Piauiense é desclassificado de concurso por não provar que negro

O processo movido contra a banca organizadora do concurso foi negado em primeira instância, mas a defesa de Rodrigo recorreu e o caso será julgado pelos desembargadores do TRF1.

Rodrigo Santos | Divulgação
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O piauiense Rodrigo Santos Cruz, 31 anos, natural de Teresina, foi classificado no concurso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), realizado em 2018, mas foi desclassificado do sistema de cotas pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) no teste de heteroidentificação, por não conseguir provar que é negro. 

Em entrevista ao meionorte.com, Rodrigo informou que prestou concurso para o cargo de analista, concorrendo por meio de cotas para candidatos pretos ou pardos, ficando em primeiro lugar conforme o resultado da classificação.

“Eu fiz o concurso em 2018, me candidatei a vaga de preto ou pardo, fui aprovado em primeiro lugar para o cargo de analista no estado do Maranhão, mas fui desclassificado no teste de heteroidentificação. Desde então venho sofrendo, quando fiquei sabendo da desclassificação tive um surto, um ataque de pânico e tive que ser internado, por esse motivo perdi o prazo de recorrer administrativamente  e tive que ir direto para via judicial. Tive que arranjar dinheiro para pagar um advogado, pois a defensoria pública não quis me atender por minha renda passar um pouco do valor máximo estipulado por eles.” contou o teresinense.

Foto: Arquivo Pessoa/Facebook

Segundo Rodrigo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional alegam é que ele não é pardo e nem negro, mas o piauiense não concorda e afirma que nunca se considerou uma pessoa branca. 

“O que eles [ IPHAN] estão alegando é que não sou pardo, sendo que meu pai, meus avós são pretos e minha mãe, que já faleceu, era parda. Eu sempre fui descriminado por ser negro, eu nunca me entendi como uma pessoa branca, quando entrei na UFPI em 2008 foi através das cotas raciais. As bancas que fazem esses testes de heteroidentificação tem muitos processos por conta disso. Tenho um amigo que passou pela mesma situação ao ser aprovado em um concurso da PRF, onde ele também teve que recorrer, ir atrás de um dermatologista e antropólogo para comprovar que ele é negro. Eles fazem isso para a gente cansar.” declarou Rodrigo.

Nas redes sociais, Rodrigo Santos expôs sua indignação sobre o caso e relatou diversos acontecimentos que o marcaram na sua infância, devido a sua cor de pele e afirma que é vítima de racismo por parte da administração pública.

Cá estou segurando uma placa nos idos de 2018 na frente de pessoas brancas em um teste de hetoroidentificação realizado...

Publicado por Rodrigo Cruz em Segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

“Cá estou segurando uma placa nos idos de 2018 na frente de pessoas brancas em um teste de heteroidentificação realizado pelo CEBRASPE/CESPE numa das etapas do concurso para provimento de cargos efetivos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -IPHAN. Se estou aí é porque já fui classificado nas etapas anteriores. Desde então estou empenhado em provar minha situação. Você vive toda a sua infância e parte da juventude em uma família racista por que sua mãe parda casa com um homem preto e está rodeado de primos brancos, então é obrigado a ouvir aqueles velhos insultos carregados de deboche como “neguin” “macaco”, “pila preta”, vindos da própria família. Criança não tem muita noção disso, ainda mais eu que vim de um ambiente social bastante pobre em tudo: bens materiais e apoio emocional. Eu tive que ser alfabetizado embaixo de um pé de manga, pois a escola tinha poucas salas e era muita gente. A duras penas e com boa vontade de um e de outro, fui tentando não largar os estudos, sempre fui curioso, gostava e gosto muito de estudar. Em determinado momento fui tomando consciência de que eu fui e sou discriminado pelo fato de ser negro e vi que muitos são até hoje, inclusive são assassinados nesses tristes trópicos. A luta de uma pessoa pobre e negra nunca acaba, nunca mesmo. Tem que ter disposição física e mental, de outra forma você sucumbe. Agora estou tendo que lutar contra o sistema: fui desclassificado de um concurso que fiquei em primeiro lugar na vaga reservada para pessoas negras/pardas sem qualquer motivo, de uma forma completamente desproporcional. É absurdo e revoltante ter que ler uma sentença de um juiz que simplesmente julga “IMPROCEDENTE” meu apelo. Pessoas pobres e pretas serem injustiçadas permanentemente é isso: a sociedade se prontifica a compensar as desgraças trazidas pela escravidão, o Estado se propõe a aplicar a política pública gerada para isso, no entanto, o próprio Estado se traveste do mais perverso véu do racismo negando de uma maneira completamente absurda e arbitrária o ingresso de uma pessoa negra no serviço público.”

Rodrigo Santos - Foto: Arquivo Pessoa / Facebook

Ainda em entrevista ao meionorte.com, Rodrigo conta que só queria acreditar que sua desclassificação trata-se apenas de um engano.

“Toda essa situação já me adoeceu muito, fiquei completamente desmotivado, pois estudei muito, muito mesmo, para esse concurso, venho de uma condição miserável e acontece isso. Esse teste de  heteroidentificação é muito precário. Eu só queria acreditar que é apenas um engano.” afirmou o piauiense.

O processo movido contra a banca organizadora do concurso foi negado em primeira instância, mas a defesa de Rodrigo recorreu e o caso será julgado pelos desembargadores do TRF1.

“Muitas pessoas me orientaram a recorrer, pois é um direito meu. Meu processo já foi julgado em primeira instância, meu advogado recorreu e agora seguirá para os desembargadores do TRF1, na segunda instância. A única coisa que eu quero é ser nomeado, pois estudei muito para esse concurso. O advogado disse que o julgamento da segunda instância deve acontecer entre maio e junho.” disse Rodrigo Santos.



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