Sônia Terra: “Não é vitimização, é consciência!”

Além de um excelente currículo, Sônia sempre esteve à frente sobre os direitos da mulher negra e fala sobre como o histórico da população negra no Brasil

Sônia Maria Dias de Sousa nasceu no dia 22 de dezembro de 1961, com 58 anos completos. Jornalista, professora e, antes de tudo, militante pela mulher negra, Sônia Terra, como ficou conhecida, já foi do rádio ao gabinete de cultura no Governo do Piauí. Além disso, também foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT) em nível de Piauí e Brasil.

Sônia Terra graduou-se em Comunicação Social em uma faculdade particular de Teresina e logo ingressou em uma especialização oferecida pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) em Educação, Cultura e Identidade Afrodescendente. Também concluiu especialização em Gestão de Cultura pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).

Sobreviver em uma sociedade racista é um desafio

Além de um excelente currículo, Sônia sempre esteve à frente sobre os direitos da mulher negra. Como bem pontua no título desta entrevista, ela fala sobre como o histórico da população negra no Brasil não deve ser visto com vitimismo, mas de consciência. Além de que é impossível tratar com igualdade os desiguais em oportunidades.

Sobreviver em uma sociedade racista, onde ser mulher é um risco e mulher negra mais ainda, é um desafio que chama a luta com unhas e dentes. É preciso estar atento e forte. Sem medo de peitar o patriarcado, Sônia Terra mostra no semblante tranquilo a sapiência de anos envolvida em movimentos sociais.

Filiada ao PT desde que fundou o partido, Sônia Terra diz que quer “tranquilidade” e não pensa em disputar cargos públicos. No entanto, não abre mão do apoio a Fábio Novo (PT) como pré-candidato à Prefeitura de Teresina.



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““Isso para mim é principal, pois se eu não conheço minha história eu não busco a mudança. Temos uma história negada, que foi contada pelo colonizador. Então estamos aqui para recontá-la” "
Sônia Terra

JMN: A juventude está empoderada, tomando para si o protagonismo de ser negro. É perceptível nas escolas e nos ídolos adolescentes. Como você encara isso?

ST: É o que mais me orgulha, é o reflexo do trabalho que desenvolvemos em 30 ou 40 anos atrás. Tudo isso foi uma caminhada longa. Para nós é importante chegar nas universidades e ver que presença negra está ali, com qualidade, contradizendo todo o preconceito com as cotas para negros e negras. Então é um reconhecimento da ancestralidade. Eu falo e me emociono! Vê como fico? [Sônia aponta para o braço arrepiado] Isso para mim é principal, pois se eu não conheço minha história, eu não busco a mudança. Temos uma história negada, que foi contada pelo colonizador. Então estamos aqui para recontá-la. E um desafio grande, mas que está aí acontecendo através da juventude... Não queremos vitimização, queremos consciência.

JMN: Por que ser jornalista?

ST: Sempre gostei de comunicação. No movimento negro tínhamos um programa na Rádio Pioneira chamado Agô- Iê, que em iorubá significa “dai-me licença, por favor”. Era muito bom. Era semana, com entrevistas, para dar visibilidade aos artistas negros, além de trazer um pouco da nossa história. Era uma experiência interessante. Formei em jornalismo tardiamente, com 42 anos, por inúmeras dificuldades que eu e outros negros temos em entrar em um curso superior. Depois fiz duas especializações e agora estou enrolada com meu mestrado.


JMN: Seu local de fala é importante neste aspecto. Qual o principal ponto de pauta desta luta hoje?

ST: A luta contra a desigualdade. Nós como mulheres negras sofremos da desigualdade. O machismo arraigado com o racismo, aliam-se fortemente. Somos colocadas em vulnerabilidade e violência. São vários aspectos. Não falo só de violência física. Há falta de acesso a políticas públicas, o assédio que leva a mulher negra como alguém gostosa e boa de cama que não pode sair da cozinha. É um lugar que não é dado às mulheres brancas. Ou ao homem branco. Estamos em uma quarta escala. Vem o homem branco, a mulher branca, o homem negro e, enfim, a mulher negra. Ganhamos menos. Passamos por violência obstétrica. Por sermos negras, seríamos mais resistentes à dor e isso tem nos matado nas maternidades ao dar à luz. São fatos graves. Estávamos em uma caminhada de avanços, mas agora percebemos retrocessos. Mas nossa luta é por nosso bem viver.


JMN: Quais são elas?

ST: Ser uma mulher negra. Despertei para o direito da mulher negra. A percepção de ser uma mulher negra em uma conjuntura racista. Desafios… Toda minha trajetória partiu disso. É o que demarca minha participação partidária. Estou lá para fazer essa militância.


JMN: E a formação do PT?

ST: Foi a partir daí. Começamos a discutir a formação do PT. Estive em todo o processo de construção do partido. Foi ao mesmo tempo em nível de Piauí e Brasil. Permaneço filiada ao PT, estamos juntos há 40 anos. Sou militante partidária. Mas minha militância é muito maior enquanto mulher, negra e feminista. Essa consciência despertou um pouco depois. Como jovem trabalhadora, percebi que sofria por ser mulher de uma determinada classe social. Existem questões mais específicas.


Jornal Meio Norte: Você sempre foi inclinada aos direitos humanos?

Sônia Terra: Desde minha participação na igreja católica. Com 12 anos comecei a frequentar grupos de adolescentes católicos, depois fui ser catequista e lá me envolvi com um movimento de jovens trabalhadores internacional, a Juventude Operária Católica (JOC). Essa participação foi me dando um tom de perceber meu lugar no mundo. Passei a considerar a necessidade de ir em busca de direitos, em uma consciência mais ampla, com a teologia da libertação de Leonardo Boff.


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