Mudança no nome de universidade provoca violência

Protestos pacíficos praticamente fecharam a segunda maior faculdade de Cabul.

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"Dezessete dias de protestos pacíficos, isso é um recorde no Afeganistão", afirmou um dos líderes estudantis, Aziz Rahman. | The New York Times
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O estudante de graduação em ciências sociais chamado Abdul Basir estava no meio de uma entrevista em que falava por que não queria que sua universidade mudasse de nome.

"Não queremos que a política invada a universidade", falou com voz suave, em tom conciliador. "Ela não deveria receber o nome de uma figura política."

De repente, o rosto de Basir foi atingido por um soco desferido por alguém que discordava. Assim começava mais uma briga entre grupos rivais por conta da decisão do Presidente Hamid Karzai de mudar o nome da Universidade de Educação de Cabul para Universidade Mártir da Paz Professor Burhanuddin Rabbani.

Muitos estudantes foram mais incisivos que Basir, dizendo que, apesar de Rabbani ser realmente um mártir, é difícil chamá-lo de pacífico e sua única ligação com a universidade é o fato de tê-la bombardeado durante a guerra civil.

Semanas de protestos pacíficos em torno da mudança de nome praticamente fecharam a universidade, uma instituição com 7.000 estudantes e a segunda maior faculdade de Cabul.

"Dezessete dias de protestos pacíficos, isso é um recorde no Afeganistão", afirmou um dos líderes estudantis, Aziz Rahman.

Contudo, as coisas ficaram violentas nos últimos tempos, quando apoiadores da mudança de nome ? quase todos de fora da universidade ? atacaram centenas de manifestantes com pedras, obrigando-os a voltar correndo para dentro do campus.

Dez policiais ficaram feridos ao tentar reestabelecer a ordem e inúmeros estudantes foram presos ? a maior parte entre a multidão anti-Rabbani. Policiais à paisana confiscaram facas e socos ingleses de ambos os lados. Caminhões da polícia foram vistos levando opositores da planície de Shomali, uma área ao norte de Cabul repleta de apoiadores de Rabbani, que foi morto no ano passado, ao local onde os estudantes protestavam.

Em meio ao tumulto, o telefone tocou no bolso do reitor da universidade, Amanullah Hamidzai, que estava no campus, cercado por muito mais policiais do que manifestantes. Segunde ele, era Karzai do outro lado da linha.

"O presidente me disse para sermos cuidadosos com os estudantes, para sermos gentis com eles", afirmou Hamidzai. "Imagine, o presidente ligando para mim. Ele está muito preocupado com isso tudo."

Entretanto, as opções do presidente são limitadas, após jurar em um recente discurso que não iria voltar atrás em respeito à memória de Rabbani. O governo conta com muitos aliados de Rabbani em posições de poder.

Rabbani era o líder do partido Jamiat-i-Islami, um grupo étnico tajik que lutou contra o Taleban, contra os soviéticos e, mais tarde, contra outras facções durante a guerra civil dos anos 1990. A Human Rights Watch afirmou em um relatório de 2005 que o líder deveria ser investigado por atrocidades cometidas, "incluindo assassinato de civis, espancamento de civis, sequestros baseados em origem étnica, saques e trabalhos forçados".

Além disso, Rabbani foi presidente do Afeganistão por um curto período, após a queda do Taleban, e entregou pacificamente o poder a Karzai em 2001. Os pashtuns, em sua maior parte do sul e do leste do país, são o grupo étnico mais numeroso do Afeganistão e, enquanto pashtun, Karzai era visto como uma figura menos conflituosa que uma pessoa do norte, como Rabbani. A maior parte dos talebans também são pashtuns.

Mais tarde, Karzai apontou Rabbani como chefe do Supremo Conselho da Paz, um órgão designado para buscar a reconciliação com o Taleban ? aparentemente para afastar os temores da população do norte do país de que um acordo de paz feito apenas entre os pashtuns poderia deixá-los de fora. No ano passado, um homem fingindo ser um emissário da paz Taleban era, na verdade, um homem-bomba com explosivos no turbante que acabou mantando Rabbani.

Para relembrar o aniversário de um ano de morte de Rabbani no dia 21 de setembro, um decreto presidencial deu o nome do líder tajik assassinado para uma importante rua de Cabul e para o aeroporto de Kandahar, além disso, a Universidade de Educação de Cabul foi rebatizada como Universidade Rabbani.

Os protestos começaram logo em seguida. Como praticamente tudo no país, o conflito possuía um tom claramente étnico, com estudantes pashtuns e hazaras na linha de frente e oponentes da etnia tajik, que, em sua maior parte, não eram estudantes.

"Rabbani merece isso", afirmou Sayid Bahramudin, um tajik de Baghlan que afirmou ser estudante da "Universidade de Educação de Cabul", esquecendo-se por um segundo do nome que defendia com tanta veemência. "Ele se sacrificou pela paz, para trazer paz aos povos." Segundo ele, os manifestantes "são todos estrangeiros e terroristas".

O ponto de vista de Rahman, o líder estudantil da etnia pashtun, graduando na faculdade de letras, era completamente diferente.

"Era Rabbani que atirava mísseis contra a universidade durante a guerra civil", afirmou. "Como podemos dar o nome dele a essa instituição?"

Na época, a universidade se chamava "Instituto de Pedagogia" e servia de base para os combatentes da etnia hazara.

Outro jovem manifestante, Zmarai Kochi, afirmou ter fortes objeções práticas à mudança de nome.

"Imagine se tivesse uma identificação com esse nome em sua carteira e fosse pego na província de Wardak?", questionou, fazendo referência a uma região de maioria pashtun. "Você seria morto por conta disso."

Outros estudantes reclamaram que, em praticamente dois terços do Afeganistão, seria impossível conseguir um emprego com um diploma da Universidade Rabbani; justamente em um país onde a falta de professores é um problema generalizado.

Hamidzai, o reitor, afirmou que se "abstém" de fazer qualquer comentário sobre a mudança de nome, mas destacou que Rabbani jamais colocou os pés no campus.

Hamidzai afirmou que o presidente concordou em permitir que todos os estudantes atualmente matriculados recebam diplomas e outros documentos com o nome antigo.

"Esse foi um bom acordo", afirmou.

Entretanto, os líderes estudantis rejeitaram a medida.

"Não estamos lutando apenas para nós mesmos", afirmou Rahman. "Estamos lutando pelo futuro da universidade e do Afeganistão."



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