“Fantástico” revela esquema de empresa de ônibus que opera no Piauí

“Fantástico” revela esquema de empresa de ônibus que opera no Piauí

Ônibus legalizado pelo "Fantástico" para operar em linha para o Piauí | Reprodução
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O ?Fantástico? deste domingo veiculou reportagem revelando um esquema ilegal de venda de sentença judicial para operação irregular de ônibus interestaduais com atuação no Piauí. Um ônibus em péssimas condições de uso adquirido pela reportagem recebeu autorização judicial para circular livremente na linha entre São Paulo e o Piauí através da compra de uma liminar concedida à empresa Transporte Coletivo Brasil. Por R$ 7 mil, foi possível legalizar um ônibus sem condições de viagem para operar entre o município de Picos e a capital de São Paulo.

O produtor do ?Fantástico? simulou ser dono do ônibus, que tem 17 anos de uso. Nem pintando, deu para disfarçar os problemas. ?Um ônibus com tecnologia ultrapassada. Não é um ônibus recomendável para uma viagem de longa distância?, afirma Júlio Cesar de Zanbom, chefe da divisão de fiscalização de trânsito da PRF.

A reportagem ligou para o escritório da empresa Transporte Coletivo Brasil, em São Paulo, com uma pergunta: ?tem jeito de pôr esse veículo para transportar passageiros??. ?Você procura o Santana?, diz uma atendente. Santana é Ivonaldo Santana [Foto]. Foi marcado um encontro na rodoviária da Barra Funda, na capital paulista. Santana se apresenta como gerente da empresa, também chamada de TCB, Transacreana ou Transbrasil.

?O que vêm de pessoas pedir para rodar. Faz fila. Hoje, estamos com 350 carros. Eu sou gerente da empresa?, diz o suposto gerente da Transbrasil.

Como a Transbrasil não tem autorização dos órgãos que regulamentam o transporte de passageiros, ela entrou na Justiça para tentar ter o direito de fazer viagens de um estado para outro. Em 2009, a empresa conseguiu uma liminar, que é uma autorização judicial provisória. Foi concedida pelo desembargador Daniel Paes Ribeiro [Foto], do Tribunal Regional Federal da primeira região, em Brasília.

A decisão autoriza a empresa a transportar passageiros por cinco linhas, que cruzam o país. Ivonaldo Santana oferece duas opções. Pagando R$ 7 mil, é possível receber uma cópia da liminar e pegar passageiros em pontos clandestinos, no meio da rua. ?Só para colocar o carro na empresa Transbrasil, você já gasta R$ 7 mil. Tudo que você precisa, a gente fornece. Como se fosse a empresa passar para você uma autorização para você rodar?, explica.

O que ele quer vender não poderia ser transferido para ninguém. Deveria beneficiar só a empresa. E para sair de uma rodoviária, fica ainda mais caro. ?Na rodoviária, nós estamos cobrando R$ 10 mil por carro. Cada carro?, afirma.

Para participar desse comércio proibido, que ameaça a vida dos passageiros, tem mais um passo. É preciso fazer um contrato. Como se a Transbrasil estivesse alugando o ônibus e sendo responsável por ele. Mas, na prática... ?Uma coisa você tem colocar na sua cabeça: o negocio é seu. O negócio é seu?, garante.

?A liminar é dada para uma empresa. É essa empresa que tem que operar. A liminar não é objeto de negociação. Isso é um absurdo. Isso é uma ilegalidade?, disse Sônia Hadad, superintendente de serviços de transporte de passageiros (ANTT) [Foto].

E se o ônibus for parado pela fiscalização? O homem que se apresenta como gerente da Transbrasil diz que entrega uma pasta. Que tem um nome curioso: o kit liminar. ?Você só vai viajar com essa pasta na sua mão. A cópia da liminar. Vai tudo. Uniforme, gravata, crachá. A fiscalização parou você na estrada, você apresenta todos os documentos que vamos te fornecer?, explica.

?Totalmente ilegal. Documentos que vão induzir a fiscalização a deixar essas empresas trafegarem livremente?, aponta Ruvenal Farias, inspetor da Polícia Rodoviária Federal [Foto].

Na primeira quinzena de maio, a Polícia Rodoviária Federal fez uma operação de combate ao transporte irregular de passageiros, na Bahia. Ao todo, 63 veículos foram apreendidos. E 23 deles andavam irregularmente com a liminar da Transbrasil. Sem saber que era gravado, o dono de um ônibus confirma o esquema: ?Você compra a liminar para poder rodar com o nome deles. Na verdade, você continua com o ônibus no seu nome. A gente paga R$ 5 mil ao ano. Nós pagamos para trabalhar?. Após conferir o kit liminar e os crachás, uma constatação: nenhum dos motoristas parados pela polícia é funcionário da Transbrasil.

Nos crachás, consta que os motoristas fizeram exame médico e que estão aptos a dirigir. Mas um deles admite que não fez nenhum exame: ?Eu não fiz nenhum exame, já me deram o crachá pronto?, conta um deles.

ACIDENTE

O inspetor Ruvenal Farias diz que o passageiro que viaja com uma empresa dessas não tem nenhuma garantia. ?Exemplo disso é o acidente de dezembro que ocorreu na BR 116, na Bahia?, acrescenta ele. Foi assim: um ônibus que rodava com a liminar da Transbrasil levava 42 passageiros. A grande maioria, trabalhadores rurais. Ao todo, 36 pessoas morreram: 33 cortadores de cana, os dois motoristas e o agente de viagem do ônibus que rodava com a liminar da Transbrasil.

O ?Fantástico? esteve em Buíque, Pernambuco, terra natal da maioria das vítimas. Dona Marta perdeu 4 filhos. ?Deus me deu coragem que eu vi meus 4 filhos, todos os 4, eu vi dentro do caixão?, lamenta Marta Maria da Silva. Também foram localizados três sobreviventes.

Jorge Batista da Silva conta que entrou no ônibus achando que ele estava legalizado e diz que até hoje a empresa não o ajudou em nada. Um dos motoristas do ônibus era José da Silva, 33 anos. Ele recebia R$ 500 por viagem. ?Ele não era funcionário da Transbrasil, mas da JM, lá de Buique, que é o dono do ônibus. No dia do acidente ele não estava registrado?, conta a viúva Maria Rejane Lopes. A viúva não sabe se vai conseguir receber a pensão do INSS.

O dono da JM Buíque falou por telefone. José Milton dos Santos reconheceu que pagou à Transbrasil para ter a liminar. E disse que o seguro das 36 vítimas fatais do acidente será pago. Ele não informou o valor. ?Já foi pego na Bahia o documento, então está tudo ok?, diz.

VIAGEM

Os produtores Bruno Tavares e Alexandre Dantas viajaram em um ônibus da Transbrasil. Os ônibus começam a viagem da Rodoviária de Osasco, na grande São Paulo, o que a liminar não permite. A empresa que administra o terminal e o do Tietê informou apenas que respeita as ordens judiciais.

É de Osasco que os produtores partem para Picos, no Piauí: uma viagem de 2,6 mil quilômetros. O cheiro de urina é forte. Há fios elétricos expostos. E o ônibus roda como se fizesse a linha Cubatão-Fortaleza, uma das autorizadas pela Justiça.

Depois de 10 horas de viagem, o ônibus onde está nossa equipe simplesmente parou na estrada. A mangueira do óleo furou. O ônibus volta para estrada, mas por apenas 10 minutos. Continua vazando óleo. Uma hora depois, estourou uma mangueira e fica difícil usar o freio.

Com tantos problemas, a viagem, que deveria durar 39 horas, teve um atraso de quatro horas. São dois motoristas. Um chegou a trabalhar 12 horas seguidas. Em vários momentos, o ônibus andou acima do limite de velocidade.

SIVI TUR - OEIRAS

Os produtores chegam em Oeiras, na garagem da Sivi Tur, uma empresa de fretamento. O ônibus e os motoristas são, na verdade, dessa firma, que usa a liminar da Transbrasil. O dono é Sivirino da Silva Filho. Como a passagem comprada era para Picos, e não Oeiras, o restante da viagem, de 80 quilômetros, foi improvisado, de carro. Depois de quase dois dias de viagem, finalmente os dois chegam ao destino.

O Fantástico ligou várias vezes para Sivirino da Silva Filho, mas ele não atendeu.

ALETA E MULTA

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) disse que já tinha alertado o desembargador sobre a venda da liminar. ?A ANNT informou, por meio da sua procuradoria, à Justiça sobre o ocorrido?, afirmou Sônia Hadad.

O dono da Transbrasil já foi acusado de crimes como formação de quadrilha e estelionato. Foi prefeito de Ouro Preto do Oeste, Rondônia, e teve o mandato cassado, em 2007, por usar o cargo em benefício da empresa dele.

Segundo a ANNT, a Transbrasil já foi autuada mais de 5.500 vezes. As infrações chegam a R$ 16 milhões. O desembargador que concedeu a liminar informou que vai pedir à Polícia Federal que investigue todas as denúncias apresentadas na reportagem do ?Fantástico?.



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