Revolução na arquitetura e no estilo de vida no litoral

Um casal paulista escolheu a Praia de Barra Grande, no litoral do Piauí, para construir um hostel, seguindo o conceito de bioconstrução.

Avalie a matéria:
|
FACEBOOK WHATSAPP TWITTER TELEGRAM MESSENGER

O clima é onírico. As casas de argila, de material orgânico misturado com garrafas, são simples como carapaças de caramujos, outras se assemelham a castelos. São habitações parecidas com casas das florestas dos contos de fada, de histórias como João e Maria e João e o Pé de Feijão. As plantas cobrem algumas das casas, o que dá a impressão que estamos em uma floresta encantada, pisando em estradas de areia ou em calçadas feitas com garrafas. Esse mundo mágico fica na Praia de Barra Grande, no município de Cajueiro da Praia (393 km de Teresina).

As construções orgânicas e ecológicas começaram quando foi erguido o Raízes Eco Hostel, o mais arrojado exemplo da arquitetura ecológica e sustentável, construído por seus proprietários, o engenheiro mecatrônico Denny Ottani, que trabalhava com software em 3D em São Paulo, e Tatiana Johansen, que trabalhava no mercado financeiro paulistano. Eles trocaram a correria e o estresse do trabalho na capital paulista pela liberdade e qualidade de vida em Barra Grande.

Várias casas de Barra Grande acompanham a bioconstrução e os operários que foram treinados pela equipe de Danny Ottani e Tatiana Johansen foram contratados para erguer uma casa da mesma arquitetura e filosofia de vida em Parnaíba (345 km de Teresina).

Além de ser um negócio, o Raízes Eco Hotel faz militância pela sustentabilidade e uso racional dos recursos naturais. Em seus banheiros existem esquemas de aproveitamento da água, que chega uma hora por dia em Barra Grande. Nos banheiros, uma arte ensina a economia de água passo a passo.

O hóspede do hostel é aconselhado a se molhar, desligar o chuveiro ao se ensaboar e, depois se enxaguar. O desenho mostra que a água chega, passa por um filtro, vai para a cisterna, para a caixa d´água, segue para os chuveiros e pias, passa por três filtros, raízes, é encaminhada para uma caixa de reuso, volta a ser utilizada nos vasos sanitários e essa água usada vai ser usada para nutrir as bananeiras e as bananas terminam sendo consumidas no café da manhã e nas refeições. Um ciclo perfeito de aproveitamento de uma recurso natural que não pode ser desperdiçado: a água.

As águas dos aparelhos sanitários do hostel não entram no lençol freático da região, que é usado pela população. A casca do coco faz uma camada orgânica para separar a terra do entulho e evitar que ela desça. As bananeiras têm a função de evaporar a água, através da capilaridade.

Da vida corrida em São Paulo para a tranquilidade em Barra Grande

Danny Ottani disse que ele e Tatiana Johansen resolveram há dez anos mudar de vida, quando fizeram a primeira viagem juntos para o Nordeste. Depois dessa viagem, os dois se questionaram sobre o que estavam fazendo em São Paulo, por que estavam lá e se poderiam ter uma qualidade de vida melhor onde se identificassem mais, que seria no litoral, em uma praia.

Em 2012, os dois escolheram morar na Praia de Barra Grande e começaram a refletir sobre o que queriam fazer na vida, em que gostariam de contribuir e fazer com que a mudança de qualidade de vida fosse uma mudança de qualidade de vida real para eles e para quem os cerca.

Foi quando o casal entrou em contato com a permacultura, que é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza e com a bioconstrução.

Danny Ottani e Tatiana Johansen mudaram seu estilo de vida e os valores que permeiam seu cotidiano. (E.R.)

Hostel é construído com barro, esterco de vaca e garrafas

Danny Ottani disse que os materiais usados na construção do Raízes Eco Hostel são variados, mas a maior parte é barro, palha de carnaúba, esterco de vaca, e vai um pouco de cimento e cal para o reboco, além de madeira.

Ele conta que na construção do hostel foram utilizadas técnicas diferentes de bioconstrução. As paredes foram feitas de terra ensacada, com uma técnica chamada de hiperadobe.

“A gente compra a malha de um saco de naylon e vai colocando terra crua. A gente vai pilando a terra para ficar bem compactada. Nessa técnica não vai esterco de vaca”, afirmou.

Danny Ottani informa que o esterco de vaca é usado na técnica taipa de mão, ou pau a pique.

A bioconstrução resgata conhecimentos ancestrais, que eram utilizados antigamente mas sempre com uma releitura e tentando utilizar o conhecimento contemporâneo da construção civil, da química e da biologia para acrescentar materiais e melhorar essas técnicas ancestrais.

“É o caso da técnica da taipa de mão ou pau a pique. Em muitos lugares não usam o esterco de vaca, que é um aglutinante, um material importante para se colocar em uma construção porque serve como liga, como fibra para dar mais resistência à mistura do barro. O esterco da vaca não tem mau cheiro porque ele seca”, ensina Danny Ottany.

Quando Danny Ottany e Tatiana Johansen chegaram em Barra Grande e estavam decididos a erguerem o hostel com técnicas de bioconstrução conversaram com empresários da região e pediram que separassem o que tinham de garrafas nos restaurantes e bares. Eles recolheram cerca de 2 mil garrafas, que foram utilizadas em redor de toda a construção.

Nas paredes, as garrafas ajudam a dar luz natural e a economizar o uso de energia elétrica para a iluminação interna dos ambientes, além de servirem na decoração.

As calçadas do hostel são feitas de garrafas de vidro fincadas no chão.

Novas casas são construídas com mesmas técnicas

Depois do hostel, a equipe de bioconstrução capacitada no erguimento do Raízes, formada por seis jovens da região da Praia de Barra Grande, já ergueram duas casas na região e uma casa em Parnaíba. Eles não conheciam as técnicas da bioconstrução, mas estavam abertos ao novo conceito, ao contrário dos pedreiros mais antigos, que não quiseram trabalhar com as técnicas da permacultura.

“A gente sentiu uma certa resistência dos pedreiros mais antigos e a gente entendeu que capacitar os jovens seria mais interessante porque eles poderiam dar continuidade. Treinamos mão de obra, o que gera renda. Hoje em dia, eles têm um conhecimento que aqui é escasso, não só da taipa, mas das diversas técnicas de bioconstrução e de diversas técnicas de permacultura, como fossa ecológica, reaproveitamento de água”, explica Ottany.

“O amor mora aqui ”, está escrita em placa no hostel

Está claro que Danny Ottani e Tatiana Johansen querem passar uma mensagem em seu Hostel. A filha do casal, Iluna, de dois anos e dois meses, corre entre flores e plantas e diz, feliz, que nasceu e mora no Piauí. Tatiana Johansen mostra feliz sua segunda gravidez e o casal está construindo a própria residência na Praia de Barra Grande, utilizando as técnicas da permacultura.

As mensagens são claras, o casal quer repassar reflexões sobre a vida quando mandou pintar frases e desenhos para reformar o empoderamento feminino nos banheiros das mulheres, que as raízes são essenciais, que é importante resgatar coisas mais profundas, menos superficiais que os humanos têm em sua essência, em seu íntimo.

No hostel, uma singela placa fincada entre uma planta com flores chama atenção por causa de seu aviso: “O amor mora aqui”.

“Não é apenas uma placa. O amor mora aqui”, enfatiza Tatiana Johansen.

Ela conta que o casal conheceu a bioconstrução há sete anos e começou a participar em São Paulo de cursos e mutirões, oficinas e vivências sobre permacultura.

“A gente se apaixonou pela bioconstrução, pelos conceitos da permacultura. Foi aí que a gente decidiu construir o hostel todo bioconstruído. A gente usa todos os materiais que são da região, como terra, argila, palha. O telhado é de linhas de carnaúba, usamos garrafas recicláveis. Todos os materiais são reutilizáveis”, afirmou Tatiana Johansen.

Tatiana Johansen lembra que as construções de taipa existem há muito tempo e ela e Danny Ottani fizeram o resgate dessa técnica, dessa tradição e cultura. 

A professora de Ioga chilena, da cidade de Valparaíso, Daniela Salamanca, ficou tão deslumbrada com a arquitetura inovadora e inusitada do Raízes Eco Hostel, onde se hospedou, que resolveu ficar na Praia de Barra Grande e se comprometeu em dar aulas de ioga para os outros hóspedes.

“Estou gostando demais. O hostel tem uma estrutura muito chamativa. Se nota que na construção tudo é reciclado, é amigável com a natureza. É muito artístico, tem um desenha bonito, tem muitas árvores”, afirmou Daniela Salamanca, que quer ficar uma temporada ministrando aulas de ioga.

Muralha da China também foi erguida com técnicas da bioconstrução

Hoje em dia, a taipa foi muito melhorada e existem soluções para evitar os buracos que são vistos em casas de taipa feitas com as técnicas antigas.

Tatiana Johansen afirmou que a Muralha da China, construída com a mesma técnica, responde a quem pergunta sobre a segurança das edificações bioconstruídas. “Nós temos muitos exemplos de bioconstruções em todo o mundo”, lembra Johansen.

As vigas de madeira garantem a sustentação do hostel, as paredes são de taipa e as paredes da frente são de hiperadobe, que é uma parede mais grossa, que serve de proteção ao sol.

O hiperadobe são sacas de batatas, onde é colocada areia, que vai sendo polida.

O Raízes Eco Hostel possui dois andares e demorou dez meses para ser construído, que não tem formas quadradas, quase todas as formas são orgânicas com movimento. (E.R.)

Bioconstruções lembram obras de arquiteto Antoni Gaudí

As cores ocres e amarelada, os círculos esculpidos nas paredes, garrafas coloridas como rudes vitrais das casas construídas com as técnicas de bioconstrução, esculturas de peixes nas paredes, formas retorcidas e impossíveis lembram muito o conjunto de obras do arquiteto catalão Antoni Gaudí, que desenvolveu uma linguagem própria, escultural, trabalhando com estruturas complexas, inspiradas muitas vezes em formas observadas na natureza e que tinha um estilo orgânico.

Sete de suas obras foram classificadas como patrimônio mundial pela UNESCO, Fundo da Organização das Nações Unidas (ONU) para Educação e Cultura, como a Basílica e Templo Expiatório da Sagrada Família, um dos monumentos mais visitados na Espanha. 

Seis projetos arquitetônicos têm influência da arquitetura neogótica, mourisca (árabe) e tradicional catalã. Destacou-se na cena de Barcelona do fim do século XIX e início do XX, fazendo parte do movimento modernista catalão, juntamente com outros grandes arquitetos, como Domènech i Montaner e Puig i Cadafalch.

As formas da natureza estão presentes nas construções de Gaudí. A paisagem serviu de inspiração para suas edificações. Como árvores, as colunas da Sagrada Família se ramificam em direção aos céus e os arcos nos sótãos de seus edifícios são similares a esqueletos. Os movimentos sinuosos dos bancos, fachadas e balcões lembram o movimento das ondas do mar de Barcelona.

Os elementos naturais estão presentes nas formas, no mobiliário, na decoração. As próprias edificações propostas por Gaudí lembram seres vivos, como a Casa Batlló, que se assemelha a um dragão adormecido, com suas bancadas ósseas e cobertura escamada.

A Casa Millá poderia ser uma montanha, curvilínea e com uma fortaleza bem guardada localizada em seu cume.

Gaudí recorria à simplicidade da natureza para resolver problemas arquitetônicos. A prática de fazer maquetes em escala real foi algo que marcou sua maneira de projetar, pois raramente desenhava os projetos detalhadamente, preferindo modelar e criar os detalhes à medida em que a obra era concebida. O que pode ser visto na maquete da Basílica da Sagrada Família, em Barcelona.

A reutilização e reciclagem, como pedaços de cerâmicas de Gaudí, inspiraram o arquiteto César Augusto Costa, de São Paulo, no projeto do Raízes Eco Hostel. (E.R.)



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


Tópicos
SEÇÕES