Lixão de Gramacho tem 78 pessoas sem nenhum documento

Órfãos do Poder Público durante anos, eles nunca puderam fazer um crediário

Alda Borges trabalha no lixão de Gramacho, mas não tem documentos, a exemplo dos seus filhos | Extra Online
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O caminhão azul passa pela Rua Tocantins, e a névoa de pó se levanta até uma altura a que as moscas não sobem e a que os urubus ? seguindo no céu a trilha em direção ao aterro sanitário ? não descem. Por entre as casas de ripas de madeira, antes mesmo de a nuvem se dissipar, é possível ver a catadora Alda saindo dos fundos do Beco 72, onde mora quase oculta com os três filhos e o marido. Como uma miragem, ela parece não existir, mas está diante dos olhos.

? Ninguém sabe mesmo que eu existo. Disso, eu tenho certeza. Eu não existo, eu consto como nada no mundo ? diz Alda, de 26 anos, moradora do entorno do lixão de Jardim Gramacho, respondendo à pergunta de como se sentia por nunca ter tido uma certidão de nascimento ou qualquer documento de identidade.

Ela, seus três filhos e outras 74 pessoas fazem parte do grupo de catadores locais e familiares que não têm registro no mundo. Alguns já tiveram, mas perderam. Outros ? como a família de Alda Borges ? nunca tiraram.

? Lá em casa, meu marido é o único que tem documento, mas o pessoal só o chama pelo nome daquele bicho: camaleão ? conta Alda.

Órfãos do Poder Público durante anos, eles nunca puderam fazer um crediário, abrir conta no banco ou ter uma matrícula na escola. Agora, com o fim do lixão e a promessa de uma indenização de R$ 14 mil por catador, a identificação virou um item de primeira necessidade.

Morador do Beco da Bosta sem número, o catador Rogério Gonçalves, o Joe, de 35 anos, descansa da ?arada? no lixão e toma um trago, em frente ao Bar do Vizinho, na Tocantins. Faz a ?catação? há 20 anos. Há quatro, não tem documento algum.

? Eu dormi no mundo ? afirma Joe.

Condições adversas

Existe uma lei da natureza pela qual os homens e os urubus dividem a fome e a sede na rampa do aterro sanitário de Jardim Gramacho. Mexem e remexem em papéis sujos, na dureza do aço; espalham o enxofre. Suportam o cheiro do chorume.

Se pudessem, algumas pessoas fugiriam dali. Mas resistem. Sobrevivem. A falta de documentos é um dos obstáculos. Catadora desde os 14 anos, Monique Saraiva de Souza, hoje com 21, e o seu marido, Leandro, cujo sobrenome ela não sabe, nunca tiveram documento algum. A exemplo dos quatro filhos vivos dela e dos outros quatro que já morreram. Nunca tiveram um registro oficial que prova que existem.

? Minha mãe não me registrou por preguiça. Só aos 11 soube qual era o meu nome todo. Cheguei a entrar na escola, mas, ao fim do ano letivo, a diretora teve que me retirar porque eu não tinha documentação ? diz ela. ? Quando eu conheci meu marido pensei: não sou a única azarenta no mundo.



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