Fides Angélica: Cinco décadas formando cidadãos para democracia

Fides Angélica tem orgulho de sua carreira de docente e ensinado a tantos, hoje, advogados, juízes, procuradores, promotores de justiça e professores

Professora, advogada, jurista, conferencista e escritora, nascida em Floriano, no Sul do Piauí, Fides Angélica Omatti formou-se em Direito pela Universidade Federal do Piauí, em 1969, quando as carreiras jurídicas eram dominadas pelos homens. Licenciou-se em Letras em 1963, fez curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, em 1975, e concluiu seu mestrado em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1978.

Fides Angélica é procuradora do Estado do Piauí aposentada e foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí, professora catedrática da Fundação Universidade Federal do Piauí (Ufpi) e autora de livros clássicos em Direito como “Manual Elementar de Direito Judiciário”; “Estudos de Direito Público Comparado”, de 1977; “Estudos Sobre a Constituição Brasileira de 1924” e “À Luz das Ideias Políticas”, de 1969.


Orgulho por formar cidadãos conscientes de direitos e deveres

Com tantas atividades e reconhecida como jurista em todo o Brasil, Fides Angélica tem orgulho de sua carreira de docente na Universidade Federal do Piauí, na Escola Superior de Advocacia do Piauí e na Escola Nacional de Advocacia, que lutou para criar e foi uma de suas diretoras porque tem certeza que em cinco décadas de magistérios formou advogados, juízes, procuradores e promotores de Justiça, professores e, principalmente, formou cidadãos conscientes, base da democracia.

“Tive e continuo tendo, assim acredito, ativa participação política. Certo que sem uma sigla partidária, mas sempre a participação no objetivo de conquista do regime e do ambiente democrático. Minha atuação tem sido a de formar cidadãos, pessoas conscientes de direitos e de deveres na sociedade e no estado democrático. Sem cidadãos não há democracia”, fala Fides Angélica.



Participe de nossa comunidade no WhatsApp, clicando nesse link

Entre em nosso canal do Telegram, clique neste link

Baixe nosso app no Android, clique neste link

Baixe nosso app no Iphone, clique neste link


“"Minha atuação tem sido a de formar cidadãos, pessoas conscientes de direitos e de deveres na sociedade e no estado democrático""
Fides Angélica

Meio Norte - Fazendo um balanço, a senhora gosta do que Fides Angélica conquistou em todas as suas facetas?

 Fides Angélica - Acho que toda a minha anterior narrativa responde a essa pergunta. Gosto do que fiz porque tudo que realizei, tudo que projetei e realizei profissionalmente, teve por objetivo melhorar o nível de conhecimento e de valores morais das pessoas e, por meio delas, de nossa sociedade e de nosso Estado. Fiz muito para o pouco de que dispus. Não digo muito em quantidade de realizações, mas em proporção aos meios existentes e aos que me obriguei a conseguir. Bem, não fiz talvez o melhor, mas com certeza fiz o melhor do que pude fazer. Deus me inspirou. Deus seja louvado.

Meio Norte - Qual o seu legado como escritora e educadora?

Fides Angélica - Como tudo que realizei, fi-lo em benefício das pessoas, na tentativa de transmitir-lhes o que aprendi, o que eu acho que sei é o que eu desejo que cresçam cultural e eticamente. Qualquer progresso dessas pessoas para o qual eu, de algum modo, consegui contribuir, dou-me por satisfeita e realizada.


Meio Norte - A senhora conviveu com grandes juristas nacionais e internacionais. Como foi esse convívio e o que lhe acrescentou?

 Fides Angélica - Sempre participei de Congressos e eventos de minha classe, seja como Procuradora do Estado, seja como advogada. Esses encontros são enriquecedores profissional e pessoalmente. Aprendi muito com grandes juristas, a quem ouvi com atenção e de quem me aproximei nesses diversos eventos. Fiz ótimas amizades, que me enriquecem cultural e espiritualmente. Não me envaidece o fato de um colega de ontem, com quem troquei ideias e experiências, ou que mesmo experimentei fraterna convivência, ser hoje uma autoridade política ou ocupar cargo de ministro em tribunal superior de nossa república. Sinto-me feliz se aquela situação hoje vivenciada o realiza, e alegra-me pela amizade recíproca que nos une.


Meio Norte - Como a senhora analisa o avanço das mulheres na sociedade e nas carreiras jurídicas?

 Fides Angélica - As mulheres, nestas cinco últimas décadas (considero o ano em que colei grau em Direito aos dias de hoje), avançaram bastante. Em 1969, magistratura, MP, e mesmo advocacia, era constituída de homens. Hoje, quantas juízas- estaduais, federais; quantas promotoras e procuradoras; quantas advogadas titulares de seus próprios escritórios? Foi um avanço, que eu credito a duas razões: uma, pelo crescimento do número de mulheres bacharelas que tiveram de lutar para demonstrar sua capacidade; duas, pela exigência constitucional de concurso público de provas e de títulos para as carreiras jurídicas. Demonstrando conhecimento, o concurso que é público, mas os candidatos são mantidos desconhecidos para a comissão que o realiza, teve que se render aos mais preparados, dentre os quais, as mulheres. Não afirmo ser satisfatória a situação da mulher no cenário jurídico- profissional, daí ser necessário que a própria mulher garanta ambiente cada vez mais igualitário ao sentir-se igual aos seus colegas homens.


Meio Norte - A senhora recebeu muitos convites para ser política e como respondia?

 Fides Angélica - Como disse, tenho atuado politicamente. Não tenho filiação partidária desde quando assumi cargo de Procurador do Estado. Meu marido, que exercia mandato eletivo, pois, era filiado a partido político, compreendeu a minha razão, e aceitou minha desfiliação. Ora, acho que o exerceste de um cargo de estado não pode ter filiação partidária, porque deve ter plena isenção e demonstrar claramente essa isenção quando defende o Estado.


Meio Norte - Por que a senhora não seguiu a carreira política ?

Fides Angélica - Tive e continuo tendo, assim acredito, ativa participação política. Certo que sem uma sigla partidária, mas sempre a participação no objetivo de conquista do regime e do ambiente democrático. Minha atuação tem sido a de formar cidadãos, pessoas conscientes de direitos e de deveres na sociedade e no estado democrático. Sem cidadãos não há democracia.


Meio Norte - Que satisfação a senhora tem como docente e a formação de talentos na área jurídica?

 Fides Angélica - Acho que fui abençoada por Deus ao me conceder o dom de ensinar. Tenho-o como algo maravilhoso e enriquecedor, e digo isso em relação a mim. Explico: realiza-me profissional e pessoalmente saber que influenciei centenas, diria milhares de jovens bacharéis, a se capacitarem jurídica e eticamente para as diversas carreiras jurídicas - são advogados, juízes, desembargadores, membros do Ministério Público, professores, enfim, profissionais de diversas atividades que, no desempenho do seu mister, contribuem para o bem do ser humano na sociedade. Para mim, se apenas fora esse o resultado do trabalho que encetei em meio século de atividade, já teria valido a pena.

Meio Norte - Por que a senhora preferiu trabalhar no Piauí mesmo podendo trabalhar em qualquer lugar do Brasil e do mundo?

 Fides Angélica - Eu preferi ficar no Piauí porque aqui foi e será sempre o meu lugar. Mais: tive a sorte de, ainda estudante, conhecer a pessoa que escolhi e felizmente me escolher para construir um futuro comum. Meu marido era político da cidade e se dedicava a Teresina. Portanto, ainda tenha havido oportunidade de me fixar em outro local, foi excluída definitivamente.


Meio Norte - Quais dificuldades e vitórias que a senhora conseguiu como presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Piauí?

 Fides Angélica - Dirigir uma seccional pequena, que era nossa realidade na década de 1980, quando o Piauí dispunha de um só curso de Direito com bacharéis em número de oito dezenas ao ano, era um grande desafio. Escassa receita, exigia muita criatividade e muita dedicação pessoal. Para se ter uma ideia, os nossos eventos tinham um orçamento mínimo, os conferencistas compareciam a custo de passagem e hospedagem, sem honorário, e almoços e jantares, em confraternização, eram em casa do dirigente. No meu caso, era minha casa e às minhas expensas. Tinha que haver, e felizmente havia, muita vontade de servir.

Meio Norte - Como a senhora analisa seu trabalho na Ordem dos Advogados do Brasil?

Fides Angélica - Prestei trinta anos de trabalho à advocacia do Piauí e do Brasil, eleita que fui sucessivamente para compor o Conselho Seccional deste Estado e o Conselho Federal da OAB. Fiz o melhor que as condições locais me permitiram e sempre pensei em fazer o que era possível e o que até poderia ser considerado não possível no momento em que planejei e executei. Minha preocupação central foi, tem sido e sempre será a de adequado preparo do advogado para bem exercer seu mister. Para mim, profissional respeitado e merecedor de conquistar seu espaço tem que ser profissional que sabe fazer corretamente o que deve fazer. Advogado tem que saber advogar: conhecer o direito, defender com retidão o seu cliente, estar atento a que seja feita justiça. Assim pensando, lutei pela advocacia valorizando o advogado mediante aprimoramento de seus conhecimentos jurídicos e sua conscientização de direitos e deveres. Resultado principal: criação, organização e funcionamento da Escola Superior de Advocacia do Piauí. Lutei e consegui uma grande vitória: criar e dirigir a Escola Nacional de Advocacia, para garantir educação continuada para o advogado, em todo o Brasil.

Meio Norte - Quais foram os desafios que a senhora enfrentou como advogada e como os superou?

 Fides Angélica - Os desafios de iniciante desprovido de familiares a garantir-lhe abertura de oportunidades são muitos e diversificados. Na profissão, o caminho, para mim único, foi enfrentá-los. Tive, porém, duas excelentes armas: a minha experiência profissional no magistério e o exercício, ainda na faculdade, em órgão jurídico, em contato com advogados e outros profissionais do Direito.


Meio Norte - Por que a senhora escolheu a advocacia quando poucas mulheres exerciam a profissão?

 Fides Angélica - Sinceramente, por contingência. Eram poucas as opções existentes em Teresina à época em que eu poderia prosseguir estudos e iniciar profissão. O curso de Direito garantia as mais diversificadas oportunidades profissionais. Quanto a advocacia, há cinquenta anos, quando concluí o bacharelado, era predominantemente masculina, mas eu não era filha nem parenta de juiz ou de advogado. Assim, fui à luta, contando com preparo e determinação.


SEÇÕES