Vírus da tristeza? Neurocientista considera depressão doença infecciosa

Acredita-se que a depressão clínica, ou transtorno depressivo, seja causada por uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e biológicos

Depressão | Reprodução
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Todos sabemos que o cérebro das pessoas com depressão é diferente do cérebro de pessoas saudáveis, em termos de equilíbrio químico e de estrutura, mas, apesar de aproximadamente 10% da população dos EUA sofrer da doença, cientistas sabem espantosamente pouco sobre as razões dessas mudanças.

Acredita-se que a depressão clínica, ou transtorno depressivo, seja causada por uma combinação de fatores genéticos, ambientais, psicológicos e biológicos. Mas um cientista acha que não demos atenção suficiente a fatores biológicos que podem representar a parte do quebra-cabeças que está faltando.

Num artigo novo e intrigante o Dr. Turhan Canli, professor de neurociência integrativa na Universidade Stony Brook, defende que a depressão seja vista como uma doença infecciosa desencadeada por invasores externos como parasitas, bactérias ou vírus que penetram no corpo e provocam mudanças no cérebro.

Publicado recentemente no periódico Biology of Mood & Anxiety Disorders, o artigo destaca três vias diferentes através das quais infecções podem gerar depressão, analisando exemplos existentes de parasitas, bactérias e vírus que sabidamente afetam o estado de ânimo e o comportamento.

O Huffington Post conversou com Canli sobre sua teoria e as implicações dela para o tratamento futuro da depressão.

Quais sintomas da depressão apontam para a possibilidade de uma doença infecciosa estar à sua origem?

A maior pista é o fato de que a depressão com frequência está associada à inflamação. Inflamações podem ter origens diferentes – a origem não precisa necessariamente ser uma infecção --, mas, para mim, é quase intuitivo pensar em uma infecção de algum tipo.

Seria a ativação do sistema imunológico para reagir a algum tipo de doença infecto-contagiosa.

A opinião médica geral está aceitando a noção de que a inflamação pode exercer um papel na depressão, mas a ideia de que a depressão possa na realidade ser algo muito específico que decorre de parasitas, bactérias ou vírus, isso ainda é novo.

Se encararmos essa hipótese como uma possibilidade, ela abre novas maneiras de pensar a doença e também abre novas abordagens de pesquisa. É isso o que é útil neste momento.

Se estamos equivocados quanto às causas da depressão, como se explica que o tratamento tantas vezes funciona?

O modelo seguido nos últimos 60 anos reza que a depressão é uma doença emocional que está ligada ao cérebro. Esse modelo é útil até certo ponto.

Assim, por exemplo, identificamos neurotransmissores – principalmente a serotonina -- que estão desregulados nas pessoas com depressão grave, e assim, basicamente, todos os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (medicamentos) partem dessa descoberta.

Aprendemos um pouco sobre áreas específicas do cérebro que estão envolvidas na depressão; notamos mudanças estruturais nessas regiões cerebrais. Agora parece que estamos atolados, que não avançamos muito além dessas descobertas.

Quando se analisa o sucesso dos medicamentos desenvolvidos nas últimas seis décadas, vê-se que não houve muito movimento. Esses medicamentos não estão necessariamente mais eficazes do que eram 20, 30 ou 40 anos atrás.

Acho que isso se dá em parte porque não estamos compreendendo a razão pela qual esses neurotransmissores ficam tão diferentes e pela qual essas regiões cerebrais se modificam. Não compreendemos realmente os mecanismos subjacentes.

Em quais casos vimos agentes infecciosos afetar o estado de ânimo e o comportamento?

Existe alguma literatura científica sobre bactérias intestinais e probióticos. Temos mais de mil tipos de bactérias em nossos intestinos, e precisamos delas para fazer a digestão dos alimentos.

É possível que elas também exerçam um papel em nossos estados emocionais, tanto que pessoas que passaram por emoções negativas relatam que seu estado de ânimo melhora quando começam a tomar probióticos.

Essas pessoas podem apresentar uma redução nos sintomas de depressão e de ansiedade. Esse é um exemplo de bactérias exercerem um papel no estado de ânimo.

Existem alguns estudos sobre animais que mergulham mais fundo nos mecanismos potenciais. Há camundongos que foram criados para não terem bactérias intestinais – são camundongos livres de germes, superlimpos.

Quando eles são levados a um laboratório e são submetidos a estresse, manifestam uma reação muito forte ao estresse. Mas, quando recebem uma dieta de bactérias intestinais comuns, sua resposta de estresse se normaliza.

Portanto, é possível que as bactérias que temos em nosso intestino possam não apenas nos ajudar a digerir nossos alimentos, mas também exercer um papel em nosso bem-estar emocional.

Poderíamos virar essa afirmação do avesso e dizer “bem, existem bactérias benéficas, mas talvez também existam bactérias nocivas que, em vez de elevar nosso astral, poderiam nos deprimir”.

Houve um estudo epidemiológico que analisou a prevalência de um parasita particular em 20 países europeus.

Foi traçada uma correlação com índices de suicídio e identificada uma correlação positiva significativa. Bom, todos nós aprendemos em qualquer curso de introdução à ciência que correlação não significa causa, de modo que não sabemos o que significa esse dado, mas a correlação está ali.

Também há uma correlação com níveis mais altos de neurose autorrelatada como característica de personalidade. Tudo isso é muito preliminar, mas acho que pode ser um ponto de partida interessante.

Como fica o argumento de que a depressão seria genética?

Sabemos que os fatores ambientais são tremendamente importantes no caso da depressão grave. Se uma pessoa tem uma vida dificílima e coisas terríveis acontecem com ela, é provável que entre em depressão.

Mas também existe alguma contribuição de fatores genéticos. No entanto, quando procuramos esses fatores genéticos, temos dificuldade em encontrá-los.

Existe um gene transportador de serotonina que tem uma variação, então isso parece estar associado à depressão através do estresse sofrido na vida. Mas, tirando isso, ainda não conseguimos realmente identificar uma lista de genes que guardam alguma ligação estreita com a depressão.

Uma maneira de pensar sobre a possibilidade do humano como ecossistema, ou como hospedeiro de micro-organismos, é pensar que talvez tenhamos olhado o genoma errado. Talvez o que seja previsor de depressão sejam os genes dos parasitas, bactérias e vírus em nosso interior.

Como seria o tratamento da depressão em um mundo em que tentássemos atuar sobre um microbioma, em vez de sobre a química cerebral?

Em termos mais concretos, clínicos, o que isso significaria para um paciente é que, se algo disso for verdade, em algum momento poderemos saber quais micro-organismos procurar.

Quando você for a um psiquiatra e se queixar de sintomas depressivos, a primeira coisa que ele poderá fazer é lhe aplicar um exame de sangue para ver se você apresenta alguns desses biomarcadores de micro-organismos.

O tratamento seria prescrito de acordo com os resultados desses exames. Seria muito diferente do que é feito hoje, que é à base de tentativa e erro.

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