Padre Tony: sou um padre escandalosamente feliz 100% do dia

Com a ideia de que a Paróquia de Fátima não deve envelhecer, Tony Batista revela que há muito tempo gostaria de ter deixado a igreja de Nossa Senhora, mas que nunca havia sido removido

Lucrécio Arrais

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Antônio Soares Batista, o Padre Tony, nasceu em 28 de junho de 1946 em uma fazenda chamada Ponte de Pedras no interior de São Pedro do Piauí. Mas não tem quem diga que ele acabou de completar 74 anos, inclusive, seus exames, não tem qualquer taxa alterada. Dono de uma jovialidade e carisma inestimáveis, o pároco deixa a Paróquia de Fátima, lugar que sempre teve “a sua cara”, para cuidar de pessoas com câncer e auxiliar padres da capital em missas aos sábados.

Após décadas de trabalho, ele diz um adeus repleto de felicidade. Os seus fiéis, que ele afirma que, primeiramente, são fiéis de Deus, permanecem em busca da companhia de Tony Batista, que também permanece como Vigário Geral da Arquidiocese de Teresina e outras atribuições.

Com a ideia de que a Paróquia de Fátima não deve envelhecer, Tony Batista revela que há muito tempo gostaria de ter deixado a igreja de Nossa Senhora, mas que nunca havia sido removido. Agora ele tomou coragem para entregar uma carta de renúncia para se dedicar àquilo que ele diz sempre levar consigo: o desapego.


História eternizada em solidariedade, dinamismo e comunicação

Como uma grande força católica, o Padre é querido pela cidade inteira por sua palavra de humildade, sabedoria e amor. Apesar da fofoca de “padre dos ricos”, Tony sempre rezou para o mais rico e também para o mais pobre. Sendo, inclusive, as pessoas de baixa renda o foco das campanhas da Paróquia onde ele trabalhou por todo tempo.  

Padre Tony firma-se como um mito do catolicismo teresinense, com uma história eternizada em solidariedade, dinamismo e comunicação com o povo.



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“"A gente tem que pregar é Deus. Sei que sou muito amado. Mas há muitas flechas e pedras, que como diz Fernando Pessoa, recolho e construo meu castelo""
Padre Tony Batista

JMN: E a que o senhor vai se dedicar agora?

PT: Sinto que meu povo sofre e sente com minha saída. Mas não vou sair de Teresina. Permaneço Vigário Geral da Arquidiocese, continuo dirigindo a Ação Social Arquidiocesana e continuo dirigindo a Rádio Pioneira. Saio escandalosamente feliz. E agora o Lar da Misericórdia será minha casa. Hoje estou com 32 pacientes com câncer, muitos terminais. Eu recebo gente do Brasil inteiro que não tem onde ficar, então vou ficar lá. Estou começando às 7h30 e aos domingos às 17h, como sempre celebrei. Estou sereno. Nunca faltou sono, apetite ou veio preocupação. É uma escolha minha de um ciclo que se fecha. Sábado vou animar missas com os colegas, seja aqui em Teresina ou no interior.


JMN: O senhor é tão querido. O que pensa dos chamados padres pop stars?

PT: Carreirismo de padre é coisa do diabo. A gente tem que pregar é Deus. Sei que sou muito amado. Mas há muitas flechas e pedras, que como diz Fernando Pessoa, recolho e construo meu castelo. A minha pregação é a mesma para ricos e pobres. Esse pessoal quer muito incenso. Quem me ama é porque ama a Ele.


JMN: Como o senhor sentiu a vocação para ser padre?

PT: Meus pais eram muito religiosos. Mas não eram de ir atrás de água benta e vela. Eram substanciados na fé. Eu era tão criança que tava nos braços. Antigamente, no interior, tinha uma roupa chamada xambrê, que era aberto e comprido. Era mês de julho, mais ou menos, levantei cedinho e tinha uma névoa. E eu vi, no pé de oiti, um fogo aceso e vários homens. Então saí na porta e gritaram “pega a criança, pega a criança”. Aí meu irmão me colocou no braço e me levou para os homens, que brincaram comigo. Então o João de Brito, vaqueiro da fazenda, estava tirando um couro de bode. Então ele falou: esse bode parece um capuchinho. Então meu pai se zangou e disse que ninguém brincaria com um capuchinho, um enviado de Deus. Aquilo me marcou. Mas eu gostava de festas, aproveitei a juventude, que foi muito natural. Quando estava jovenzinho, fui para Teresina e fui assistir auma missa na Paróquia e falei para o padre que eu queria ser padre. Ele falou que era bobagem e mandou eu procurar outra coisa. Então vi que ele era um infeliz. Ele deixou o ministério, casou, morreu acidentado. Não era para ele. Então vi sobre os Monges Beneditinos e fui aceito para ir para São Bento em São Paulo, no mosteiro. Então minha mãe mandou eu ser padre em Teresina. Aí vi que ela tinha razão. Fui na Vermelha falar com o Padre Carvalho, magrinho, então ele ficou alegre e feliz. Logo me apresentou no seminário e fui matriculado. Então conheci Dom Avelar Brandão Vilela, que me assumiu como filho. Então sou um padre escandalosamente feliz 100% do dia.


JMN: Como o senhor iniciou a Paróquia de Fátima?

PT: É uma história interessante. Eu insistia para o Arcebispo o que eu faria. Para onde eu iria. Na época era Dom Falcão, que hoje é Cardeal Arcebispo Emérito de Brasília. Então ele pegou o carro dele e dirigimos pela Frei Serafim, João XXIII, dobrou na Kennedy, dobrou na Dom Severino e parou ali. Tremi um pouco na base. Era um lugar distante, tudo de areia. Um monte de chácara. Então cheguei na Casa do Bispo, peguei um ônibus e voltei. Até para entrar era difícil, tinha crateras na frente. Era um galpão sem porta lateral, janela, nada. Um negócio de doido. Lá dentro da igreja tinha um Jeep e uma senhora passando roupa, com um fio que ela pegava lá de cima. Não tinha piso, banco, nada. Fiquei com medo, mas logo bateu uma grande alegria. Tenho uma paixão grande por Maria, Mãe de Deus. E ela que trouxe eu até lá. No início, minha estratégia era se aproximar das pessoas. Então comprei um banquinho, uma garrafa térmica e xícaras. Então eu passava a tarde com eles, tentando captar o que a comunidade precisava. Isso provocou uma grande amizade. Eu visitava as casas, as famílias. Eu andava a pé de cima para baixo, não tinha insegurança qualquer hora da noite. Então conquistei meu povo. De tal maneira que somos muito ligados. Para você ter ideia, no Planalto Ininga não tinha água e energia. Então um deputado da época, o Milton Brandão, arrumou uns postes para mim. Então para conseguir luz, eles vinham falar comigo. Até a água a gente que dava, através de um poço tubular que tinha nesse restaurante que tem hoje. Aqui onde estamos era um posto médico, também feito por nós. Agregamos todos aqui. Os jovens e crianças da catequese eram o foco, porque se conquisto as crianças, conquisto os pais. Então formei lideranças. Hoje em dia eles são juízes, promotores, enfim.


Jornal Meio Norte: Primeiramente, a pergunta que não quer calar. Por que o senhor vai deixar a Paróquia de Fátima?

Padre Tony: Os bairros Jockey e Fátima têm a minha cara. Cheguei aqui “primeiro. Em 20 de fevereiro de 1975, às 19h. Era uma quinta-feira. De lá para cá nunca fui transferido. Passei um tempo estudando em Roma, mas o arcebispo nunca me removeu. Fiquei sendo o padre de Fátima. Mas chegou ao momento de sair. Inclusive, pedi muitas vezes. Pedi para ir para Inhuma e Miguel Alves, mas ninguém quis me transferir. Dom Jacinto também nunca aceitou. Então fiz uma carta de renúncia, que enfim foi acolhida. Ele me respeitou plenamente. Estou saindo porque não quero que essa paróquia envelheça. A Paróquia de Fátima é nova, é jovial. Ninguém aqui fica acendendo vela e benzendo água. Se você ver o trabalho aos pobres que temos é impressionante. Só de idosos são 103. São 140 famílias que só bebe água, come e toma remédio se a paróquia der. Aqui é tudo muito dinâmico. A Pastoral da Juventude aqui é uma loucura. Dedicação, zelo. São meninos quase todos universitários, mas muito dedicados. Eu também não consigo envelhecer. Mas Deus me deu uma coisa tão grande que fico desconfiado: o desapego. Amo loucamente, mas não tenho apegos. Sinto saudade. Aqui tem minha cara. Qual tijolo tem aqui que não coloquei? Até a árvore da praça fui eu que botei.


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