Trump fez acordo com o Talebã que abriu caminho para sua volta ao poder

Em 29 de fevereiro de 2020, o governo dos Estados Unidos, presidido por Trump, e o Talebã assinaram em Doha, no Catar, o acordo

Trump fez acordo com o Talebã em 2020 | Divulgação
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O roteiro para a rápida recuperação do poder no Afeganistão pelo Talebã foi concebido muito antes do grupo fundamentalista islâmico tomar a capital do país, Cabul, em 15 de agosto.

Em 29 de fevereiro de 2020, o governo dos Estados Unidos, presidido pelo republicano Donald Trump, e o Talebã assinaram em Doha, no Catar, o acordo que definiu um cronograma para a retirada definitiva dos Estados Unidos e de seus aliados após quase 20 anos de conflito.

Em troca, foi assinado o compromisso de que o Talebã não permitiria que o território afegão fosse usado para planejar ou executar ações que ameacem a segurança dos Estados Unidos.

Ele foi oficialmente chamado de Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão, embora no momento seu único resultado observável seja a queda do governo afegão, com a saída do presidente Ashraf Ghani do país, e o temor de que o Talebã restaure o regime fundamentalista imposto ao Afeganistão antes da invasão americana, em 2001.

O então secretário de Estado Mike Pompeo e Abdul Ghani Baradar se reuniram em setembro de 2020 em Doha. 

Muitos especialistas acreditam que o retorno do Talebã é uma consequência do Acordo de Doha. 

"Aquilo não foi um acordo de paz, foi uma rendição", disse Husain Haqqani, diretor para a Ásia Central e do Sul do Instituto Hudson e ex-embaixador do Paquistão nos Estados Unidos. 

O que foi acertado em Doha

O acordo estabeleceu um cronograma para a retirada das tropas dos Estados Unidos e de seus aliados internacionais em até 14 meses após o anúncio do acordo.

Washington também prometeu suspender as sanções impostas aos líderes do Talebã.

Em troca, Washington obteve o compromisso de que o grupo não permitiria "nenhum de seus membros, ou outros indivíduos ou grupos, incluindo a Al-Qaeda, usar o território afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e de seus aliados".

Da mesma forma, ficou estabelecido que o Talebã e o governo afegão iniciariam as chamadas negociações entre os afegãos, que deveriam levar a um cessar-fogo e a um acordo definitivo sobre o futuro político do país.

O Talebã incluiu no final da negociação a exigência de um acordo de libertação de prisioneiros, que foi finalmente incluído.

Seriam libertados até 5.000 prisioneiros talebãs e mil funcionários do governo afegão detidos pelo grupo.

O enviado dos EUA, Zalmay Khalilzad e o líder talibã, Mullah Abdul Ghani Baradar, na assinatura do Acordo de Doha. 

O que deu errado no Acordo de Doha

Para Laurel Miller, uma diplomata americana aposentada e diretora do Programa para a Ásia do International Crisis Group, "nada do que está acontecendo é surpreendente".

Haqqani, por sua vez, garante que "a única coisa com que o Talebã concordou foi a retirada dos Estados Unidos".

"Eles disseram: 'Tudo bem, vamos iniciar um diálogo com o governo afegão'. Mas eles nunca levaram isso a sério."

O fato é que o governo afegão caiu antes que o diálogo com o Talebã produzisse o cessar-fogo planejado e um acordo final.

O Acordo de Doha baseava-se na premissa, repetida pelo governo Joe Biden e de seu antecessor, Donald Trump, de que seriam as forças de segurança afegãs que assumiriam o controle da situação após a retirada das tropas americanas.

Mas as capitais das províncias afegãs caíram nas mãos do Talebã nos últimos dias, com pouca resistência das forças estatais, em cujo treinamento e equipamento os Estados Unidos investiram milhões de dólares nos últimos anos.

De acordo com fontes militares anônimas citadas pelo jornal The Washington Post, muitos comandantes militares e policiais afegãos concordaram em se render ao grupo radical em troca de dinheiro, uma vez que o Acordo de Doha deixou claro que a retirada das forças dos EUA era iminente.

Uma das grandes preocupações agora é o que acontecerá com os afegãos, já que há o temor de que a população volte a sofrer a discriminação e a violência sexista que foram a tônica do regime talibã nos anos 1990.

O Acordo de Doha não menciona nada sobre esses problemas, nem obriga o Talebã a respeitar os direitos humanos.

Suhail Saheen, porta-voz do Talebã, disse à BBC que no novo Afeganistão "as mulheres podem ter acesso à educação e ao trabalho".

O analista Haqqani adverte, porém, que nunca é possível confiar "na palavra do Talebã. Eles sempre levam suas promessas a tribunais que são regidos por sua interpretação do Islã".

Haqqani acredita que "é apenas uma questão de tempo até que se concretize a ameaça de ações extremistas do Afeganistão que os países ocidentais tanto temem".

Ele lamenta que o Acordo de Doha não inclua nenhum mecanismo para garantir que, de fato, o Talebã cumpra seu compromisso de não permitir que o Afeganistão se torne uma base para atividades extremistas.

Ele é um dos que temem que entre os 5 mil prisioneiros libertados sob o Acordo de Doha possam haver membros de organizações jihadistas como a Al-Qaeda, o Estado Islâmico ou o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, que têm interesse de influenciar a região chinesa de Xinjiang. Os uigures, uma minoria étnica de chineses muçulmanos, vivem na região.

Como o Acordo de Doha foi alcançado

E a violência ainda aumentou nos meses seguintes ao acordo, segundo alguns observadores, devido ao interesse do Talebã em controlar o máximo de territórios possível e ganhar força diante dessas negociações inconclusivas.

A invasão do Afeganistão foi parte da "guerra ao terror" declarada pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001.

O Afeganistão do Talebã era uma das bases da Al-Qaeda e o principal quartel-general de seu líder, Osama Bin Laden.

Suas ações contra os interesses americanos e ocidentais foram posteriormente somadas às do autodenominado Estado Islâmico.

Quando Trump assumiu a Casa Branca em 2017, ele prometeu encerrar as "guerras sem fim" dos Estados Unidos.

Em 2018, começaram as negociações com o Talebã para encerrar um conflito no qual morreram mais de 2.400 militares dos EUA e mais de 32 mil civis afegãos.

Trump encarregou o enviado especial dos EUA ao Afeganistão, Zalmay Khaliljad, de negociar um acordo com o grupo islâmico em Doha, no Catar, onde grande parte da liderança talebã, liderada pelo mulá Abdul Ghani Baradar, há muito estava instalada.

As negociações foram interrompidas várias vezes e Trump chegou a considerar o acordo "morto", mas finalmente Washington acabou aceitando a exigência do Talebã de que o governo afegão se retirasse das negociações - isso desbloqueou o diálogo.

Ao anunciar o acordo, Trump avisou: "Se as coisas derem errado, voltaremos com uma força nunca vista antes."

Seu sucessor na Casa Branca, Biden, decidiu acelerar a retirada das tropas e, apesar das imagens das últimas horas, reafirmou sua decisão de encerrar "a guerra mais longa dos Estados Unidos".

Para os arquivos dos jornais, haverá palavras como a do Secretário-Geral da Otan, Jens Stoltenberg, após o anúncio do Acordo de Doha: "Só sairemos quando as condições forem adequadas".

Também as do ativista afegão Zahra Husseini, que disse à agência de notícias AFP: "Enquanto eu assistia a assinatura, tive o mau pressentimento de que isso levaria ao retorno do Talebã ao poder e não à paz".

(Fonte: BBC)



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