Em 5 anos, 18 pessoas já desapareceram na Rocinha

Dezoito vidas condenadas ao sumiço eterno .

Rocinha. | Reprodução Web
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Dezoito vidas e a mesma sentença: a condenação ao desaparecimento eterno. O sumiço da modelo Luana Rodrigues de Sousa e da amiga Andressa, no dia 9, trouxe à luz casos que tiveram final tragicamente semelhante.

São histórias que escancaram a forma cruel com a que o chefe do tráfico na Favela da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, controla seu território desde novembro de 2005. Dramas sobre os quais as famílias se recusam a falar. Algumas, até hoje, sequer registraram o desaparecimento.

A polícia nunca fez buscas a esses corpos desaparecidos, assim como não realizou perícia na refinaria de drogas que explodiu há duas semanas, deixando, extraoficialmente, cerca de 10 feridos.

O terror é a senha usada por Nem e seu bando para manterem-se longe dos tribunais de júri. Em sua extensa ficha de antecedentes criminais, há 11 mandados de prisão. Nenhum deles por homicídio.

O grupo de um soldado de Nem, conhecido como Miro, ganhou o apelido de "Bonde do Picota". Função: matar, cortar, queimar e esconder os restos na mata. Com isso, o mistério se transforma numa angústia sem fim para os parentes daqueles que somem.

Um caso que ilustra esse drama é o do cabo do Corpo de Bombeiros Rogério de Moraes Rodrigues, 37 anos. Chefe de família e profissional com ficha impecável, ele saiu para trabalhar no dia 14 de abril de 2009 e nunca mais foi visto. Chegou a dar expediente no setor administrativo do 1º Grupamento Marítimo, em Botafogo, mas, depois que saiu de lá, pegou sua moto, foi para o São Carlos, onde também trabalhava com mototáxi, e pegou uma corrida para a Rocinha. De lá, desapareceu.

A polícia praticamente ignorou o caso na época. Bombeiros chegaram a fazer uma investigação paralela, mas o paradeiro do militar permanece desconhecido. Quase um ano depois, um corpo com características semelhantes às do Rogério foi encontrado na Rocinha. Mas o resultado do exame de DNA deu negativo.

A incerteza devasta famílias, como a do comerciante Alexandre Albuquerque Melo e de Iderlei Santos Silva, o Russo. Acusados de informantes da polícia, não tiveram defesa no "tribunal" do tráfico. A estudante Suellen Stumpf e a amiga Andrea foram punidas por namorarem policiais. A mãe da primeira menina, de 15 anos, chegou a denunciar o caso, cinco meses depois, quando saiu da favela. A investigação começou na Divisão de Homicídios, mas foi arquivada. "A dificuldade foi que os corpos jamais apareceram", diz o delegado Maurício Demétrio, que trabalhou no inquérito.

Moradores da favela e famílias de desafetos de chefão jamais procuraram a polícia

O comerciante Fábio Anselmo dos Santos, o Lucas do Gás, tinha uma vida confortável como um dos principais fornecedores de gás da Rocinha. Até que uma gravação de um telefonema seu a um policial civil, dando informações sobre o tráfico, foi parar nas mãos de Nem. A gravação, entregue por um outro agente corrupto, foi colocada na caixa de som de um bar no Valão. A sentença: Lucas sumiu. A família nunca fez o registro do caso.

O silêncio se repetiu em casos de alguns bandidos mortos em rachas internos da quadrilha. Nem tomou o poder na madrugada de 31 de outubro de 2005 numa dessas matanças. Orlando José Rodrigues, o Soul, e cinco seguranças foram executados pelo grupo de Nem, que assumiu o controle da favela depois que o então chefe, Bem-Ti-Vi, foi morto pela polícia. Todas as famílias moram no morro. Nenhuma aceita dar entrevistas ou sequer registrou o caso.

O químico Leonardo Assumpção, o Português, também foi morto por desavenças internas. O problema é que, com ele, estava o taxista que o levara à comunidade. A família de Alexandre Roberto Oliveira Mendes fez a queixa formal. Recentemente, outros bandidos foram executados. O mais famoso deles, José Ricardo Rosa Ribeiro, o Cagado. Maior assaltante do Rio, ele desrespeitou as regras de Nem, que não queria mais assaltos na Zona Sul. A sentença? O sumiço.

Cabeça de bombeiro foi pedida por traficante do Morro de São Carlos Entre amigos do bombeiro Rogério, o desaparecimento das duas jovens no dia 9 reabriu uma ferida dolorosa. "Ele era muito responsável, nunca iria sumir sem dar uma explicação. Infelizmente, não temos mais esperança de encontrá-lo vivo", lamentou o amigo que conviveu com Rogério por mais de 10 anos, tempo que ele trabalhou na corporação.

Sete dias após o sumiço, na ficha do cabo passou a constar a classificação de desertor. No entanto, o Corpo de Bombeiros não parou de investigar e conseguiu levantar informações de que o cabo teria sido vítima de emboscada.

Segundo relatos, o militar teria começado a malhar na Academia da Polícia Civil três meses antes de sumir. Integrantes da quadrilha do Morro de São Carlos, no Estácio, onde Rogério atuava nas folgas como mototaxista, passaram a desconfiar que ele fosse informante da polícia. Chefe do tráfico do local, Anderson Rosa Mendonça, o Coelho, teria pedido a cabeça de Rogério a Nem.

Investigações indicam que Coelho e um bandido conhecido como Limão teriam participado do crime. A polícia sabe que, após o sumiço do cabo, a moto dele circulou pela Rocinha, mas nunca foi localizada.

Durante seis meses, houve uma peregrinação incansável em busca de pistas de Rogério. "Fomos a todos locais que ele frequentava, procuramos em hospitais, no IML. Espalhamos cartazes, mas nunca tivemos nenhuma notícia", lamentou um dos amigos de infância.



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