Pedido de tombamento do complexo esportivo do Ibirapuera é rejeitado

Decisão abre caminho para que o Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, onde fica o ginásio, seja concedido à iniciativa privada pela gestão João Doria (PSDB). Urbanistas lançam 'carta pública' contra projeto de concessão.

Complexo esportivo do Ibirapuera | Divulgação
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O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) rejeitou nesta segunda-feira (30) o pedido de abertura do processo de tombamento do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, onde está localizado o ginásio do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo.

Sem o tombamento, fica liberada a derrubada de estruturas do complexo, previsto para ser entregue pelo governo paulista à iniciativa privada, em formato de concessão.

Em reunião virtual, os conselheiros decidiram por 16 votos a 8 em não levar adiante o processo que pedia o início do tombamento do prédio do ginásio e outros equipamentos esportivos que ficam na área do complexo, como o estádio de atletismo e o conjunto aquático.

O destino do Complexo Esportivo do Ibirapuera é alvo de embates entre o poder público e especialistas em arquitetura e urbanismo. O governo do estado de São Paulo, que administra o espaço, defende a concessão da área para a iniciativa privada, com previsão de demolição e novas construções.

Complexo esportivo do Ibirapuera inclui estádio com pista de atletismo e ginásio — Foto: Reprodução/Governo de São Paulo

O edital de concessão está em fase de preparação pela gestão João Doria (PSDB), que promete para dezembro deste ano a publicação do documento.

Deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) contrários à concessão afirmam que o estudo referencial que embasa o edital do governo Doria sugere a construção de uma arena multiuso para 20 mil pessoas no lugar do estádio de atletismo, e a transformação do ginásio do Ibirapuera em shopping center, com a construção de uma torre comercial.

Caso o tombamento fosse autorizado pelo Condephaat, a derrubada dos prédios seria proibida e a concessão do espaço perderia valor e interesse dos empresários interessados em explorar a área, que está localizada em uma das mais ricas e valorizadas áreas da cidade de São Paulo, segundo as entidades da sociedade civil que defendem a preservação do patrimônio.

“Este projeto inclui a construção de uma arena e prevê a demolição de todos os equipamentos esportivos, com exceção do ginásio principal, que seria transformado em centro comercial. (...) Esse é um espaço marcante no conjunto da arquitetura moderna brasileira, fundamental para compreender as arquiteturas para o tempo livre e o lazer. O autor do projeto, Ícaro de Castro Mello, foi um atleta e consagrado autor de diversas obras relevantes esportivas em vários estados e também na cidade. A defesa, portanto, do Ginásio do Ibirapuera e do Complexo Esportivo é também uma defesa do direito ao lazer e das políticas públicas relacionadas ao esporte”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e colunista da Rádio USP, Giselle Beiguelman.

Em nota, o governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Esportes, afirma que a concessão do espaço vai exigir do novo concessionário investimento mínimo de R$ 220 milhões.

"Para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual", disse a secretaria (veja íntegra abaixo).

A pasta defende ainda que, com a concessão, "o estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais".

Carta pública

A professora Giselle Beiguelman é signatária de uma carta pública aberta à comunidade, na qual um grupo de professores e pesquisadores da FAU afirmam estar “extremamente preocupados” com o destino que a gestão Doria pretende dar ao complexo esportivo do Ibirapuera.

“O projeto [de concessão], tal como estruturado, representa séria ameaça à integridade física e ao funcionamento de um equipamento esportivo que, além de ser muito utilizado na formação de atletas no Brasil, é constitutivo da história da cidade de São Paulo e realização fundamental da história da arquitetura brasileira. Além disso, tem grandes valores de uso e afetivo pela comunidade esportiva que dele faz intenso uso desde os anos 1950”, diz a carta.

O arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Nabil Bonduki, também assinou a carta, e disse que a concessão seria ilegal porque o terreno é municipal e foi cedido ao estado na década de 40 para uso exclusivamente esportivo.

"A questão central é que é um terreno do município, destinado para um parque". Segundo o professor, para realizar a mudança de função de uso, seria necessário uma nova lei ser aprovada na Câmara Municipal da cidade.

O grupo da FAU lançou um movimento chamado "S.O.S Ginásio do Ibirapuera", que criou uma petição online com mais de 6 mil assinaturas pedindo a preservação do prédio, tal qual ele foi concebido, e se posicionando contra o projeto do governo tucano de conceder as áreas do complexo às empresas privadas.

“A proposta em curso de transformação do Complexo em equipamento privado alterará de maneira grave e irreversível a sua materialidade. Ela desconsidera a organização dos espaços livres, a excelência e a qualidade de sua arquitetura, o seu papel na memória e na paisagem urbana de São Paulo. A execução de um projeto com tal caráter destruirá parte da história e da memória da cidade, comprometendo também o seu desenvolvimento futuro”, afirmam os pesquisadores da FAU.

Em nota, a Secretaria Estadual de Esportes não diz especificamente o que será feito com o ginásio do Ibirapuera, e afirma que, com a concessão, "eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo".

Mudanças na composição do órgão

Os defensores do tombamento do complexo do Ibirapuera criticam a decisão desta segunda (30) do Condephaat e dizem que o governo paulista alterou a composição do órgão em abril do ano passado "para atender os interesses do mercado".

"Esse resultado do Condephaat também expressa a mudança do conselho, retirando o caráter técnico e homologando o que o estado quer", disse Bonduki.

O Condephaat era formado por 30 representantes, mas o decreto publicado por Doria reduziu o número de conselheiros do órgão para 24. As mudanças implicaram no aumento da representação do governo nas decisões e redução da quantidade de cadeiras ocupadas por pesquisadores da USP, da Unesp e da Unicamp, que caiu de 46,6% para 20% do conselho.

Os acadêmico eram 14 das 30 cadeiras e passaram para 5 das 24 cadeiras do Condephaat, todos eles escolhidos pelo governador. O número de cadeiras reservadas aos órgãos ligados ao governo (secretarias, estatais e Procuradoria-Geral do Estado) foi de 13 para 12. A Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), que tinha representação no conselho até 2019, foi retirada da lista, assim como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Na ocasião, a gestão Doria justificou a mudança dizendo que “buscou-se a premissa de tornar o Conselho paritário, ou seja, ter número equivalente de membros do governo e da sociedade civil – o que, por princípio, deveria ser a composição deste e de todos os Conselhos de Estado - garantindo um equilíbrio plural” ao Condephaat.

Íntegra da nota da Secretaria de Esportes do estado

"A Secretaria de Esportes do Estado esclarece que o processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (Ibirapuera), aprovado pela Alesp com o PL 91/2019, prevê investimento mínimo de R$ 220 milhões para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual. Com a concessão, eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo, gerando mais emprego e renda para a cidade de São Paulo. Por sua vez, o Estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais. A previsão é que o edital seja publicado em dezembro de 2020. Sobre a reunião ocorrida ontem (30/11) no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), o placar foi de 16 a 8 contra a abertura do processo de tombamento do complexo".



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