“Acusado é condenado antes de ser julgado”, diz presidente do TJ

“O juiz tem que saber separar o que é ser juiz e justiceiro”

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O presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), desembargador Erivan Lopes, afirmou, na quinta-feira, durante discurso de inauguração da Sala de Seções das Câmaras Reunidas Juiz Samuel Mendes, que está havendo uma inversão, onde pessoas acusadas são condenadas pelas redes sociais e mídias, antes mesmos de serem condenadas pela Justiça.

O discurso do presidente ocorreu em um momento em que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) fez críticas a decisão da Justiça de libertar um juiz aposentado, dois advogados e um agrimensor na “Operação Sesmaria”, que apura grilagem de 20 mil hectares de terra no Sul do Piauí.

Erivan Lopes, disse que no Brasil, hoje, é levado pelas redes sociais e mídias, e começam a confundir justiça com “justiciamento”.

“O juiz tem saber separar o que é ser juiz e o que é ser justiceiro. Nós, como magistrados, temos compromisso com a Constituição Federal. Respeitando o direito de processo legal; a presunção de inocência e, nessas circunstâncias, temos que seguir a independência funcional necessária e com coragem para fazer um julgamento que tenha compromisso com a Constituição da República, que assegura todos os diretos. Fora disso, o magistrado não precisa ter compromisso com essa cobrança de mídias, principalmente as sociais”, falou.

Ele afirmou que hoje existe um processo de “encurralamento” e “enquadramento” da magistratura nacional e isso não é bom para o juiz, principalmente para as partes e não é bom para povo brasileiro.

O presidente do TJ disse que uma forma de encurralamento e enquadramento da magistratura são os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, que faz a reforma da Previdência, postergando o gozo e o direito à aposentadoria dos magistrados e outros servidores, que estão prestes ao alcançar a aposentadoria, aumentando a idade. O projeto que trata do abuso de autoridade, que inibe a liberdade e decisão do magistrado, além da emenda da Constituição aprovada e que congela os gastos públicos, e os salários dos magistrados. Ou o Projeto que tramita para eliminar alguns benefícios e que reduz os salários dos magistrados.

“Entendo que esse é um momento de retrocesso nas garantias e prerrogativas da magistratura. Temos também premidos pela cobrança de justiciamento. Um solapamento das garantias individuais, que são muito caras ao povo brasileiro, que estavam previstas na declaração do direito do cidadão e também no pacto de San José de Costa Rica, no texto constitucional de 1988 e que, infelizmente, há uma pressão muito grande para que elas sejam solapadas”, declarou Erivan Lopes.

Ele fala ainda que há uma inversão em que, ao invés do indivíduo ser processado, julgado e condenado, hoje a mídia social faz com que ele cumpra a pena e depois seja processado e julgado. “Elas não podem ser assim. Não podemos aceitar, porque a pessoa tem que ser considerada inocente até que a sentença seja tramitada e julgada”, afirma o presidente.

Meio Norte – Quando o senhor falou que há uma inversão quando as pessoas acusadas são condenadas antes de serem processadas e julgadas com sentença condenatórias, está se referindo às críticas feitas pelo Grupo de Atuação e Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, que criticou a soltura do ex-juiz , dois advogados e um agrimensor acusados de grilagem de 24 mil hectares e presos durante a Operação Sesmaria?

Erivan Lopes – Não no caso especificamente porque eu não trato de casos que irão para julgamento perante colegas do Poder Judiciário. Eu estou falando do Estado brasileiro, como um todo, que levado pelas redes sociais e muito pela mídia, começa a entender e a confundir justiça com judiciamento. O juiz de Direito tem que saber separar do que é fazer Justiça do que ser justiceiro. Nós temos compromisso com a Constituição Federal, respeitando o devido processo legal, o princípio da presunção de inocência; e, nessas circunstâncias, nós temos que seguir, com toda a independência funcional necessária, com a coragem e o destemor para fazer um julgamento que só tenha o compromisso com a Constituição da República porque assegura todos esses direitos. O magistrado não precisa ter compromisso com essa cobrança de mídias, principalmente as mídias sociais, como está acontecendo hoje. Está havendo um encurralamento, um enquadramento da magistratura nacional e isso não é bom, não é bom para o juiz, nem é bom para as partes e, principalmente, não é bom para o povo brasileiro.

Meio Norte – Esse encurralamento está relacionado com o congelamento dos salários dos magistrados?

Erivan Lopes – Está tramitando no Congresso Nacional uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que faz a Reforma Previdenciária, postergando o gozo, o direito à aposentadoria dos magistrados e de outros servidores que estão prestes a ser aposentados por idade e tempo de contribuição aumentado o pedágio e a idade; também está tramitando no Congresso Nacional de abuso de autoridade; um projeto que inibe essa liberdade da decisão da magistratura nacional, que elimina os benefícios que ajudam a estabelecer o valor da remuneração. Nós temos retrocessos nas garantias da carreira da magistratura e nós também estamos premidos por essa pressão de judiciamento, por esse solapamento de garantias individuais, que são muito caras aos povo brasileiro, que já estavam previstas na Declaração dos Direitos do Cidadão, no Pacto de San José da Costa Rica e que conseguimos colocar no texto constitucional de 1988 e, que há, infelizmente, uma pressão muito grande para que essas garantias sejam solapadas, dentre elas, essa inversão de que o indivíduo em vez de ser processado e julgado e depois cumprir a pena, hoje é o inverso. Há uma cobrança para que ele cumpra a pena, depois é que ele vai ser processado e julgado. As coisas não podem ser assim, não têm que ser assim invertido. Não podemos fazer isso. A pessoa tem que ser considerada inocente até o trânsito e julgado da sentença condenatória e não ser considerada culpada até o trânsito e julgado de sentença condenatória.

Meio Norte – Qual sua opinião sobre o foro privilegiado?

Erivan Lopes – É uma necessidade, não da pessoa, mas do indivíduo que ocupa cargo. É preciso que ele possa ter essa garantia para que haja um independência funcional necessária.

Meio Norte – O que foi inaugurado no Tribunal de Justiça?

Erivan Lopes – Estamos inaugurando a Sala das Sessões das Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça exatamente em uma data em que são completados 60 dias do falecimento do o nosso querido amigo, irmão, pai de família e colega magistrado Samuel Mendes de Moraes. Faz 60 dias que ele faleceu. Nós estamos o homenageado postumamente e a sua família pelo reconhecimento por tudo aquilo que ele fez pelo Poder Judiciário, pelo jurisdicionado piauiense. A sala, quando o prédio do Tribunal do Júri foi inaugurado servir como Tribunal Popular do Júri da Capital, funcionou por muito tempo. Posteriormente, serviu como capela para cultos ecumênicos e casamentos e estava, quando assumi a Presidência do Tribunal sem uso necessário. Funcionava com depósito e todos são conhecedores das necessidades que o Tribunal de Justiça passa em sua sede por espaços. Os gabinetes são acanhados e as sessões das Câmaras Cíveis e Criminais são realizadas no auditório do Tribunal por falta de espaço. Nós estamos nos esforçando e já deflagramos o processo de construção de um novo Palácio da Justiça, que será construído em espaço mais amplo, mais tranquilo, onde funcionará o novo Tribunal, mas até lá não podemos nos descuidar das condições de funcionamento do prédio antigo, inclusive, permanecerá como um patrimônio histórico do Poder Judiciário piauiense. Quando o Departamento de Engenharia me informou que o espaço estava pronto houve o infausto falecimento do juiz Samuel Mendes, a quem conheci na Comarca de Paulistana, onde passei como advogado. Era um homem cordato e naquela época quando não existia Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mídias sociais e cobrança maior do magistrados, ele já residia na Comarca, recebia bem os advogados e as partes e tratava muito bem os servidores. Uma vez eu cheguei a brincar com ele que perecia mais com um sacerdote do que com um magistrado, em razão da doçura, da educação daquele homem, daquele pai de família. Eu também quero no judiciário brasileiro resgatar um erro, um equívoco, uma injustiça que foi cometida no passado. Eu não encontrei um servidor público do Estado do Piauí, nenhum servidor do tribunal, um magistrado colega, um desembargador, que não visse na pessoa do doutor Samuel, um juiz probo, um juiz dedicado e um juiz honesto. Esse é o momento da gente fazer essas considerações e resgatar esse equívoco histórico do magistrado brasileiro porque nós passamos por um momento que eu avalio como de grave retrocesso nas garantias individuais e na liberdade do cidadão. Nós estamos vivendo um momento histórico em que a presunção de inocência, que na verdade levamos anos para conquistar, levamos anos para conseguir restabelecer no Direito Constitucional,m hoje está subvertido. Se alguém é acusado, se alguém é colocado sob suspeita, ele já é condenado pelas mídias sociais, é condenado por inúmeras medidas cautelares absolutamente desnecessárias e eu não sei se haverá tempo para se resgatar esses equívocos que vem se cometendo no dia a dia, esses excessos como de fato não houve tempo suficiente. Com certeza, esse equívoco no passado contribuiu para o agravamento da doença do doutor Samuel. Por isso é que eu digo, nós magistrados precisamos ter a consciência de que o momento exige um comportamento corajoso, um comportamento imparcial, um comportamento e um julgamento que guarde compromisso exclusivamente com a Constituição da República sem se preocupar se as decisões irão agradar as mídias sociais, por alguém já chamadas de lixo da humanidade atual ou se vai agradar as partes A ou B. O compromisso do juiz tem que ser exclusivamente com o respeito aos direitos constitucionais do cidadão.



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