

Quais medidas o grupo Magazine Luiza vem tomando para amenizar a crise?

Estou no conselho hoje e foi executiva por muito tempo. Brinco que era executiva da crise. Mas o que eu vivi lá atrás era 20% do que era essa crise, essa é a pior que eu já vi. Fiquei muito satisfeita com o nosso time porque eles se uniram para valer para se adaptar a essa realidade. Se o Brasil não está bem, nós não estamos bem. Cada vez mais, o consumidor está exigindo que a empresa tenha um compromisso. Nossa equipe agiu rapidamente para ver o que o nosso marketplace poderia fazer para ajudar. Em 8 dias eles tiraram da gaveta um projeto que já existia, o “Magazine e Você” e criaram o “Parceiro Magalu”, com regras bem mais simples de adesão. Em uma semana, tivemos a entrada de 160 mil trabalhadores autônomos, que passaram a vender nossos produtos, e de 15 mil empresas. 

Como o grupo vem trabalhando a questão da saúde? Como acompanha os casos de cornavírus no País?

Temos um comitê técnico de saúde. Usamos as nossas próprias estatísticas para definir se vamos reabrir as lojas mesmo depois da autorização das prefeituras, sabemos a situação das infecções e da ocupação dos hospitais. Com base dos nossos dados, percebemos que não poderíamos abrir as lojas de Belém, apesar da autorização da prefeitura. O mesmo aconteceu em Florianópolis. E temos o desafio de não perder nenhum funcionário e ninguém da família deles. Como eu ouvi em uma live em que participei esses dias: ‘CPF você não consegue outro, já o CNPJ você pode fazer outro se quebrar’.

Guillermo Gutierrez/Bloomberg 

Ou seja, abrir para depois fechar é péssimo...

Para isso não acontecer, temos de nos unir na comunicação. Se as pessoas não usarem as máscaras, não lavarem as mãos e se as lojas não respeitarem a distância, vai ser pior. A gente está evitando fazer uma coisa que a gente adora, que é fazer promoção para evitar montoeira na loja. Enquanto não mudar a realidade, não tem como, precisamos evitar aglomerações. 

A gente está às vésperas do Dia das Mães. A gente vai perder esse ano?

Eu acho (que sim). Eu tenho orientado a venda de presentes, a vender por WhatsApp... Vamos perder muito. Eu acho que 2020 vai ser um ano que, tirando farmácias e supermercados, vai ter muito problema. Eu fico muito preocupada com a pequena e a média empresa, estou procurando participar de eventos para ajudar de alguma forma.

Voltando para a questão de pequenas e médias, é preciso flexibilizar as exigências para liberação de crédito?

O que eu falo agora é: eu não sei o que vai acontecer, mas aquela normalidade não vai voltar mais. Se você tiver algo novo, com um cadastro antigo, não vai funcionar. É preciso fazer um cadastro novo. Se você trouxer o velho misturado com o novo, você não vai conseguir fazer. À medida que eu entendo que o velho normal não vai voltar, eu me abro para o novo. E minha luta agora é fazer o dinheiro chegar (às pequenas e médias empresas).

É possível se reinventar rapidamente em um cenário como o atual?

O Brasil tem um espírito de empreendedorismo impressionante. Estou reunindo casos de empresas que conseguiram se reinventar rapidamente. Tem uma indústria de confecção que colocou toda a força para produzir máscaras e passou a vender bem. Precisamos usar esse momento para refletir. Eu passo até um questionário (para empreendedores): duas coisas que eu não fiz e deveria ter feito, duas coisas que eu fiz e deveria continuar a fazer e duas coisas que eu fiz e não deveria ter feito. E tem de ir atrás: tem fluxo de caixa a custo zero do Sebrae, tem vários cursos de graça de programação.

O que vai mudar daqui em diante?

Eu digo que o turismo vai sofrer porque, depois da crise, as empresas não vão mandar mais o funcionário para fazer uma reunião em outra cidade. Vai fazer tudo por videoconferência. Os hotéis que mexem com turismo de negócio vão sofrer. É um momento sério demais para a gente ficar discutindo partidos, é o momento de se juntar. É isso o que o Magazine Luiza: se uniu, criou coisas novas e não mandou até agora nenhuma pessoa embora.

Muito se fala no Plano Marshall, uma ajuda ampla do governo às empresas. O governo deve exigir contrapartidas pelo dinheiro que distribui?

Eu acho que o 'não demita' deveria ser a única coisa amarrada. Para isso, teria de colocar o Banco do Brasil para analisar as empresas. O ‘não demita’ é para garantir um compromisso da parte (das empresas). Em minhas palestras em sempre preguei duas coisas: uma é a saúde, que é o mais importante, e a outra é o emprego. E é preciso acompanhar o processo de como esse dinheiro (do governo) chega na ponta. O Sebrae está tendo uma atuação muito firme nesse sentido, é o melhor órgão do governo para lidar com a pequena e a média empresa. E, mais uma vez, tem de levar o setor em consideração. O turismo, por exemplo, emprega trabalhadores de vários níveis escolaridade: a pessoa que carrega mala, a camareira, quem vende lanche na praia, os garçons dos restaurantes e até o dono do avião. Como o varejo e a construção civil, é um segmento que gera muito emprego. A crise não atinge todo mundo da mesma forma. É preciso ter consciência do que acontece no Brasil. Desigualdade social é algo muito sério. Nós estamos na mesma tempestade, mas tem gente que está num barco bem bonito, enquanto outros estão nadando sem boia.

Estamos numa intensa crise política. A sra. acha que isso pode agravar o cenário econômico, que já é grave por causa do coronavírus?

Mais profundo que o coronavírus, eu não sei, porque já é uma coisa seríssima. Acho que está faltando entendimento para não ter uma união. Quando aconteceu a saída do (ex-ministro da Justiça, Sergio Moro), eu falei: não poderia acontecer de a gente ficar dois dias olhando isso em vez da crise de saúde. Essa crise atrapalha, divide a população, fica parecendo que a gente está em período eleitoral. É igual uma rede: nesse momento, se a gente deixar furo, vai sair muito peixe. 

Tem algo de positivo saindo dessa crise?

A solidariedade e a cultura de doação, especialmente por parte de empresas. A questão é muito sofrida, porque agora o vírus está chegando nas comunidades. Então a pessoa muitas vezes tem de dormir no quintal porque, como não tem cômodos na casa, ela precisa ceder para a pessoa doente. Você vê todo mundo tentando se ajudar. Você vê jovens no prédio se oferecendo para ir ao supermercado para idosos. Essa cultura da solidariedade e da doação está entrando e espero que não acabe nunca.



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