Teatro muda vida de dententas da Penitenciária Feminina de Teresina

Prêmio de Inclusão Social traz como diferencial

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O Sistema Integrado de Comunicação Meio Norte inicia hoje (21) a 11ª Edição do Prêmio Piauí de de Inclusão Social, que tem o intuito de valorizar e incentivar a geração de emprego e renda no Estado, premiando as melhores experiências nesta área, com divulgação semanal, de maio a dezembro, pelo Jornal e TV Meio Norte.

Este ano o Prêmio de Inclusão Social traz como diferencial a divisão em dois segmentos, o Inclusivo e o Empresarial. Também foram acrescidas as categorias Desenvolvimento e Inovação Tecnológica e Prêmio Nacional Grandes Empresas, que a cada ano trará um tema diferenciado neste segmento, tendo sido escolhido para 2015 energia renovável.

A primeira reportagem da série aborda a perspectiva de futuro e transformação motivados pelas experiências de teatro que a atriz Sandra Loiola leva às detentas da Penitenciária de Teresina.

Arte que transforma - Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na canção “É preciso saber viver”, mostram, dentre outras coisas, a possibilidade de se escolher um caminho a seguir. Que neste caminho podem surgir várias interferências boas, mas também dificuldades que devem ser enfrentadas “para mais tarde não sofrer”. Todo ser possui o poder de escolha, embora muitos não acreditem nisso. Talvez, por esta descrença, alguns terminem trilhando um caminho sem volta, no qual o que persiste é a solidão e a falta de amor próprio.

Pensando em modificar esta realidade que existe dentro da alma da maioria das internas da Penitenciária Feminina de Teresina, a atriz Sandra Loiola teve a inspiração de desenvolver um projeto de teatro. Após várias participações em eventos internacionais e alguns encontros, indecisões e outras dificuldades que tiveram de ser enfrentadas, a atriz começou a realizar aulas teóricas e práticas com um grupo de internas.

O projeto começou no dia 20 de novembro de 2014 e o objetivo era que 25 mulheres fossem inseridas, mas ele foi iniciado com 30 alunas “É natural que esse número vá reduzindo, porque temos várias dificuldades para realizar esse trabalho, um deles é a rotatividade de mulheres”, comenta a idealizadora do projeto, Sandra Loiola.

Do primeiro grupo de mulheres no projeto, quatro participaram de uma apresentação no Dia da Mulher, que rendeu elogios e sensação de ser capaz em cada uma delas. “Gerou uma repercussão entre elas, porque, quando você vê uma colega, aquilo se aproxima de você, não como algo que está distante, mas como algo que ‘eu também posso fazer’”, explica Sandra.

A apresentação foi um poema de forma livre, já que a ideia não era mostrar potencial artístico, e sim uma forma de exercício. Isso porque o projeto é recente e seria quase uma violência colocar uma pessoa em cena sem muito tempo de ensaio. “Teatro é processo. Não tem como alguém chegar e dizer: ‘Sandra, eu quero ser atriz’, e eu jogar esta pessoa em cena sem passar verdade e tocar alma do outro. A pessoa tem que passar por um processo até que entenda, assimile e esteja preparada para entrar em cena”, pontua Sandra.

As quatro alunas fizeram um exercício “Com licença poética”, de Adélia Prado, e tiveram várias dificuldades dentro do processo. “Tem uma que não lê, mas participou porque a colega a ajudou a decorar. E isso foi bom, porque desenvolve o altruísmo, a capacidade de ajudar”, relata a atriz.

A interna de iniciais M.R.G., de 20 anos, integrou o elenco da apresentação e sentiu, neste dia, a capacidade de transformação no teatro. “Naquele dia, todos me viram com olhar diferenciado, enxergaram outra pessoa em mim.

Ao ouvir os aplausos me veio uma sensação tão boa, que não tive em nenhum momento da minha vida”, comenta.

M.R.G. é da cidade de Picos e está há 1 ano e 8 meses cumprindo pena. Para ela, o teatro entrou na sua vida no momento certo, pois sempre foi uma pessoa muito difícil. “Ele veio no momento que eu mais precisava, porque eu sempre fui uma menina bagunceira, não respeitava ninguém, eu era de mal comigo mesmo”, lembra a detenta ao acrescentar que se sente em outra dimensão quando está na aula.

“Como já estou há muito tempo longe da minha família, essa é uma maneira de ter um contato diferente com outras pessoas. Encontro no teatro uma forma de expressar o que sinto, de me dar bem comigo mesmo, porque eu não me suportava”, completa.

Resultados já podem ser notados

O resultado do projeto é sentido pela própria direção da penitenciária. A redução de medicamentos e a mudança de comportamento são as alterações mais visíveis. “Tenho uma aluna que era muito difícil, que era a perigosa da penitenciária e que é o meu braço direito. Tem outra que foi a pessoa mais perigosa da Vila Irmã Dulce e é minha melhor atriz, é a mais sensível”, afirma Sandra Loiola, ao frisar que dentro do teatro se consegue perceber toda violência que estas mulheres sofreram por toda vida.

“O teatro é um experimento vivo e humano e, dentro das atividades que são propostas aqui, eu consigo perceber.

Depois que vamos conversar vejo o grau de violência que elas sofreram, que muitas não tiveram oportunidade”, declara.

Através de aulas teóricas e práticas, realizadas toda quinta e sexta-feira, as meninas sentem o poder transformador do teatro. “A apresentação teatral é consequência do processo interior que elas vão passar, porque o objetivo principal do trabalho é o contato delas com elas mesmas e da consciência de quem elas são. Consciência dos seus defeitos, qualidades e a possibilidade de mudar isso”, diz Sandra.

Ações de humanização e ressocialização dão novo futuro às detentas

A humanização e a ressocialização são as bandeiras levantadas pela direção da Penitenciária Feminina de Teresina.

Através do projeto teatral e do projeto de música, e ainda do atendimento feito pela equipe multidisciplinar, as detentas são atendidas semanalmente.

De acordo com Ana Márcia Guimarães, coordenadora de humanização da penitenciária, hoje são 139 presas no local. “Este número é contando com as provisórias, sentenciadas e as meninas que estão no trabalho externo, que são do aberto e semiaberto”, disse.

Para a interna de iniciais L.M.S., de 33 anos, as aulas de música e teatro são importantes porque oferecem a oportunidade de vivenciar um novo momento.

“Por um instante esquecemos que estamos atrás das grades. Me sinto viva durante as aulas”, conta ela que tem dois filhos e já está há 4 anos na penitenciária.

Com saudades dos três filhos, E.M.S.S, de 21 anos, pretende levar o teatro para a vida. Nele, ela se sente inspirada. “Antes do teatro a gente se sentia triste.

Dentro da cela é muito angustiante, sufocante, me batia o desespero, a solidão era intensa”, comenta a jovem, que é da cidade de Barras e está há 8 meses sem ver os filhos.

“Quero mudar, nunca mais voltar para este lugar, poder seguir outro destino. Dói ficar aqui e não poder acompanhar o crescimento deles”, completa.

Projeto nasceu da necessidade de realização de algo prático

Sandra Loiola participou, em 2012, de um Festival de Teatro ligado a uma rede internacional que existe há 30 anos em 50 países. Este é um evento voltado para mulheres e feito por mulheres, que pensa em toda a visibilidade da mulher no teatro.

“Nessa rede eu tive contato com muitas artistas. Quando participei em 2012 tive um desejo enorme de compartilhar essa experiência e de dizer para as artistas piauienses que existe uma rede colaborativa de intercâmbio cultural, em que a gente pode realizar trabalhos colaborativos e se unir.

A ideia era realizar um encontro para discutir até que ponto estávamos cumprindo nossa ação como artista. Até que ponto meu trabalho toca o dedo na sociedade”, destaca Sandra.

Depois disso, em 2014, Sandra Loiola realizou dois encontros com as mulheres de Teresina, que foi denominado “Encontro de Mulheres Artistas Criadoras do Piauí”.

No primeiro momento foi explicado como funcionava a rede internacional e proposto uma reunião, pelo menos uma vez por mês, para que as mulheres conversassem, discutissem, refletissem e, principalmente, tirassem os projetos da gaveta. No segundo encontro Sandra proferiu uma palestra sobre a evolução da mulher a partir do século XIX na literatura e na imprensa.

Mesmo com a realização dos dois encontros, Sandra continuou sentindo a necessidade de realização de algo prático, para que as artistas do Piauí ficassem impactadas e sentissem na pele como elas poderiam contribuir com a arte.

“Decidi fazer uma ação na praça. Marquei, desmarquei, porque eu senti que não era ali. E depois, através de inspiração veio a ideia de fazer na penitenciária feminina, porque assim a gente teria vários trunfos: a vontade das mulheres artistas de vir na penitenciária e apresentar algum trabalho seu, como também da reflexão com esse contato com as detentas, e ainda das detentas de receber esse trabalho artístico, de forma que esse trabalho possam gerar impacto na vida delas”, declara Sandra ao comentar que, a partir disso, criou o terceiro encontro, que aconteceu na penitenciária.

“O encontro gerou muita repercussão entre elas porque as pessoas que vieram fazer este trabalho, vieram com amor. O evento foi uma festa, teve oficinas, apresentação teatral e participação coletiva em outras atividades. Depois disso, não consegui deixar de vir pra cá e comecei, de forma voluntária, a fazer este trabalho”, conclui.

Fotos: José Alves Filho



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