Filha de Olavo de Carvalho: “Está quieto, pois sentiu baque dos processos”

Heloisa de Carvalho, 51, era chamada de “anjinho” pelo pai, o escritor e guru bolsonarista

Heloisa de Carvalho, 51, recém-filiada ao PT, com o pai, Olavo de Carvalho, no início dos anos 2000; ela rompeu relações com ele, guru do bolsonarismo - | Reprodução
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Heloisa de Carvalho, 51, era chamada de "anjinho" pelo pai, o escritor e guru bolsonarista Olavo de Carvalho, com quem mantinha uma boa relação até 2017, quando pararam de se falar. Na época, ela tentava interceder em nome do diretor de fotografia de um documentário sobre Olavo, que afirmava ter sido deixado de lado após a estreia da obra.

"Estávamos no telefone quando ele disse: 'era tudo que me faltava, uma puta vagabunda se unir a um vigarista maconheiro para me f****'. Desligou na mesma hora e, ali, eu já vi que não me procuraria mais", conta Heloisa por telefone a Universa, de sua casa em Atibaia, no interior de São Paulo. "Sempre tivemos conflitos de posicionamento político, mas nunca foi a ponto de nos afastarmos."

Heloisa de Carvalho, 51, recém-filiada ao PT, com o pai, Olavo de Carvalho, no início dos anos 2000; ela rompeu relações com ele, guru do bolsonarismo - Imagem: Reprodução/Facebook

Eleitora do PT desde 1988, quando ajudou a eleger Luiza Erundina, atualmente deputada federal, para a prefeitura de São Paulo, Heloisa se filiou ao partido na segunda-feira (21). Formada em direito, professora de artesanato e prestadora de serviços de editoração eletrônica, é também autora do livro "Meu Pai, o Guru do Presidente" (Kotter Editorial), lançado em 2019. 

Para o ano que vem, pretende se candidatar a deputada estadual. Mas, ressalta, essa não é uma afronta ao pai, e sim ao que ele prega. "Minha bandeira é contra a 'olavosfera', o negacionismo e o obscurantismo". Alfabetizada adolescente porque o pai não achava necessário frequentar uma escola, também quer lutar pela educação por projetos de combate à violência contra a mulher e de igualdade de gênero.

Depois do rompimento, diz, viu o pai tendo um comportamento cada vez mais machista em seus comentários e ataques. "Ficou mais descarado. Eu era a queridinha dele e acho que romper comigo soltou as bruxas nele para atacar mulheres", avalia. Ela afirma discordar das ideias de Olavo, principalmente em relação às críticas à esquerda, mesmo antes de se afastarem. Hoje, não tem contato com mais ninguém da família: mãe, sete irmãos e 15 sobrinhos. "Só sinto falta das crianças."

Professora de artesanato, Heloísa conta que decidiu entrar para a política e se filiar ao PT após tomar a vacina contra a covid Imagem: Reprodução/Twitter @Carvalho_A_Helo.

UNIVERSA: Por que se filiou ao PT?

HELOISA DE CARVALHO: Desde 2019 penso em me filiar a um partido. Mas queria saber se teria apoio. Na condição em que estou hoje, até por ser filha do Olavo de Carvalho e combater o obscurantismo da direita, não seria só uma filiada a mais. Comecei a trocar ideia com o Paulo Teixeira [deputado federal pelo PT-SP], que conheci em um evento sobre cannabis medicinal — faço uso do óleo da planta para vários problemas de saúde e também milito pela causa. E decidi me filiar na segunda (21), após tomar a primeira dose da vacina contra a covid. Foi uma atitude de revolta por todo o ataque que meu pai faz ao isolamento, questionando a covid, as vítimas, foi um dia com uma simbologia muito grande para mim.

Quero lutar contra esse obscurantismo. Mas não estou fazendo isso para atacar o Olavo. Sei que ataca, mas minha decisão não foi fundamentada nisso. Uma hora ele não vai estar mais aí, e eu vou continuar com minha luta. 

Não, nunca. Depois que ele parou de falar comigo em 2017 e me bloqueou de tudo, comecei a expor o passado da nossa família. O Olavo quer passar a imagem de que faz tudo pela causa da família tradicional, cristã, católica. Mas é um delírio discrepante e irracional sendo que teve três mulheres ao mesmo tempo e com os filhos menores de idade dentro de casa. Ele achava que não precisava ir para a escola. Só fui alfabetizada adolescente, quando morava com uma tia.

Aos 15, voltei a morar com ele e me deparei com um monte de gente na nossa casa, formando uma seita que se dizia islâmica. Ficavam 20 pessoas dentro de um quarto. Era rezação para lá e para cá, um monte de regra. Eu me converti para pararem de me encher o saco, mas nunca segui a seita. Quando comecei a expor tudo isso nas redes sociais e em entrevistas, ele mandou meus irmãos atrás de mim, queriam que eu calasse a boca. Rompi com todos eles, os sete, e com a minha mãe. Só sinto falta das crianças, meus sobrinhos. Deles, choro de saudade.

Ele é criticado por atacar e ofender mulheres com comentários machistas. Já notava isso antes?

Sempre teve, sempre vi. Mas não era muito descarado. Hoje a primeira coisa que ele fala para xingar já é 'vagabunda'. Acho que tem a ver comigo. Ele nega, mas eu fui a filha queridinha. O rompimento comigo meio que soltou as bruxas nele para atacar mulheres.

Quando ele dava aula de astrologia, tinha aluno gay, aluna lésbica, não parecia ter problema com isso. Depois que começou a criar esse personagem homofóbico.

Você se considera feminista?

Não sou militante, mas minha tendência é para o feminismo. Não acho que mulheres são tão fortes fisicamente quanto homens, somos mais fracas. Mas dizer que o homem é mais inteligente, aí já é preconceito. Acredito na igualdade no

sentido de a mulher poder viver sem que nada lhe seja obrigado, imposto, sem que ela seja intimidada para fazer o que não quer. Na minha casa, meu marido e eu dividimos as tarefas. Criei meu filho para, além de respeitar mulheres, fazer serviços domésticos e o que fosse necessário. Não tem isso de ser 'coisa de mulher'.

Seu projeto é se candidatar para deputada estadual em 2022. O que pretende defender?

Uma das minhas bandeiras é pela igualdade entre homens e mulheres, combate à violência doméstica, à homofobia. Tenho pautas progressistas. Um dos meus sonhos é ver o tratamento com cannabis sendo oferecido pelo SUS [Sistema Único de Saúde]. Tenho muitas doenças, fibromialgia, três hérnias, artrose. Já tentei de tudo, a cannabis em óleo foi a única coisa que me ajudou. E é um tratamento caro, cerca de R$ 1.500 por mês. Meu filho que me ajuda com isso. Também pretendo lutar pela educação. Eu não fui para a escola e sei o quanto me fez falta.

Sentiu falta de ter frequentado uma escola? 

Quando ele dava aula de astrologia, tinha aluno gay, aluna lésbica, não parecia ter problema com isso. Depois que começou a criar esse personagem homofóbico. Sim, principalmente quando eu entrei para a faculdade de direito, em 2005. Para concluir a educação básica, fiz Mobral [movimento de alfabetização de adultos que vigorou de 1967 a 1985] e supletivo. Nunca estudei química, física, biologia.

E a educação, como é feita na escola, abre caminhos, é quando a gente começa a conhecer o mundo. Isso só aconteceu comigo na faculdade.

Heloisa celebrou com um amigo a prisão de Fabricio Queiroz em frente à casa onde ele estava escondido em Atibaia (SP) Imagem: Reprodução/Instagram.

Qual sua opinião sobre o projeto de lei em tramitação no Congresso que regulamenta o ensino domiciliar?

Não sou contra. O que sou contra é o homeschooling que o Olavo prega, que é isolamento social. Meus irmãos e eu fomos criados assim, sem contato com outras pessoas de pensamentos diferentes em uma tentativa de não 'deturpar a mente'. Mas eu sempre tive uma personalidade diferente, ia pra rua brincar, socializar. Também critico a visão de escola que os olavistas têm. Dizem que criança de três anos aprende a se masturbar na escola. É um absurdo.

No ano passado, quando a polícia prendeu Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) sob denúncia de participar de um esquema de "rachadinha", você disse nas redes sociais que já sabia que ele estava lá.

Como descobriu o paradeiro dele?

Na verdade, eu desconfiava, mas tive a confirmação quando a polícia o prendeu. Quando ele sumiu e ninguém sabia onde ele estava, um jornalista conhecido meu me escreveu perguntando se sabia de algo do Queiroz estar em Atibaia, no interior de São Paulo, que é onde eu moro. O boato é de que ele estava na casa de um advogado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Coloquei no Google e veio o nome do Frederick Wassef [ex-advogado de Bolsonaro, dono da casa em que Queiroz estava]. A casa ao lado da dele era de uma amiga minha, eu estava tomando conta porque estava vazia. Um dia bati na porta para pedir ajuda porque meu carro quebrou, e a mulher que me atendeu agia estranho, parecia que queria se ver livre de mim logo. Cheguei a entrar por um terreno nos fundos da casa e espiar por um buraco, mas não consegui ver nada. Falei para algumas pessoas, para jornalistas, mas ninguém deu atenção. Um tempo depois soube da prisão, e as pessoas com quem eu tinha comentado vieram falar comigo. Fui fazer uma foto na frente da casa com uma taça de suco de laranja e começaram a achar que eu tinha encontrado o Queiroz. Depois disso, vários partidos começaram a me procurar para me filiar.

Ficou com medo de represálias por ter seu nome atrelado ao Caso Queiroz? 

Eu recebia muitos ataques por expor o Olavo de Carvalho. Até hoje recebo. Mas diminuíram muito depois da história do Queiroz. Acho que começaram a me levar mais a sério. Fiquei preocupada que pudesse acontecer algo mais sério, um atentado, uma 'bala perdida'. Teve uma madrugada em que acordei e vi que o quintal estava pegando fogo. Deu tempo de sair e apagar. Depois disso, não aconteceu mais nada.

O olavismo perde força com as investigações contra os membros da família Bolsonaro?

 Não. O Olavo e seus seguidores só estão mais quietos. Começou a vir muita bomba em cima dele, processos, ele sentiu o baque. Além disso, está internado, com problema de saúde. Acho que só parou de dar munição para a mídia. A relação com a família Bolsonaro continua igual. A força do olavismo não diminui em nada, é que a poeira levantou e eles sumiram esperando a poeira baixar.

*Com informações do Uol.



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