Sapato, máscara, planos, saudades: vida e morte de Firmino Filho

Os sapatos, o simbolismo do trabalho, aquilo que calçamos para ir à rua, adentrar na esfera pública, ficou para trás, mas a máscara, não

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Por Sávia Barreto

Os gestos revelam o que as palavras calam. Ficaram para trás os sapatos do ex-prefeito de Teresina, Firmino Filho, após ser encontrado sem vida no chão em frente ao edifício Manhattan River Center, na zona Leste. Os sapatos, o simbolismo do trabalho, aquilo que calçamos para ir à rua, adentrar na esfera pública, ficaram para trás, mas a máscara, não - como lembravam amigos e políticos que estiveram no local na última terça-feira, 06.

"Máquina de trabalhar"

Firmino, que teve boa parte de sua vida sob os holofotes da política, era uma “máquina de trabalhar’, como diziam seus correligionários ao encontra-lo cumprindo extenuantes agendas de campanha e também no exercício dos cargos aos quais foi eleito, seja como prefeito, vereador ou deputado. Mas máquinas precisam de manutenção, reparação... e podem parar de funcionar quando aquilo que as move deixa de girar com os elementos dosados corretamente. É preciso atenção, porque máquinas parecemos, mas máquinas não somos.

De máscara

Como a imprensa noticiou na cobertura de seu falecimento, o corpo de Firmino foi encontrado com a máscara que ele usava e defendia de proteção à Covid-19. Firmino, conhecido no meio político por pensar em cada detalhe dos seus próximos passos, acreditava na Ciência, que ele utilizava para embasar suas decisões como gestor. O sapato, foi-se a vida. A máscara, a missão que fica como símbolo do trabalho em vida.

O trabalho

A polícia apura as circunstâncias da queda do 14º andar do prédio, local de trabalho do ex-prefeito. Ele era concursado do Tribunal de Contas da União (TCU), que funciona lá. Foi no local que ia para trabalhar, o trabalho que tanto marcou sua vida, que Firmino também deixou a existência terrena. 

O choro

No local, durante a tarde e a noite, uma pequena multidão - a maioria de máscara - resistia a ir embora enquanto o corpo não fosse também. E demorou, burocracia necessária da polícia antes que o carro do IML o levasse. A quem queria filmar o corpo - e foram muitos - também eram ouvidas reprimendas e pedidos de respeito à família e amigos enlutados. Uma mulher chorava copiosamente e precisou ser amparada. Políticos, com os olhos aguados, em choque, perguntavam entre si: "o que houve?", "não entendo", e ouviam de volta: "também não sei". Reliam mensagens que trocaram com Firmino nos últimos dias. 

Nas redes sociais, fervilhavam incredulidade e homenagens. Uma internauta cravou o sentimento coletivo: "O Firmino foi nosso prefeito por tantos anos que é como se fosse alguém da família sei lá, um símbolo teresinense". Outra sintetizou no Twitter: "Firmino ajudou a salvar muitas vidas em 2020. Vai ser lembrado não pelos retornos e nem pelo trânsito. Mas sim, como o prefeito que deu tudo para salvar vidas durante a pandemia, que não cedeu a pressão de empresários e pais de ricos".

Após eleição, Firmino estava mais discreto, mas fazia planos

Após a eleição de Dr.Pessoa e derrota do grupo político que representava, Firmino Filho deixou temporariamente a visibilidade da vida pública, mantendo contato com alguns políticos mais próximos, mas também fazendo planos para o futuro. Evitava dar entrevista, passou meses sem usar as redes sociais e retornou nas últimas semanas, pontualmente ainda, ao Twitter. A especulação é de que Firmino deixaria o PSDB e se filiaria ao Progressistas. Os políticos que tratavam com ele discutiam nos bastidores as estratégias da oposição em 2022. Firmino seria protagonista desse futuro pleito, todos concordavam. Independente de gostar dele ou não como político, Firmino Filho não poderia ser ignorado em nenhuma conjectura de futuro eleitoral no Piauí. E alguns até mesmo avaliavam que ele poderia estar forte, se assim quisesse, para uma disputa municipal em 2024 na capital.

Última conversa política

O ex-secretário de Governo, Fernando Said, esteve com Firmino na noite anterior à sua morte. Falaram de tudo, incluindo política, e Fernando conta que brincaram sobre o fato de o ex-prefeito estar de mudança da casa onde residiu quando era gestor, para um apartamento, onde teria que passar por um período de adaptação dos cachorros da família. Reuniões políticas agendadas para os próximos dias, planos sendo tocados, todos os vereadores e presidentes de partido com quem conversamos relatam não terem percebido nenhuma mudança perceptível na postura de Firmino que denotasse motivo maior de preocupação. A introspecção era natural nele, às vezes para mais, ou para menos.

"Volta, Firmino"

Com índices alarmantes de contaminados pelo novo coronavírus em Teresina, a imagem de Firmino foi fortalecida nas últimas semanas com internautas e populares comparando-o ao atual prefeito numa campanha chamada “volta Firmino”. O prefeito comprou briga com setores comerciais e políticos ao defender medidas mais rígidas de distanciamento social na pandemia. Agora, colhia respeito e agradecimento da população pela coragem num momento em que as ações foram tão impopulares quanto necessárias.

Falar com responsabilidade

O escritor Andrew Solomon, autor do livro “Um crime da solidão - Reflexões sobre o suicídio" (Companhia das Letras) e professor de psicologia clínica na Universidade Columbia alerta para que se discuta casos de suicídio com responsabilidade: “Se no Brasil isso não é informado porque é visto como algo muito horrível, vergonhoso ou capaz de abalar as pessoas, essa cultura do silêncio pode ser nociva. As pessoas precisam sentir que esse tema é algo de que se pode falar abertamente, como se fala de homicídios ou de câncer”.

Ele diz que “pessoas muito bem-sucedidas tendem a ser perfeccionistas, almejam patamares impossíveis. (...) Pessoas que são muito introspectivas e que tentam entender o mundo e a si mesmo geralmente chegam à conclusão de que o mundo é muito grande e complicado e que elas são pequenas e tristes. Essa auto-investigação pode levar ao desespero. Parte do motivo porquê conseguirmos tocar a vida é que nos ocupamos de coisas triviais, como o que vamos almoçar, em vez de qual é o sentido da vida”. A depressão, que muitas vezes desencadeia casos de suicídio, é um problema médico e social. Não é falta de fé, nem de coragem. É uma doença, que tem tratamento, lembra o especialista.

Como buscar ajuda

Em Teresina, a FMS mantém o PROVIDA, que é um ambulatório especializado e fica localizado no Centro de Saúde Lineu Araújo, no centro sul da cidade. O local conta com psicólogos e psiquiatras e atende por demanda espontânea. Também há sete Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que possuem equipe multiprofissional e acolhem pessoas com transtornos mentais severos. Agora, em caso de urgência psiquiátrica, como surto psicótico ou tentativa de suicídio, a população pode acionar o SAMU, por meio do número gratuito 192 ou ir por meios próprios para o Hospital Areolino de Abreu, local que possui psiquiatras 24 horas e é o hospital referência em atendimento de urgência psiquiátrica. Outra opção é se dirigir aos CAPS.

Conheça também as organizações filantrópicas que contribuem com a prevenção do suicídio em Teresina:

1.Centro de Valorização da Vida (CVV) – Telefone: 188 (disponibiliza linha telefônica para conversa amiga);

2.Centro Débora Mesquita (CDM) – Telefone: (86)99827-3343/ 98894-5742 (faz palestra sobre doenças mentais e suicídio, fornece atendimento psicológico e tem grupo destinado às pessoas que perderam um ente querido por suicídio);

3.Grupo Contato Apoio Contato e Esperança (GRACE) – Telefone: (86)3237-0077/3237-0202 (disponibiliza linha telefônica para conversa amiga, atende presencialmente na sede e também faz visita domiciliar).

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