Memória

Coluna sobre fatos históricos, acontecimentos e pessoas que marcaram a história da humanidade

Centenas de estudantes morreram no massacre da Praça da Paz Celestial

Nunca se esclareceu quantos estudantes morreram nessa ação criminosa do governo chinês.

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Um dos maiores massacres contra seres humanos em toda a história, está fazendo hoje 32 anos. Foi quando milhares (calcula-se cerca de 40 mil) e poderosos tanques de guerra invadiram a Praça da Paz Celestial, em Pequim, na China, e saíram disparando a esmo contra milhares de estudantes que há dias se reuniam no local para protestar contra o governo, pedindo democracia e abertura política. Enquanto os soldados disparavam suas armas, os tanques de combate atropelavam os estudantes desarmados, causando centenas de mortes. A data é 4 de Junho de 1989.

Nunca se esclareceu quantos estudantes morreram nessa ação criminosa do governo chinês. As próprias autoridades governamentais admitiram “quase 300 mortos”, mas o embaixador do Reino Unido em Pequim revelaria depois que foram 10 mil mortos e a Cruz Vermelha chinesa falou em 2.700. O que sobra de muito claro nessa história, é que sendo “300” ou 10 mil mortos, tem-se aqui uma das mais trágicas e vergonhosas passagens da nossa história.

Massacre da Praça da Paz Celestial faz hoje 32 anos - Foto: Reprodução

Conforme relato de Wuer Kaixi, 51 anos, dissidente chinês, hoje vive exilado em Taipei (Taiwan),

"Na noite de 3 de junho de 1989, o regime chinês deu ordens ao Exército para limpar as ruas e a Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial) a todo custo. Eles usaram munições reais, e tanques passaram por cima de pessoas. Foi um dos períodos mais sangrentos da história moderna. O massacre de Tiananmen colocou a China de volta à direção oposta da abertura e da reforma, para além da democracia e da liberdade civil. Também estabeleceu o medo na China. É isso o que o regime chinês tem usado para comandar o país nos últimos 30 anos: medo e mentira.

A razão pela qual o regime decidiu levar adiante o massacre foi porque viram o risco de perderem o controle do poder.”

Massacre é um dos mais trágicos e vergonhosos de toda a história - Foto: Reprodução

Sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial Fang Zheng, 53 anos, vive em São Francisco. É motorista de Uber e trabalha com a Airbnb. Perdeu as duas pernas no massacre, ao ser atropelado por um tanque de guerra.

"Era apenas um participante comum do Movimento Tiananmen. Eu era estudante na Universidade de Esportes de Pequim. Não fui um líder nem tive muito impacto. No começo, atuei como observador e, gradualmente, me tornei um participante ativo, assim como muitos se envolveram em responder à forma como o governo chinês lidava com as demandas estudantis. Comecei a me envolver mais depois que os estudantes começaram a greve de fome, ainda que eu não tenha participado dela. Eu bloquei caminhões militares e protestei depois da declaração da Lei Marcial. E me tornei um dos membros determinados a ocupar a Praça Tiananmen até o massacre.

Depois de ficar dois dias na universidade, retornei a Tiananmen na manhã de 3 de junho, depois que um grupo de quatro pessoas começou nova greve de fome na véspera. Uma delas era Liu Xiaobo, que ganhou o Nobel da Paz em 2010. Na tarde de 3 de junho, a atmosfera na praça era bizarra. Senti algo anormal, quando nós bloqueamos cerca de 500 soldados que vinham de uma saída secreta do subsolo, no lado oeste do Grande Salão do Povo. As tropas não carregavam armas. Os soldados e os civis lançaram pedras uns contra os outros. Houve feridos de ambos os lados. Eu era membro da linha de piquetes dos estudantes e tentava acalmá-los. À noite, as transmissões na CCTV soaram sinistras, como se os assassinatos fossem iminentes. Imaginamos que aquele seria um momento crucial, queríamos testemunhar a história e estávamos determinados a permanecer na praça, que se tornara nossa base e símbolo do movimento estudantil.

Tanques cercavam os estudantes que protestavam na região - Foto: Reprodução

Ficamos na praça, enquanto as tropas nos cercavam. Uma jovem estudante de nossa universidade veio até mim e parecia assustada. Pedi a ela que ficasse do meu lado. Mais tarde, as tropas e os tanques entraram em Tiananmen de todas as direções e nos cercaram. Estávamos sentados ao norte do Monumento aos Heróis do Povo. Às 4h30, fomos expulsos. Então, caminhamos para a Avenida Chang;an (Avenida da Paz Eterna) rumo a oeste, onde ficava a nossa universidade. Éramos cerca de 2 mil estudantes. Às 6h, chegamos à avenida. Em uma área chamada de Liubukou, fomos emboscados e perseguidos por tanques. Não previmos o ataque, pois tudo estavam bem calmo, apesar de escombros e de manchas de sangue pelas ruas, além de caminhões militares em chamas. Não havia confronto entre civis e tropas.

Então, bombas de gás venenoso explodiram, lançadas pelos tanques. Estávamos na ciclovia no lado sul da Avenida Changan. Havia muita fumaça e eu não podia ver muito. Comecei a sufocar pelo gás. A estudante que estava comigo entrou em pânico e desmaiou. Eu a levantei até a calçada e ajudei-a a apoiar-se na cerca, entre a ciclovia e a calçada. Foi um gesto muito rápido. Eu estava atrás dela. Então, caí quando o tanque se aproximou de nós. Não havia como escapar. Não pude vê-lo na fumaça. Eu me virei e vislumbrei o soldado apontado o canhão do tanque para mim. O tanque passou por sobre minhas pernas. Não senti qualquer dor na hora. Apenas que minhas pernas estavam sendo espremidas. Minha mente estava clara. Minhas roupas e calças estavam misturadas aos trilhos do tanque, enquanto ele me arrastava para a frente, até que tombei. Eu me encostei na cerca e desmaiei. Quando acordei, estava no hospital.

Dois estudantes de nosso grupo foram atingidos por um tanque por atrás. A colega que estava comigo ficou esmagada e se transformou um monte de carne. Outro cara teve os quadris esmagados e ficou hospitalizado por um ano. Acredito que, à medida que o Partido Comunista da China enfraquecer, as pessoas vão superar seus medos e falar sobre o que aconteceu em Tiananmen. O 30; aniversário é uma oportunidade para elas se manifestarem."

Sobrevivente do massacre da Praça da Paz CelestialFengsuo Zhuo, 51 anos, vive hoje em Newark (Nova Jersey, EUA). Cofundador e presidente do Humanitarian China e líder estudantil durante os protestos em Tiananmen. Foi estudante de física na Universidade Tsinghua. Era o número 5 na lista dos mais procurados após o massacre. Ficou um ano na prisão e comandou uma ação civil contra o ex-premiê Li Peng, em 2000

"O governo chinês cometeu crimes hediondos no massacre de Tiananmen. As autoridades são caçadas pelo fantasma de Tiananmen. Não importa o quão poderoso o Partido Comunista da China pareça, ele perdeu a legitimidade por completo. Por isso, teme lembrar Tiananmen. A repressão mostra que o povo chinês se recorda do que ocorreu 30 anos atrás.

Eu passei a noite de 3 de junho de 1989 perto do Monumento aos Heróis do Povo, no centro da Praça Tiananmen. Pude sentir o odor do gás lacrimogêneo assim que me aproximei pela primeira vez de Tiananmen, no dia 3. Na madrugada, ouvi tiros disparados de todos os cantos da praça, além de helicópteros sobrevoando a região. Era como uma zona de guerra, exceto o fato de que éramos apenas estudantes e não havia armas. Vi tropas e tanques de guerra, além de blindados com metralhadoras. Por volta das 5h de 4 de junho, fomos expulsos de Tiananmen. Os tanques estavam a apenas 3m de mim. Fui espancado com bastões e com coronhadas. No caminho de volta para a Universidade Tsinghua, vi 40 corpos colocados no chão perto de um hospital. Provavelmente, o hospital estava tão lotado que tiveram de colocar os cadáveres do lado de fora.

Dez dias depois do massacre,vi o meu nome na lista dos mais procurados. Eu era o número 5 de 21 líderes estudantis caçados pelo governo. Fiquei chocado e profundamente orgulhoso de mim mesmo, pois eu acreditava que era um grande movimento.

O governo comunista escolheu um caminho errado ao assassinar manifestantes pacíficos. Por isso, bloqueou para sempre o rumo para uma transformação de poder pacífica. Hoje, temos campos de concentração e advogados são presos. Isso tem raízes em 1989. As demandas de três décadas atrás ainda são muito importantes para a China de hoje.

O massacre foi planejado em abril de 1989. Den Xiaoping somente falou sobre matar estudantes apenas 10 dias depois de começarmos os protestos. Mais de 300 mil soldados foram usados no cerco a Pequim. Eles planejaram a invasão de sua própria capital. Parece que tudo foi planejado por Deng Xiaoping e por uma minoria dentro do Partido Comunista.

Eles ficaram com medo dos manifestantes, pois o que queríamos, a democracia, colocaria fim ao monopólio do poder e à sua capacidade de corrupção. A democracia estava tão próxima, estávamos perto de alcançá-la. Sofri pequenas lesões no braço e nas costas. Nunca saberemos o número exato de mortos. Algumas famílias simplesmente desapareceram nos últimos 30 anos. O massacre é um estigma para muitas famílias de sobreviventes. O massacre de Tiananmen colocou a causa da China comunista na repressão brutal a todas as frentes dos direitos humanos. A liberdade de expressão foi sistematicamente privada."



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