Aplicativo Salve Maria deve se transformar em política nacional

A ferramenta desenvolvida no Piauí para a realização de denúncias anônimas de violência contra a mulher ganhará dimensões nacionais com a proposição de nacionalizar o aplicativo.

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O desespero por trás de um pedido de socorro, que muitas vezes não é ouvido ou é simplesmente silenciado. Assim foi a situação vivida por Maria Layana de Araújo Pereira, de 32 anos. Mantida em cárcere privado pelo companheiro após ser espancada, ela precisou da ajuda de uma advogada munida com o aplicativo Salve Maria no celular. Com o botão do pânico, bingo! Literalmente a salvação de Maria.

Um pesadelo de Natal que aconteceu na cidade de Boa Hora, interior do Piauí.  “Depois das agressões eu fiquei em cárcere privado, muito machucada e sem acesso ao meu telefone. Assim passei o dia 25 de dezembro de 2017. Com a chegada da minha funcionária no dia 26 eu conversei com ela e pedi ajuda para procurarmos meu telefone”, lembra Layana.

Após encontrar o aparelho, ela buscou orientação quanto ao caso. “Quando achamos eu comecei a pesquisar uma lista de advogados da cidade mais próxima, então encontrei o número de uma advogada e comecei a pedir ajuda. Então ela acionou o aplicativo e em menos de 40 minutos eu fui resgatada e ele preso em flagrante”, acrescenta a mulher.

Layana acredita que o aplicativo salvou sua vida e que mais pessoas podem passar pela mesma situação. “O aplicativo ajudou na rapidez no atendimento. O meu conselho para as mulheres é que tanto aquelas que sofrem agressões diárias, ou mesmo as que nunca sofreram e acham que nunca vão passar por isso, tenham o aplicativo instalado no celular. Mesmo quando não há violência física, há violência verbal. O aplicativo pode servir para você, para uma vizinha ou uma amiga sua. Você pode ouvir sua vizinha sendo espancada e pedir ajuda. Em briga de marido e mulher tem que meter a colher sim! É uma obrigação meter a colher”, recomenda.

A vítima orienta as mulheres a protegerem umas as outras, como uma forma de sororidade.  “Todas as mulheres devem baixar o aplicativo e incentivar outras a baixaram também. Pois é de grande importância e funciona, sim. Fui salva por ele. Estou viva por causa dele. Talvez sem ele meu socorro não teria sido tão rápido”, pontua Layana Araújo.

Política pública piauiense deve ser nacionalizada

O aplicativo Salve Maria é uma excelente alternativa para o combate à violência contra a mulher. O pioneirismo piauiense, que funciona com um pedido de socorro pelo touchscreen do celular, acionando a polícia com a geolocalização do endereço, tem provocado bons resultados no Estado. E ao que parece, a ideia será copiada para todo o Brasil, a partir da aprovação do aplicativo na Câmara e no Senado como política pública nacional.

Crédito: José Alves Filho

É o que defende a idealizadora do app, a delegada Eugênia Villa. “Avalio o Salve Maria como política que vem paulatinamente se consolidando de forma eficaz no cenário da prevenção à violência contra meninas e mulheres no Piauí. O primeiro acionamento data de 24 de março de 2017 e desta data até a atualidade temos mais de mil denúncias”, enumera.

O crescimento na quantidade de acionamentos legitima o app como política pública eficiente. “Trata-se de uma ferramenta cujo espaço, por ser tecnológico, admite acoplamentos diversos para alcançar proteção integral às mulheres e meninas piauienses em situação de risco”, acrescenta Eugênia.

O aplicativo “Salve Maria” foi pensado para desconstruir a lógica de subjugação de meninas e mulheres à violência masculina. “De outro ponto, a arquitetura do app permite romper com as tradicionais formas de controle e vigilância de meninas e mulheres consistentes no enclausuramento doméstico, onde paredes e janelas já não mais conseguem reter a força da comunicação e da solidariedade humana na busca por ajuda. O aplicativo desenvolvido permite a vigilância à distância e em meio virtual de situações que envolvam violência contra a mulher. Todos estão sendo vigiados, ou seja, corresponderia ao “cercar do lado de fora” de Bauman”, aponta a delegada. (L.A.)

Fragilidades na segurança à mulher deram origem ao app

O aplicativo foi criado a partir de um profundo trabalho acadêmico da delegada. “Ao concluir estudos realizados nas delegacias da mulher de Teresina, para Mestrado em Direito, verifiquei algumas fragilidades, porém duas me chamaram atenção: a invisibilidade do estupro marital e a do assassinato de mulheres na perspectiva de gênero. Em janeiro de 2015, tendo assumido interinamente o cargo de Secretária de Segurança Pública, criei e implementei o que considero o embrião de todas as políticas de segurança que sucederam: Delegacia do Feminicídio e Núcleo de Estudo e Pesquisa em Violência de Gênero. Como inexistia à época o tipo penal feminicídio, conceituei com base em meus estudos e desenhei a competência da delegacia. Ao isolar o fenômeno e iniciar estudos no campo dos assassinatos através do Núcleo de Pesquisa, várias vulnerabilidades foram sendo desveladas e traçadas políticas voltadas à redução daqueles riscos”, revela. 

Crédito: Divulgação

O Salve Maria surgiu após a delegada verificar que mesmo oferecendo atendimento 24h às vítimas, mulheres continuavam sendo assassinadas sem que tivessem registrado qualquer denúncia na polícia. ”Era preciso vencer o silêncio murado das casas e, assim, surge a ideia da comunicação via app. Ressalte-se que à época, o Núcleo de Inteligência da SSP havia desenvolvido o Vazow e o app da DEPRE. O aplicativo Salve Maria foi então desenvolvido por técnicos (as) da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí – SSP/PI, em parceria com o pessoal da Agência de Tecnologia da Informação, como sucedâneo de inúmeras políticas de segurança implementadas em face das mulheres”, completa Eugênia Vila. (L.A.)

Mais de mil denúncias registradas

Desde sua criação, o aplicativo Salve Maria teve mais de 1.000 denúncias. E o melhor: todas apuradas como devem ser. “O app impacta positivamente porque é uma plataforma remota que permite ações de flagrante. Ele permite a sinalização da polícia de forma emergencial. É gratuito e sigiloso. Precisávamos da otimização dos canais de denúncia, porque um familiar, amigo não tinha como fazer isso de forma imediata. Isso comprometia a materialidade delitiva, quando chegamos emergencialmente já fazemos requisições pertinentes”, explica Anamelka Cadena, delegada que hoje está como subsecretária estadual de Segurança.

Gabriel Paulino

 

Anamelka defende que o app precisa ser capilarizado em todo o Piauí. “O app é usado sobretudo em Teresina. Mas queremos difundir no interior do Estado. Nós temos pouco mais de 60 cidades que usaram o aplicativo, e são 224 municípios. É preciso unir o Salve Maria a outras políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. É possível identificar as sinalizações de violência”, revela.

A delegada reforça que é preciso meter a colher. “O Estado, através da população, deve meter a colher, sim. Temos que sentir a dor do outro. Se eu sei uma situação de violência, eu preciso informar ao Estado. Mesmo que ela não se envolva! Usando um aplicativo remoto e sigiloso”, considera. (L.A.)

Bancada feminina abraça causa do Salve Maria

As deputadas federais pelo Piauí, Margarete Coelho (PP) e Rejane Dias (PT), tomaram para si a causa de todas as mulheres piauienses e - por que não? - brasileiras. Elas estão propondo na Câmara e no Senado a nacionalização do Salve Maria, como forma de proteger mulheres de outros estados a partir da plataforma.

Rejane Dias explica que o texto já teve aprovação prévia. “Ele foi aprovado na Comissão dos Direitos da Mulher que é a Comissão de mérito e segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado no colegiado, segue para o Plenário da Câmara e depois para o Senado Federal”, conta a parlamentar.

A ideia do Projeto é ampliar o que já acontece no Piauí. “Vamos integrar todas as iniciativas de proteção em um só mecanismo de denúncia, tendo o objetivo de assegurar a assistência remota das mulheres sob ameaça ou sujeitas a atos flagrantes de violência”, acrescenta Dias.

A parlamentar defende que deste modo, ao clicar o botão do pânico em qualquer lugar do Brasil, a mulher ou o denunciante, aciona a rede mais próxima de segurança, a Polícia Militar, a Delegacia da Mulher, enfim, o órgão que se encaixa a realidade daquela localidade. “É um dispositivo que tanto a vítima como qualquer cidadão que tiver conhecimento de algum caso de agressão à mulher deve utilizar”, acrescenta.

Estados como Santa Catarina e Maranhão estão em franco processo de criação e execução do aplicativo. “Já no Acre e no Distrito federal há iniciativas inspiradas no Projeto. Na Câmara, o aplicativo tem sido referência na prospecção de novas ideias para os Estados. E, por isso, a importância de torná-lo nacional, com uma rede conectada de acordo com cada realidade brasileira. Isso vai ajudar, inclusive, na consolidação dos números de denúncias e na elaboração de novas políticas públicas”, aponta Rejane Dias.

Para Margarete, o aplicativo é uma ideia que deve ser “copiada” por todo o Brasil. “O Salve Maria é um instrumento excepcional para o combate e prevenção à violência contra a mulher. O app é uma inspiração da Delegada Eugênia Vila, que com a equipe de tecnologia da informação da Secretaria de Segurança desenvolveu a plataforma, que é genuinamente piauiense. É inovador, tanto que foi premiado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública”, lembra a deputada.

Ela lembra que a concepção de “briga de marido e mulher” é completamente superada. “Em briga de marido e mulher, o Estado deve meter a colher. No caso, através do aplicativo. Mas também temos delegacias e outras formas do estado estado meter essa colher. Hoje nós temos uma bancada feminina forte e atuante, que está apoiando essa iniciativa. É uma política pública eficiente e barata, que com certeza será bem recebida na Câmara. Ela está na CCJ, já passou por todas as comissões, vamos acompanhar de perto para que seja votada o mais rápido possível”, finaliza Margarete Coelho. (L.A.)



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