Napoleão Guimarães: Um exemplo de cidadão para todos

Em seus 89 anos de vida, encerrados no início da noite do dia 16 de março de 2020, devido a complicações respiratórias, ele pôde se orgulhar de ter feito um grande papel como cidadão e homem público

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Arimatéa Carvalho

Editor do Jornal Meio Norte

Quando ele nasceu, no dia 31 de dezembro de 1930 em Sucupira do Riachão, à época povoado do município de São João dos Patos (MA), Napoleão Guimarães chegava ao mundo em um Maranhão esquecido e por desbravar. Em seus 89 anos de vida, encerrados no início da noite do dia 16 de março de 2020, devido a complicações respiratórias, ele pôde se orgulhar de ter feito um grande papel como cidadão e homem público.

Com Timon, cidade onde chegou aos 21 anos de idade, foi um caso de amor à primeira vista. Três vezes prefeito do município que tanto amava e onde construiu uma bela e próspera família, Napoleão lembrou à jornalista Thays Teixeira, autora de sua biografia, que no primeiro mandato (1966/69), sequer havia Fundo de Participação do Município (FPM) e ser prefeito era fazer milagre para administrar tantos problemas.

Morte de Napoleão Guimarães enluta Timon e Grupo Meio Norte

Napoleão transformou Timon em uma cidade de verdade. Antes, era praticamente uma zona rural de ponta a ponta. Como marco, construiu a Praça São José, ainda hoje símbolo urbano timonense, além de focar na educação. Ele foi um construtor de escolas, já prevendo que o futuro pedia uma população bem instruída.

Napoleão não tinha planos políticos, era um comerciante. Foi o compadre e amigo Domingos Rego e o assessor jurídico José Ribamar Elouf que o aconselharam a ingressar na vida pública. Além de prefeito, ele exerceu mandato de deputado estadual.

A família é uma árvore na qual Napoleão era o tronco e os muitos galhos ele fazia questão de manter fortes, unidos e afagados. A seiva dessa união sempre foram respeito, honestidade e trabalho.

O grande exemplo de Napoleão Guimarães ficou não apenas para seus filhos, netos e bisnetos, mas para todos os maranhenses, em especial os timonenses.

Trajetória de um grande homem

O diretor de Jornalismo do Grupo Meio Norte de Comunicação escreveu esse prefácio para o livro "Napoleão Guimarães, uma biografia", escrito pela jornalista Thays Teixeira. Um texto definidor e definitivo sobre o grande homem que foi Napoleão:

Chega-me às mãos, para ousar-me num breve prefácio, o livro Napoleão Guimarães, uma biografia, escrito pela jovem e talentosa jornalista Thays Teixeira, mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí, presença inteligente no labor diário na redação do Jornal Meio Norte. Logo percebo tratar-se de um perfil fiel e cuidadoso desse maranhense simples, trabalhador, devotado à família e às atividades do comércio, nutrido por um intenso e permanente interesse pelas coisas da política e pelas causas do povo. 

A narrativa é o resultado de várias horas de entrevistas gravadas com o biografado e de depoimentos colhidos junto a velhos amigos que o acompanham desde os tempos do Ateneu Piauiense, mais tarde transformado em Colégio Leão XIII, em Teresina, onde concluiu o antigo curso ginasial. Vindo de uma família ligada à terra e aos negócios do comércio, nascido em Sucupira do Riachão, à época um distrito pertencente ao município de São João dos Patos, no interior do Maranhão, Napoleão é um dos 10 filhos do senhor Antônio Guimarães e de dona Irene. Veio ao mundo em 1930, numa época de severas dificuldades, de estreitos horizontes, da privação do desenvolvimento, da falta de oportunidades. Do pai, aprendeu a lição de trabalhar muito, de ser humilde e respeitoso na sociedade, de ter na vida um comportamento decente. Mirando-se nos exemplos do pai, adquiriu de logo o senso da responsabilidade e o desejo de andar com seus próprios pés, buscando desde cedo firmar sua autonomia. 

Foi certamente por tais motivos que, mesmo diante do esforço e do interesse do pai de ver os filhos formados, Napoleão Guimarães não tenha passado do curso ginasial, concluído em Teresina, depois de ter passado por São João dos Patos, Floriano e Fortaleza. Fica claro que desejava alcançar independência, a conquista com o próprio suor e a proteção paterna. Daí, ter-se iniciado, junto com seu genitor, com uma loja de tecidos em São João, no ano de 1949, onde permaneceu até 1951. Nesse período, atento às habilidades do pai no exercício da atividade comercial, aprendeu muito e firmou em si a convicção de que era esse o seu caminho. Um retrocesso nos estudos, mas um indicativo de que o desejo de se tornar comerciante estaria consolidado, deu-se no ano de 1951. Ainda na esperança de ver o filho avançar nos estudos, o senhor Antônio manda-o para Fortaleza, onde Napoleão ingressou na Escola Técnica Farias Brito. Contudo, pouco tempo depois, vendo fracassar uma tentativa de transferência para a unidade de Teresina, decide largar de vez qualquer nova experiência com os estudos e, de uma vez por todas, mergulha de cabeça no comércio. Essa ruptura seria decisiva na sua trajetória de comerciante, pai de família e político. 

Em 05 de maio de 1952 chega a Timon, no Maranhão, para nunca mais residir em outra cidade. Com a ajuda financeira do pai, que pôs nas suas mãos e de mais três de seus irmãos - que não haviam conquistado o curso superior -, a quantia de 100 mil cruzeiros, para iniciar sua independência, Napoleão Guimarães montou uma loja de tecidos no seu novo habitat. E o fez de forma inovadora, revolucionária para os padrões de Timon da época. Com a experiência adquirida junto ao pai no comércio de São João e uma vocação enorme para negociar, decidiu que todo o estoque de sua loja seria adquirido em Recife, à época o maior centro de abastecimento do Norte e Nordeste do Brasil. Essa decisão seria um diferencial entre os exploradores do comércio em Timon. Ninguém, antes, ousara trazer para a pequena cidade maranhense as novidades e as variedades que a capital pernambucana oferecia. Mas isso implicava sacrifícios, pois a viagem a Recife era penosa. O trecho entre Teresina e Fortaleza era feito, em estrada de terra, numa camionete para 12 passageiros, que levava 24 horas de duração. Daí, pegavam um avião para Recife. 

Na primeira viagem, o pai e um irmão o acompanharam. Lá, passavam alguns dias visitando os armazéns atacadistas, observando, vendo as novidades, atentos às mais bonitas estampas e aos preços mais atrativos, se a prazo e se à vista. Só depois desse itinerário é que Napoleão decidia-se pelas compras. O retorno para Timon era feito num caminhão fretado, trazendo todo o estoque comprado. Ele na boleia, companheiro, assim, por muito tempo, de um motorista de Picos, que passou a merecer sua confiança. A saída, na ida para Fortaleza, depois para Recife, era na madrugada do domingo. A chegada a Timon era na sexta-feira, quando faziam a descarga dos tecidos. Esse jeito de fazer compras, atento à qualidade dos tecidos, às novidades mais atraentes e mais adequadas ao gosto e aos padrões financeiros dos timonenses, de olho nos preços à vista e a prazo, já preocupado com os juros, de modo a lhe permitir fazer a venda mais compatível aos seus clientes e lhe permitir a melhor rentabilidade, já demonstrava o quanto Napoleão Guimarães tinha faro para o comércio e um tino espetacular para realizar bons negócios. Essa atitude releva que, sob um forte componente de humildade - que carrega até hoje-, Napoleão Guimarães é dotado de uma inteligência extraordinária e de uma vocação formidável para conviver com pessoas e fazer amigos. 

O fato de não ter prosseguido nos estudos e não ter obtido um diploma de nível superior não significa fraqueza de intelecto. Esses atributos, aliados a uma memória invejável e uma inquestionável obstinação naquilo que quer alcançar, atestados por diversos depoimentos, são destacados pelo professor e jornalista Carlos Said, seu companheiro dos tempos de colégio e de times de futebol: “Quando o Napoleão fala que não tem tino para o estudo, que não tem afinidade com o Português, é porque ele é uma pessoa extremamente humilde, que não gosta de se gabar, de dizer o que é ou o que não é, mas dentro dessa humildade toda existe uma inteligência soberana como em poucos eu conheço”. Verdade. Com esse seu jeito de ser e de tocar a vida, foi vitorioso e inovador das práticas do comércio. Foi vendendo tecidos e, também, dedicando-se ao beneficiamento e venda de arroz, que angariou uma boa estrutura financeira. Casando em 1954 com Dona Rosilda, em 56, ano em que nasceu o primeiro filho, comprou uma casa para morar. 

Em 59 comprou um terreno na mesma rua e construiu o salão em que instalou a loja de tecidos. Já era um ambiente espaçoso, organizado nos seus 240 metros quadrados. Prosperando na cidade que ele considera “o melhor  lugar do mundo”, viu nascer os cinco filhos e, amparado pelas bênçãos de uma união feliz com Dona Rosilda, criou todos eles orientados para os estudos, para as responsabilidades e para o trabalho. Como ele mesmo se manifesta, Timon, “a cidade das minhas paixões”, foi o ambiente que ele sonhou para construir uma família sadia e venturosa. Vitorioso no comércio, consolidado na vida familiar, o humilde e determinado Napoleão Guimarães constrói uma rede de relacionamento que aos poucos vai lhe dando popularidade, passo significativo para que ele se sinta levado à vida pública, certamente outra grande paixão da sua existência. Esse foi um terreno marcado por expressivas vitórias, que lhe conduziram por três mandatos ao comando da Prefeitura de Timon, um mandato de deputado estadual, e a assumir o comando político do município por quase três décadas. 

Nesse período, o prefeito seria Napoleão ou quem ele e seu grupo político apoiasse. Eleito em 1965, assume a direção do município em 1966, sem experiência em administração, e pegando uma Prefeitura de precária estrutura, numa cidade repleta de problemas, carente de serviços e com uma população empobrecida, Napoleão Guimarães não entrou em crise, não se desesperou. Resolveu que sua missão primeira era aprender os caminhos da administração e buscar a ajuda externa que lhe oferecesse as condições para trabalhar. Nessa época não existia o FPM, nem os fundos, emendas e programas que hoje irrigam as prefeituras. Influenciado pelo amigo Luís Pires, padrinho de seu filho Paulo, Napoleão Guimarães aventura-se pela política, elegendo-se prefeito pela primeira vez em 1965. Pega um tremendo abacaxi, um amontoado de problemas, a ausência de estrutura e a falta de recursos financeiros, aliados, repita-se, à falta absoluta de experiência na gestão da coisa  pública. 

Na sua dissertação de mestrado em História, da Universidade Federal do Piauí, “História, memória e identidade da cidade de Timon na década de 1980”, Raimundo Nonato Lima dos Santos transcreve depoimento do cidadão José Ribamar de Pinho Barros acerca da cidade nos anos 1960: “...aqui era mato. Aqui se andava era por veredas. Não tinha rua. Timon mesmo propriamente dita era só o centro ali. Saiu ali daquela Rua 8 que tem aquela conexão, que sai lá na Avenida (Presidente) Médici, ali era chapada, chapadão. As casas mesmo eram só aglomerado. Era a casa do Napoleão, do Domingos Rego, o Hospital do Jurandir Galego, que é meu amigo, tem o consultório do Zé Firmino de Souza.... E o Guarita era um lamaçal, uma lama fedida que dava nojo, cheio de botecos de vender cachaça”. Isso dá uma dimensão do problema que Napoleão Guimarães teria à frente. E mais uma vez, prevalece sua inteligência e o jeito humilde de conduzir as coisas. Valendo-se da amizade do amigo e correligionário Luís Pires, que era amigo do governador da época, José Sarney, aproxima-se do mandatário estadual e começa a receber os recursos que, pouco a pouco, vão permitindo mudar a face de Timon, com a implantação de obras e serviços acalentados historicamente pela população. 

A cidade não tinha água encanada, a luz elétrica era ligada, por motor, às 6 da tarde e ia embora às 9 da noite. As ruas não tinham calçamento e estudar em Timon era um sacrifício gigantesco, pois a carência de escolas era absurda. Com o apoio de Sarney e a chegada, em 1967, do Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPM), Napoleão começa a mudar essa sofrida história, dando à cidade os seus primeiros ginásios, executando os primeiros serviços de calçamento das ruas, criando a empresa autônoma de água e saneamento, que até hoje funciona de forma independente e operosa. Com isso, monta uma rede e lavanderias pela cidade, uma bênção para famílias pobres, que antes eram obrigadas a ir à beira do rio para lavar suas roupas. E com o advento da Barragem de Boa Esperança, Timon recebeu energia elétrica. Findo o primeiro mandato, sucedido pelo amigo Luís Pires, alcança votação espetacular para deputado estadual e, para seu sacrifício, é obrigado a ficar mais tempo em São Luís, a capital, sede do Legislativo. Sair de Timon era algo que sempre desagradou Napoleão Guimarães, mas o senso inarredável de responsabilidade o fez cumprir o mandato de forma séria e diligente. E isso lhe valeu bons relacionamentos e experiência para obter, nos dois mandatos seguintes, como prefeito, uma capacidade formidável para grandes realizações. 

Seu segundo mandato foi marcado por um forte compromisso com a educação. Construiu cerca de 15 boas escolas, mais de 190 salas de aula, aumentando de modo esperançoso a oferta de vagas para as crianças e jovens do município, com visível esforço pela melhoria da qualidade do ensino. Ao concluir seu terceiro mandato de prefeito, em 1987, Napoleão Guimarães firma-se como um marco na história política e administrativa de Timon, uma espécie de divisor de águas, pois o seu período de liderança, de quase três décadas, transformou a cidade, implantou serviços permanentes, organizou a administração e trouxe benefícios para as pessoas, sobretudo as mais pobres, razão maior do seu trabalho, do seu esforço e da sua devoção. Esta narrativa de Thays Teixeira é uma obra interessante para quem deseja conhecer a história recente de Timon e compreender a atuação de um homem de bem, que demonstra ter vivido a vida para fazer o bem. Um exemplo, nesses tempos difíceis de decadência moral, para quem deseja ver a política, ou segui-la, como uma prática de construção e decência.

 José Osmando de Araújo Vieira



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