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Brasil é o país que mais exige tempo para o pagamento de impostos

Brasil é o país que mais exige tempo para o pagamento de impostos

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Enquanto a reforma tributária não avança no Congresso, o Brasil é o país em que as empresas gastam o maior número de horas no mundo com gestão de tributos. É o lanterna do ranking de horas anuais dedicadas à burocracia dos impostos, segundo o Doing Business, relatório do Banco Mundial que avalia o ambiente de negócios em 190 países. Numa empresa com faturamento médio de R$ 7,1 bilhões ao ano, esse tempo se aproxima de 34 mil horas, mostra estudo da consultoria Deloitte.

Na prática, é um custo que morde a produtividade, minando a competitividade e repelindo investimento estrangeiro. O fardo é ainda maior para empresas de médio porte, freando a expansão dos negócios, que poderiam avançar em produção e, por consequência, na geração de emprego, renda e arrecadação.

— É o sistema mais complexo do mundo, surreal. Infelizmente, é mais uma “jabuticaba” que colabora para a desindustrialização. Joga contra a produtividade, contra a economia, contra o próprio país. E, na ponta, atinge o consumidor, sempre a maior vítima — destaca Patrick Sabatier, diretor de Relações Institucionais da L’Oréal Brasil.

Publicado em 20/02/2020 - Superintendência da Receita Federal, em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Foto: Marcelo Camargo / Agência O Globo 

Empresa que não consegue lançar produto porque não há código tributário a pequenas empresas que preferem não crescer para não pagar mais imposto  são exemplos de como a confusão tributária freia o crescimento.

A Leader vem trabalhando para desenvolver pólos de fornecedores dentro do Estado do Rio. Essa rede fluminense já responde por mais de dois terços dos produtos vendidos pela varejista, mas não é fácil expandi-la.

— Tentamos convencer alguns pequenos fornecedores a sair do Simples e avançar. Mas a complexidade tributária que ele vai enfrentar e os gastos que isso traz fazem com que ele continue como pequeno — comenta André Peixoto, CEO da varejista.

Para ele, a reforma tributária tem de simplificar o conjunto de impostos, alcançando ICMS e ISS, para conseguir fazer com que pequenos ultrapassem a “arrebentação” para se tornarem grandes:

— Seriam pontos no PIB para cima.

Feijoada congelada ficou nos planos

A complexidade tributária é tamanha quando se fala em ICMS que pode tirar produtos do mercado, relata Marina Thiago, gerente de políticas públicas da Endeavor.

— Temos o exemplo de uma empresa de São Paulo que queria lançar uma feijoada congelada. Havia quatro alíquotas diferentes previstas, listando quase a receita pronta do prato, mas não se adequaram ao produto.

Para ela, está faltando aproximação entre as empresas contribuintes e o Fisco:

— Há muitas zonas cinzentas nas legislações e nas atualizações de obrigações. É preciso acabar com tantas exceções e, também, que esses dois lados estejam na mesma página para incentivar a expansão dos negócios — diz Marina.

Equipe tributária maior que a de vendas

As médias empresas sofrem ainda mais com a burocracia tributária. Elas não têm a estrutura das grandes — em equipe, software e equipamentos — para dar conta das demandas na área tributária.

— Tem empresas com equipes tributárias maiores que as de vendas e de marketing. Não conseguem negociar um benefício fiscal ou optar por abrir operação em outro estado. As scale-ups (empresas de alto crescimento) têm a pior situação. Não podem mais ficar no Simples. Entram na briga com grandes, mas ainda estão crescendo — diz Marina, da Endeavor.

Mesmo benefícios fiscais, diz ela, têm de ser avaliados para não favorecerem poucas empresas em vez de um setor.

Mudou insumo, mudou impostos

A complexidade tributária contribui ainda para frear a expansão de negócios no país. Uma empresa de construção civil, por exemplo, conta a gerente de políticas públicas da Endeavor, que quer atuar utilizando componentes pré-fabricados, de montagem, acaba desistindo desse projeto:

— Se essa empresa atua em serviços, ela paga menos imposto. Se industrializa algum serviço, paga bem mais. Ela poderia produzir mais e melhor, mas escolhe ficar em serviços. É injusto. Afora que, nesse ponto, não há competição em pé de igualdade, porque as grandes empresas levam vantagem por já contarem com uma estrutura de gestão tributária estabelecida — destaca Marina Thiago.

27 funcionários só para gerir tributos

A filial brasileira da francesa do setor de beleza é a única a contar com um departamento inteiro dedicado à gestão de tributos, somando 27 profissionais, sem as consultorias externas. Nos demais países, essa equipe tem de uma a duas pessoas, diz Bárbara Cszesny, diretora fiscal da L’Oréal:

— Somos uma exceção no mundo. Os outros países trabalham com o IVA (imposto único sobre bens e serviços), que é mais transparente. Aqui, é complexo. E nossa direção internacional de tributos já sabe disso. Nosso time fiscal tem especialistas em legislação tributária e em tecnologia, são muitas regras e muitas mudanças o tempo todo, regimes especiais por setor, exigências em diversas frentes, incluindo a nota fiscal eletrônica.

Para lançar um produto, a L’Oréal investe em pesquisa e testes junto ao consumidor. Mas, para bater o martelo sobre a novidade, ela reúne as equipes fiscal e de planejamento financeiro:

— É claro que há também o peso de insumos em dólar, mas é preciso avaliar o custo tributário para elaborar o preço de venda. Quando entra tudo, se não se chegar a um valor competitivo, podemos desistir de lançar um produto no Brasil — diz Bárbara.

Ao menos, pelo porte, a gigante diz não sacrificar aporte em outras áreas em razão do gasto com o compliance tributário. Não é, contudo, a realidade de empresas menores. O estudo da Deloitte mostra que, para uma empresa com faturamento anual de R$ 45 milhões, a cada R$ 1 milhão em vendas, ela precisa de 66 horas para cuidar de declarações, informações e pagamento de impostos. No caso de uma com faturamento de R$ 7,1 bilhões, esse tempo tomba para apenas cinco horas.

Menos eficiência

Acaba sacrificado o empresário que está tentando fazer seu negócio crescer, diz Gustavo Rotta, sócio da área de Consultoria e Tecnologia Tributária da Deloitte:

— Vem o Fisco com um arsenal de exigências para as quais o negócio não está preparado. A empresa que usa o Simples fica protegida. Depois, a régua sobe muito em custo, mesmo quando passa para o regime de lucro presumido. Um pequeno e-commerce tem a mesma burocracia da B2W. Ou seja, não basta reformar os tributos, é preciso discutir gestão tributária. É o que custa caro, mina eficiência e competitividade.

A trava ao avanço é observada na prática, conta André Peixoto, à frente da Leader, com 97 lojas e em reestruturação:

— Para quem fatura entre R$ 100 milhões e R$ 200 milhões, fica quase inviável, porque vai pagar o mesmo que a Leader paga a um gerente fiscal. E, no varejo, o sistema do ICMS é um hospício.

Rafael Porto, diretor financeiro do Grupo Trigo, com 420 restaurantes de marcas como Spoleto e Koni, destaca a alta em custos:

— O custo tem aumentado ao longo do tempo pelo ganho de complexidade do sistema (tributário), o que leva a uma necessidade constante de qualificação da mão de obra.

Sistema trava produção

As empresas brasileiras gastam, em média, 1.501 horas por ano cuidando de obrigações relacionadas a tributos, considerando pequenas, médias e grandes, de acordo com o Doing Business 2019, edição mais recente do relatório do Banco Mundial. É cinco vezes a média gasta pelos países da América Latina e Caribe.

O tempo gasto pelas empresas com a gestão de tributos relacionados a bens e serviços poderia cair em 68% com a aprovação de uma reforma tributária baseada nas propostas que estão no Congresso, mostra estudo da Endeavor.

— É algo que consome recursos numa atividade meio, que não gera valor. Quanto mais um negócio se desenvolver, maior será a arrecadação. Só que o sistema faz ele produzir menos do que poderia — alerta Marina Thiago, gerente de políticas públicas da Endeavor.

Apesar da expectativa de aprovação da reforma tributária em oito meses, colocada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), como prioridade de suas gestões, a proposta segue parada no Congresso. O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator do projeto, está trabalhando na versão final do documento, mas não há previsão para a leitura.

A Comissão Mista da Reforma Tributária, que tem como prazo final o dia 31 de março, não tem nenhuma atividade marcada para as próximas semanas. Os trabalhos da comissão já haviam sido prorrogados duas vezes e podem ser estendidos novamente.



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