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Regulamentação de apostas trará fortuna aos times brasileiros

A expectativa é de que o setor despeje “rios de dinheiro” no futebol do país

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Vem aí uma mudança e tanto no Brasil com a regulamentação das apostas esportivas. Está para nascer uma nova cultura de palpites entre brasileiros, muito diferente da febre da loteria dos tempos da Zebrinha do Fantástico. Mais do que isso, a expectativa é de que o setor despeje "rios de dinheiro" no futebol do país.

Há que diga que existe "um cheque de R$ 190 milhões" em patrocínios para clubes, que será assinado assim que o setor entrar em vigor na prática. Isso é quase 30% maior do que a Caixa investiu em times brasileiros ano passado, na despedida do banco estatal do papel de mecenas do futebol nacional.

Quem argumenta a favor das apostas fala em previsão de tributos bilionários ao governo e na criação de um novo segmento de atividade, que pode beneficiar profissionais de várias atividades. O brasileiro que já joga em sites estrangeiros também pode se dar bem, sabendo melhor com quem lida. Hoje, ainda com o setor sem regulamentação, tem gente no país que vive de palpites.

Mas a regulamentação das apostas também traz desafios complexos ao Brasil. O primeiro deles é proteger a integridade do esporte, principalmente contra a ameaça de esquemas de manipulação de resultados. Também será necessário estabelecer critérios para tirar de cena empresas sem credibilidade. Por fim, criar mecanismos que inibam o vício em jogo entre brasileiros também será uma missão obrigatória.

Brasileiros atuam como consultores de apostas

A cultura das apostas esportivas tem mudado a vida de alguns brasileiros, mesmo antes da regulamentação do setor no país. Igor Casares de Oliveira é uma dessas pessoas. O estudante universitário de Feira de Santana, na Bahia, recentemente colocou de pé uma iniciativa própria sobre palpites de futebol.

Igor é o dono do perfil de Instagram chamado de "Zé Apostinha". Em seis meses o estudante e seu sócio já conseguiram quase 3.500 mil seguidores e 200 clientes fixos, de Brasil e Portugal. A receita mensal gira em torno de R$ 4 mil.

"Dá para viver só disso", afirmou Igor, que se especializou em análises de divisões menores de Espanha e França.

"Me reúno todas as noites com o meu sócio para analisar os times, os desfalques e até a condição política deles. Aí a gente estabelece as apostas. Cobramos R$ 20 por consultoria", descreveu o consultor.

Como será o mercado no Brasil

Em 2018, pouco antes de deixar o poder, o ex-presidente Michel Temer sancionou a lei que regulamenta as apostas esportivas no Brasil, legalizando a modalidade de cota fixa, em que o apostador sabe de antemão quanto ganhará se acertar.

A União credenciará operadores privados para oferecer esse tipo de serviço, com a distribuição de licenças. O trâmite burocrático será conduzido pelo Ministério da Economia, através da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria.

Estudos vêm sendo feitos para decidir qual é o formato mais adequado da exploração do jogo. O prazo para que o setor seja regulamentado é de dois anos, prorrogáveis por mais um biênio, mas a expectativa é de que o segmento possa começar a vigorar antes mesmo do final de 2019.

“É esperado que diversas empresas internacionais venham para o país. Estamos falando de um mercado que gera receitas bilionárias em todo o mundo, com empresas de capital aberto”, Luiz Felipe Maia, advogado certificado em regulação de cassinos e apostas pela Universidade de Nevada, Las Vegas.

Atualmente a lei brasileira considera lícitos apenas os jogos administrados pela Caixa Econômica Federal, além de apostas em corridas de cavalo. Qualquer outra modalidade não regulamentada pelo banco estatal é tratada como infração.

Pela lei sancionada, a arrecadação com apostas esportivas bancará o pagamento dos prêmios dos apostadores e destinará fatias à seguridade social, ao Fundo Nacional de Segurança Pública, a programas de educação e a clubes de futebol.

Contra "calotes" de casas de paraísos fiscais

Alguns brasileiros já habituados com a rotina de apostas online passaram por apuros em 2017, quando numa rodada da Série A oito das dez partidas tiveram vitórias de times visitantes. O comportamento incomum quase quebrou algumas casas internacionais, que não conseguiram pagar muitos dos usuários vencedores.

O célebre incidente na comunidade de apostadores nacionais é usado como exemplo por Pedro Trengrouse, professor da Fundação Getúlio Vargas que apresentou um memorando que defendia a regulamentação das apostas esportivas, acatado pelo relator da Medida Provisória sobre o tema (846), o então Senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA).

"A regulamentação serve também para proteger a economia popular. Porque a maioria dessas empresas é baseada em paraísos fiscais, como Malta, Gibraltar, Curaçao ou Costa Rica. Então os apostadores brasileiros estão desprotegidos. Se essas empresas não pagam por algum motivo, eles não têm a quem recorrer", comentou Trengrouse.

No processo de regulamentação, um dos desafios do governo será atrair empresas com operações claras e inibir a atuação de sites menos estruturados no país. Exemplos de nações europeias sugerem medidas como bloqueio de transações de pagamento, bloqueio de sites e proibição de publicidade que promovem operadores não licenciados.

"Essas empresas estão numa zona de conforto. Hoje eles operam livremente no Brasil, têm propaganda na TV, recebem apostas de brasileiros e não pagam tributo algum. Para eles está tudo bem", acrescentou o acadêmico, responsável por estudos sobre a área para a Caixa e para o Ministério do Esporte.

Futebol brasileiro aguarda a "bolada"

Para analistas do marketing esportivo internacional, o ingresso das casas de apostas como um "player" de mercado no Brasil pode revolucionar o futebol local. Estimativas indicam mais de R$ 6 bilhões em receitas, com a projeção de um mercado maduro.

A expectativa é de que o mercado brasileiro acompanhe tendências internacionais também no futebol. Na Premier League inglesa, por exemplo, metade dos times é patrocinada pelos sites de apostas - mas o investimento é apenas 17% do total. Na segunda divisão 70% das equipes têm empresas do segmento como parceiras.

Os gigantes do futebol inglês ainda não exibem as casas de apostas em suas camisas. O maior contrato do gênero pertence ao West Ham, time de Londres, com 10 milhões de libras anuais com a empresa Betway.

"Na minha leitura é o que provavelmente vai acontecer aqui no Brasil também. As pessoas imaginam o Flamengo logo de cara. Mas é mais fácil com clubes de outros patamares. Cruzeiro, Atlético-MG ou Chapecoense, por exemplo", opinou Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão esportiva.

Os nove times da Premier League patrocinados por empresas do segmento receberam na temporada 2017-2018 mais de R$ 220 milhões. Na Segunda Divisão o valor total do patrocínio de empresas de apostas foi de aproximadamente R$ 46 milhões. Esses valores são mais do que o dobro do que a Caixa desembolsou para todas as divisões do futebol brasileiro em 2018.

"O que as casas de apostas procuram são duas coisas: muita visibilidade e relacionamento com esse cliente 'heavy user' (usuário pesado), o cara que vai consumir o produto dele", afirmou Somoggi, sócio da agência Sports Value Marketing Esportivo.

Minimizando a saída de cena da Caixa

Dependendo da agilidade do processo de regulamentação, a esperada injeção de dinheiro de empresas ligadas a apostas esportivas pode preencher a lacuna deixada pela Caixa Econômica Federal no futebol brasileiro. O banco estatal investiu R$ 665 milhões em 35 clubes do país desde 2012, mais de R$ 138 milhões no ano passado.

Questionado pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, o modelo de investimento do banco em futebol está agora chegando ao fim.

"O Governo pode tirar com uma mão o patrocínio da Caixa, pago pelo contribuinte, e dar com a outra mão o patrocínio das empresas de apostas esportivas, de valor maior e pago pelos particulares", declarou Luiz Felipe Maia, advogado brasileiro especialista em regulação de apostas.

Dos 25 clubes que estavam nas séries A e B do Brasileiro em 2018 e foram patrocinados pela Caixa, somente quatro já conseguiram acordos com novas empresas para substituir o banco estatal: Atlético-MG (BMG), Ponte Preta (Pilot pen), CSA (Carajás Home Center) e Paysandu (Banpará).

Fortaleza inaugura era das apostas na camisa

O futebol brasileiro já flertou com experiências do gênero recentemente, mais pontuais, mas nos últimos dias o Fortaleza inaugurou a era das camisas patrocinadas por casas de apostas online, o primeiro acordo desde que o governo promulgou a lei que permite a atuação desse tipo de empresa no país.

O clube cearense acertou um patrocínio de camisa com o NetBet, site baseado em Malta, que ganhou notoriedade na Inglaterra em 2013 após pagar US$ 4 milhões a um jogador que apostou US$ 16. O acordo, que não tem cifras divulgadas, é válido para a temporada 2019.

A empresa já patrocinou outros clubes ao redor do mundo, como o West Bromwich, atualmente na Segunda Divisão da Inglaterra, e o Saint-Étienne, da elite francesa. Segundo Victor Simpson, gerente comercial do Fortaleza, não houve receio em lidar com um parceiro de um universo ainda pouco conhecido no Brasil.

"Assim como todas as nossas parcerias, o contrato passa pelo setor jurídico para validação. Depois é encaminhado para aprovação da diretoria. Tivemos uma aceitação muito grande, em nenhum momento existiu uma corrente contrária", afirmou o dirigente do Fortaleza.

Tecnologia contra manipulação de resultados

Um dos principais desafios de um país que se abre para as apostas esportivas é o monitoramento de atividades suspeitas. Quem argumenta a favor da regulamentação diz que um segmento com normas claras ajuda no combate contra manipulações.

O escândalo de maior repercussão no Brasil aconteceu em 2005, quando uma investigação constatou o envolvimento do árbitro Edílson Pereira de Carvalho em manipulação de resultados do Brasileirão. Já em 2016, a Polícia Civil de São Paulo prendeu nove suspeitos de terem participado de um esquema nas Séries A-2 e A-3 do Campeonato Paulista, além de divisões inferiores do Norte e do Nordeste. O grupo beneficiaria criminosos de países asiáticos.

Mas como inibir a má fé de esquemas de manipulação de resultados? A resposta passa pela tecnologia. "Trabalhamos com algoritmos e temos em mãos todo o histórico de uma partida, todas as informações a respeito do jogo em questão. Por exemplo, Corinthians contra Flamengo, temos todo o 'big data' sobre resultados passados do confronto e chegamos assim a uma expectativa de probabilidades. Se as apostas para aquele jogo se desviam desta expectativa, se o que acontecer em campo acompanhar esse desvio, nossos especialistas têm condições de rastrear esse comportamento inusitado", descreveu Christopher Dougan, do Genius Sports Group, empresa que cuida da integridade da Premier League.

A Fifa já monitora os padrões das apostas há quase uma década em suas competições. Desde 2017 a CBF também começou a fazer o mesmo nas Séries A, B, C e D do Brasileiro.

Como a manipulação acontece

Organismos independentes de regulação e órgãos internacionais de polícia, contam especificamente com a tecnologia para identificar uma possibilidade de esquema fraudulento de resultados esportivos. Quando isso acontece agentes começam a rastrear potenciais suspeitos, seja atletas ou pessoas ligadas ao jogo em questão.

Nos últimos anos alguns esquemas foram identificados em partes diferentes do mundo. No futebol, a atenção geralmente reside em divisões menores, em que a falta de atenção da mídia e do público favorece a má-fé. Outros esportes também sofreram com esquemas do gênero, como o boxe.

Porém, o tênis foi a modalidade mais atingida publicamente por suspeitas de corrupção, com algumas confirmações. Em 2016, a BBC e o site BuzzFeed News denunciaram que 16 tenistas participaram da manipulação de resultados ao longo dos dez anos anteriores e que a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) teria acobertado os casos - acusação prontamente negada pela entidade. Mesmo assim, atletas menos conhecidos como o sérvio David Savic e o grego Alexandros Jakupovic foram banidos das quadras por envolvimento em entrega de partidas.

Em janeiro desse ano, a polícia espanhola afirmou que 28 tenistas, incluindo um que esteve no último US Open, estariam envolvidos com uma quadrilha armênia de manipulação. Deles, 13 foram presos em uma ação que envolveu 11 casas, das quais foram apreendidos quase R$ 700 mil em euros, carros de luxo, uma arma e cartões.

A quadrilha atuava para garantir resultados específicos nas partidas. Para assegurar que os atletas cumpririam o combinado, integrantes da quadrilha supostamente acompanhavam os jogos in loco.

Efeito colateral: o vício em jogo

Durante um dos debates da Medida Provisória sobre apostas esportivas na Câmara, em 2018, o deputado Gilberto Nascimento chamou a atenção para o risco da cultura do vício em jogo. O líder do PSC, partido conhecido por sua bancada evangélica, foi o único a votar contra o texto do relator, o senador Flexa Ribeiro.

"É uma loteria por meio dos computadores. Será que compensa criar uma geração de viciados para gerar alguns milhões de reais a mais para o fundo de segurança pública?", questionou o parlamentar do PSC na oportunidade.

À parte das questões legais e econômicas, a discussão do jogo responsável deverá entrar em pauta em algum momento do processo de regulamentação. Pessoas ligadas ao tema no país dizem que é possível desenvolver mecanismos de bloqueio de contas através de invalidação do CPF, em casos de atividades anormais ou de pedido do próprio usuário (ou de familiares). Ou então através de normas de limites de depósitos.

"Esse é outro benefício de ter um mercado regulado em que operadores são obrigados a oferecer este tipo de mecanismo de proteção a seus clientes", afirmou James Kilsby, executivo da GamblingCompliance, organismo que regula a indústria fora do Brasil.



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