‘Pandemia da fome’ cresce e faz a América Latina voltar aos anos 1990

No período de cinco anos até 2019, 13 milhões de pessoas latino-americanas e caribenhas entraram nas estatísticas da fome.

Pessoas com fome | Marcia Foletto/Agência O Globo
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O número de pessoas que vivem com fome na América Latina e no Caribe voltou a crescer pelo quinto ano seguido e chegou a 47,7 milhões em 2019, ou 7,4% da população da região, de acordo com dados divulgados ontem pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No período de cinco anos até 2019, 13 milhões de pessoas latino-americanas e caribenhas entraram nas estatísticas da fome na região. As informações são do Valor Econômico.

A agência divulgou o “Panorama de Segurança Alimentar e Nutricional 2020” em conjunto com outras agências da ONU, como o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Unicef e o Programa Alimentar Mundial (WFP), que ganhou o Prêmio Nobel da Paz neste ano.

E as agências já veem em 2020 mais um ano de agravamento do problema por causa dos efeitos da pandemia da covid-19 - que “se tornou uma pandemia de fome”, disse Miguel Barreto, diretor geral para América Latina e Caribe do WFP. Situações de insegurança alimentar moderadas a graves, em que as pessoas reduzem a quantidade de refeições, também se aprofundaram no ano passado e afetaram um em cada três habitantes da região, totalizando 190 milhões de pessoas.

Evolução da população subalimentada na América Latina e no Caribe

“Vamos voltar aos números da década de 1990. São 30 anos perdidos na luta contra a fome na América Latina e no Caribe. É uma tragédia de magnitude insondável para 190 milhões de seres humanos”, lamentou Julio Berdegué, diretor-geral assistente da FAO para a região.

O problema recai de forma mais aguda sobre as mulheres, que estão em situação econômica mais vulnerável. Entre os afetados por insegurança alimentar moderada ou grave nos países da América Latina, o número de mulheres superou o de homens em quase 20 milhões no ano passado, ante 11 milhões em 2014.

Sem considerar a pandemia, a trajetória de crescimento da fome no período de cinco anos até 2019 já levaria a região a registrar 67 milhões de pessoas afetadas em 2030, disse Barreto. A perspectiva vai na contramão do objetivo 2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que é alcançar fome zero em 2030.

Número de pessoas com fome na América Latina volta a crescer - Foto: Marcia Foletto/Agência O Globo

O aumento da fome na América Latina e no Caribe contrasta com o crescimento da produção de alimentos da região e mostra que o problema não é provocado por falta de oferta suficiente. “O que falta é dinheiro em milhões e milhões de famílias. A fome na América Latina é uma expressão da pobreza e da desigualdade econômica”, atestou ele.

“É paradoxal. Temos alimentos suficientes para dar de comer aos 650 milhões de pessoas que vivem aqui. A América Latina é o principal exportador líquido [de alimentos] do mundo. Mesmo assim, vive dados de fome e insegurança alimentar. É uma falha de políticas públicas, do sistema econômico”, acrescentou.

E a crise econômica decorrente da pandemia só tende a agravar a situação. Segundo Berdegué, da FAO, quase 20% das famílias da região manifestam como sua principal preocupação a incapacidade de se alimentar adequadamente todos os dias. Estimativas recentes da ONU indicam que a pandemia levará 45 milhões de pessoas à extrema pobreza na América Latina e no Caribe.

Apenas nas regiões onde o Programa Mundial de Alimentos da ONU atua, pesquisas feitas remotamente pela organização indicam que a quantidade de pessoas em insegurança alimentar severa saltou de 3,4 milhões, em março, para 17 milhões em agosto. “Com a queda da renda, as pessoas começam a comer alimentos mais baratos e de menor qualidade nutricional. Isso ataca as populações que já eram afetadas antes da pandemia, como mulheres, afrodescendentes, crianças e imigrantes. Vamos ver um forte aumento nos números de fome e de má nutrição”, disse Berdegué.

A má nutrição já prejudica de forma mais importante as populações rurais e onde há mais indígenas e afrodescendentes com pouco acesso a serviços, água potável, saneamento, pobreza e baixa escolaridade. A crise também tem encarecido os alimentos, o que piora a situação. “A disrupção inicial das cadeias de abastecimento e a alta de preços colocam em risco a segurança alimentar e nutricional, em especial nos lugares mais pobres”, disse Barreto.

E a crise econômica também provoca problemas de má nutrição. “A covid-19 deixou milhões de famílias com menos recursos para comprar alimentos nutritivos, que muitas vezes são mais caros que os não saudáveis”, lembrou Youssouf Abdel-Jelil, diretor regional adjunto para América Latina e Caribe da Unicef.

Apesar de toda essa insegurança, os dados de sobrepeso e obesidade nos países latinos e caribenhos também pioraram no ano passado. A proporção de crianças com sobrepeso ficou 7,5% acima da média mundial (5,6%). Porém, o problema tem crescido mais nas populações urbanas e entre as classes médias, de acordo com o diretor da FAO.

Sobrepeso e obesidade mostraram ser um problema adicional na pandemia, já que essas populações são mais afetadas pelo coronavírus. Ao mesmo tempo, a pandemia reduziu os acessos aos serviços de saúde, alertou Anselm Hennis, diretor da Organização Panamericana de Saúde (OPS).



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