Lei garantirá a demarcação de novas comunidades no Piauí

Consultor do Banco Mundial explica a mudança que desencadeou no reconhecimento do primeiro território indígena do Estado

Richard Torsiano | Raissa Morais
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Demanda solicitada com afinco durante muito tempo, no início do mês de setembro de 2020, os Kariri de Serra Grande, no município piauiense de Nova Queimada, tiveram seu território reconhecido. Foi o primeiro povo indígena do estado a conquistar esse direito.

Diante da conquista, as 34 famílias da aldeia, localizada a 522 quilômetros da capital, Teresina, só puderam ser beneficiadas graças à Lei de Regulamentação Fundiária nº 7.294, publicada em dezembro do ano passado. A norma trata das ocupações de terras pertencentes ao Estado do Piauí. 


De acordo com o dispositivo legal, entre outras disposições, devem ser destinadas prioritariamente a comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais as terras públicas e devolutas (ainda sem destinação pelo Poder Público) ocupadas coletivamente por essas populações.


Foram cerca de dois anos de discussões para a aprovação do normativo. Além da Corregedoria Geral da Justiça do Piauí (CGJ/PI), que coordenou a elaboração do texto base, o processo envolveu representantes das comunidades tradicionais, de produtores rurais, de instituições do governo do estado e da sociedade em geral.

Richard Torsiano, consultor do Banco Mundial

Atuando neste processo, o consultor do Banco Mundial junto à CGJ/PI, Richard Torsiano, esteve à frente da Comissão responsável por formular a nova Lei. Idealizador e cofundador do Fórum Fundiário dos Corregedores Gerais de Justiça da região do Matopiba (sigla formada pelas iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), Torsiano sintetiza as alterações consolidadas pelo novo regramento. 


"A nova legislação permite ao Governo do Estado identificar e regularizar as terras das comunidades, dos agricultores familiares e também dos produtores rurais que adquiriram de boa fé seus imóveis e até hoje produzem em áreas com bases fundiárias precárias, Enfim, traz segurança jurídica às pessoas do campo", revela. 


O consultor do Banco Mundial ainda detalha que a instituição prevê a demarcação de mais duas comunidades quilombolas no Piauí, sinalizando que o Interpi já iniciou este processo. "O projeto do Banco Mundial prevê a demarcação de duas comunidades, não determina quais são, mas apenas a meta de duas comunidades. O Interpi já iniciou os trabalhos para a demarcação", disse. 


Ele aborda, ainda, a importância das mudanças tanto para comunidades tradicionais, quanto para o tratamento de questões agrárias seculares, como a grilagem de terras e a necessidade de garantia de direitos aos produtores rurais piauienses.


Como surgiu a ideia de uma nova Lei de Regulamentação Fundiária do Estado do Piauí?


A ideia e a necessidade surgiram no início dos trabalhos do Núcleo de Regularização Fundiária da Corregedoria Geral da Justiça do Piauí, em janeiro de 2018. Observamos a relevante atuação da Vara Agrária do Estado no combate à grilagem de terras, no entanto, não havia uma legislação adequada que orientasse a formulação e a execução de uma política de regularização fundiária capaz de atender agricultores, produtores rurais e comunidades tradicionais.


Até então, como o assunto era tratado em âmbito estadual? 



A questão sempre foi colocada como elemento central no desenvolvimento do estado, mas existiam obstáculos a serem enfrentados, como capacidades institucionais que dessem conta do problema fundiário, secular em todo o país.


A lei vigente até 2019 não garantia, por exemplo, acesso equilibrado às terras e era insuficiente para a execução de uma política efetiva de regularização agrária.


De que maneira o normativo foi elaborado?


Logo após a instalação do Núcleo de Regularização Fundiária da CGJ/PI, em 2018, apresentei ao corregedor à época, desembargador Ricardo Gentil, a proposta de estruturar as ações a partir das Diretrizes Voluntárias para Governança Responsável da Terra. Essas diretrizes são construídas por meio da liderança da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS 2030). Uma das principais orientações é a garantia de transparência, inclusão e participação dos atores envolvidos com a agenda em todas as ações do Núcleo.


Quem são esses atores?


Instituições públicas e privadas, movimentos sociais e entidades de classe ligadas ao tema. Objetivando o envolvimento efetivo de todos, foi criado um Conselho no âmbito do Núcleo de Regularização Fundiária da Corregedoria, iniciativa realizada em 2018 e reforçada em 2019, na gestão do desembargador Hilo de Almeida. O magistrado garantiu um processo participativo na construção da Lei estadual. O texto base, elaborado por uma comissão formada por integrantes dos poderes Executivo e Judiciário, foi apresentado às entidades que compõem o Conselho, para sugestões. O 

desembargador também viajou pelo estado com a equipe do Núcleo, promovendo audiências públicas das quais fizeram parte sociedade civil e outras instituições.


Finalizado esse processo e publicada a Lei nº 7.294/2019, o que mudou na prática?


A nova legislação permite ao Governo do Estado identificar e regularizar as terras das comunidades, dos agricultores familiares e também dos produtores rurais que adquiriram de boa fé seus imóveis e até hoje produzem em áreas com bases fundiárias precárias, Enfim, traz segurança jurídica às pessoas do campo.


Qual a expectativa para se ampliar o alcance da proposta a outros estados, a exemplo dos que compõem a região do Matopiba?


Em 2018, criamos o Fórum Fundiário dos Corregedores Gerais da Justiça do Matopiba, idealizado na Corregedoria da Justiça do Piauí. Durante a primeira edição, na capital piauiense, no mês de dezembro daquele ano, foi assinada a “Carta de Teresina”, enumerando os compromissos dos corregedores com a agenda fundiária nos quatros estados que compõem a região. No documento constam, entre outros, a necessidade de se proteger as comunidades mais vulneráveis, de promover segurança jurídica e o acesso à justiça, a mediação em casos de conflitos e grilagem de terras, a proteção ao meio ambiente e a construção de uma política efetiva de regularização agrária. No próximo dia 27 de outubro, a CGJ/PI sediará a quinta reunião ordinária do Fórum. A expectativa é a de que, a partir daí, seja ampliado o intercâmbio de experiências com outros estados, a exemplo do que vem ocorrendo com a Corregedoria de Minas Gerais. A pretensão também é replicar esses conhecimentos especialmente nos estados da Amazônia Legal, que sofrem com problemas fundiários e ambientais.



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