Mariana: dos 700 mil atingidos, apenas 9 mil foram indenizados

Quatro anos após o desastre, o percentual de pessoas indenizadas é pouco mais de 1% do total estimado pelo MPMG. Enquanto isso, os responsáveis pela tragédia vão responder por inundação qualificada e estão livres da acusação de homicídio.

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Passados quase quatro anos do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, o número de atingidos ao longo dos cerca de 700 km do Rio Doce ainda é impreciso. O Ministério Público de Minas Gerais estima que sejam cerca de 700 mil pessoas. Até hoje, pouco mais de 9 mil foram indenizados. Os responsáveis pela tragédia, que destruiu três distritos e resultou em 19 mortes e em um aborto, respondem, em liberdade, por inundação qualificada e estão livres da acusação de homicídio. Não há previsão para o julgamento.

A cidade de Barra Longa foi parcialmente atingida pela lama — Foto: Reprodução / TV Globo

"A vida agora piorou um pouco. Antes da barragem [se romper], eu ia lá em cima, trabalhava lá em cima na roça. Perdi renda de leite, perdi o lugar que paguei para arar. Chegou a lama e cobriu tudo. (...) E tem a pescaria também. que eu saía daqui, saltava na canoa, pescava e só voltava ‘boca da noite’”, contou Eva Franco Raimundo, que mora em Barra Longa há mais de 40 anos.

Dona Vivinha, que pesca desde os 7 anos de idade, sustentou os três filhos com a venda de peixes. Um deles, Edmo Agostinho Raimundo, de 30 anos, seguiu os caminhos da mãe. Durante o período de piracema, em que não podia pescar, o trabalho era de garimpo manual no leito do rio. De renda com as atividades, tinha cerca de R$ 1.600 por mês.

Depois que a barragem se rompeu, os dois pararam de pescar e já não é possível mais ‘garimpar’, garantem. Por causa da mudança repentina na rotina e da perda de renda, Edmo adoeceu e hoje faz tratamento para depressão.

Dona Vivinha procurou a Fundação Renova em 2016 e Edmo, no final do ano passado. Os dois voltaram pra casa com a promessa de que receberiam uma proposta em poucos dias. Mas nunca tiveram retorno.

Edmo e a mãe, Vivinha, voltaram a pescar no Rio do Carmo, mas não conseguem mais vender os peixes — Foto: Patrícia Fiúza / G1

A Fundação Renova não respondeu ao G1 e à Rádio CBN por que não entrou em contato com Edmo e Dona Vivinha, nem se existe um prazo para isso. Afirmou apenas que os atingidos devem ligar para a central de atendimento da fundação. O porta-voz da Renova, André de Freitas, explicou, de modo geral, como é feito o trabalho de reconhecimento dos pescadores:

“[Para] quem pescava por ofício, foi construída uma metodologia para fazer mapeamento de como era realizada a pesca. E as pessoas passam por um processo de autonarrativa. E aí, a Renova avalia se a narrativa se encaixa no mapeamento. Como pescava, onde pescava, que tipo de peixe pescava, em que época do ano.”

Em relação ao garimpo manual, a instituição afirmou que ainda não definiu como será a reparação dos atingidos. “A faiscação tem o desafio adicional que é a ilegalidade. Então, o garimpo, sem licença, é ilegal”, disse o porta-voz da Renova.

A família de Dona Vivinha é um dos cerca de 55 mil casos de pessoas que se manifestaram para cadastro da Fundação Renova.

De acordo com o procurador do Ministério Público Federal e Coordenador da Força-Tarefa, José Adércio, das famílias que esperam por cadastro, trinta mil estão na lista para receber proposta da fundação. Destes, cerca de 9 mil foram indenizados. A demora desperta críticas.

“Os atingidos não confiam na Renova. De Bento até a foz, você não encontra atingidos que dizem ‘eu confio na Renova’”, declarou.

Já para o promotor André Sperling, o cerne do problema para identificar os atingidos, especialmente os que estão fora de Mariana, é a contratação de assessorias técnicas, que auxiliariam estas pessoas a comprovar que têm direito à reparação. Deveriam ser 21. Apenas três foram contratadas.

“Se a gente não consegue ter as assessorias técnicas, junto com os atingidos, a gente não consegue fazer o processo de reparação. Para que esta participação possa ocorrer de forma informada e técnica, os atingidos têm direito de ter ao lado deles, o técnico de confiança”, disse.

Atingidos de Mariana

Promotor Guilherme Meneghin diz que o rompimento da barragem é uma tragédia continuada — Foto: Patrícia Fiúza / G1

Para os cerca de 3.500 moradores de Bento Rodrigues e outros sete distritos próximo à Mariana, os critérios para pagamento das indenizações finais foram estabelecidas em acordo feito há cerca de um ano.

“Diria que grande parte [do acordo] foi cumprida. Mas, mesmo assim, identificamos descumprimento de famílias que não receberam auxílio financeiro. Nós identificamos cerca de 300 famílias que não receberam nada das empresas”, disse o promotor Guilherme Meneghin, que atua na região. Meneghin lembra que, ao longo destes anos, muitas famílias passaram por mudanças, como nascimentos ou divórcios, e que isso precisa ser considerado no caso das medidas de reparação.

"É uma tragédia continuada", declarou.

Em outros casos, segundo o promotor, os próprios atingidos não procuram reparação. “Muitas pessoas não se entendem como atingidos, porque não moravam em Bento Rodrigues ou em Paracatu de Baixo. Mas, na hora que fomos analisar, aquela pessoa teve prejuízo, sim, em decorrência do desastre”, explicou.

Além disso, o MP identificou, só nesta região, mais de 50 casos de descumprimento do prazo de 90 dias para oferecer a proposta.

Processo criminal

Após o rompimento da barragem, quatro empresas e 22 pessoas se tornaram rés, em 2016. Vinte e uma delas foram acusadas de homicídio e lesão corporal, entre outros crimes. Treze foram excluídas por decisões judiciais e não vão responder por nenhum crime, segundo Ministério Público Federal.

Em abril deste ano, as acusações de homicídios e lesão corporal foram retiradas da ação penal. Isso significa que os acusados não vão mais a júri popular pelas 19 mortes. Eles vão responder apenas pelos crimes de inundação qualificada, porque resultou em morte, desabamento e 12 crimes ambientais.

As empresas Samarco Mineração, Vale, BHP Billiton Brasil respondem pelos mesmos 12 crimes ambientais. Já a VogBr responde por emissão de laudo falso ou enganoso.

O crime de inundação tem pena de 6 a 12 anos em caso de ação dolosa (crime qualificado pelo resultado morte). Essa decisão do Tribunal Regional Federal já transitou em julgado.

Excluídos da ação penal

  • José Carlos Martins
  • Hélio Cabral
  • Margaret McMahon Beck
  • Jeffery Mark Zweig
  • Marcus Philip Randolph
  • Gerd Peter Poppinga
  • Stephen Michael Potter
  • Pedro José Rodrigues
  • Luciano Torres Sequeira
  • Maria Inês Gardonyi Carvalheiro
  • Sérgio Consoli Fernandes
  • André Ferreira Gavinho
  • Guilherme Campos Ferreira

Acusados que respondem por inundação qualificada e desabamento:

  • Ricardo Vescovi de Aragão (diretor-presidente da Samarco à época do desastre)
  • Kleber Luiz de Mendonça Terra (diretor de Operações e Infraestrutura)
  • Germano Silva Lopes (gerente operacional)
  • Wagner Milagres Alves (gerente operacional)
  • Daviely Rodrigues Silva (gerente operacional)
  • James John Wilson (membro da governança)
  • Antonino Ottaviano (membro da Governança),
  • Samarco Mineração
  • Vale
  • BHP Billiton Br



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