“Piauiense tem que ter orgulho de ser piauiense”, diz João Luzardo

O Procurador Regional do Trabalho defende que o que falta ao piauiense autoestima.

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Com diploma de estudos avançados em curso de Doutorado em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de Barcelona (Espanha), com tese defendida sobre o Trabalho Escravo Contemporâneo, o Procurador Regional do Trabalho, João Batista Luzardo Soares Filho, de 54 anos, lotado na Procuradoria do Trabalho da 22ª Região - Piauí, tem uma militância de vida além da defesa das condições dignas de trabalho. É defensor do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, inclusive da raça bovina curraleiro pé-duro, resistente às condições áridas do sertão em geral, particularmente do Piauí, por poder sobreviver em condições mínimas de água e alimento, como é peculiar aos animais nativos do Nordeste, a exemplo do referido bovino, do cavalo nordestino, do cachorro boca-preta ou sertanejo e da galinha caipira.

“Quando falamos em meio ambiente, não pensamos apenas na fauna e na flora, não! Estamos também pensando na proteção do ser humano. Se morre o meio ambiente, morre, por ilação, o ser humano. Então, o segredo é saber respeitar e conviver com determinado meio ambiente, ainda que em condições mais adversas. Se, por exemplo, há pouca água no solo da caatinga, devemos conhecê-la, preservá-la e aprender a conviver nesse habitat. Assim como determinados animais nativos o fazem, o sertanejo também consegue. Isto porque compõem esse peculiar ecossistema e não precisamos de soluções mirabolantes ou alienígenas para resolver os problemas que se apresentem. A própria natureza cuida disso, se bem preservada. Quem respeita a natureza e aprende a viver nesse meio ambiente é muito mais feliz”, afirma Luzardo.

O Procurador Regional do Trabalho defende que o que falta ao piauiense é a autoestima para compreender e assimilar as particularidades do Estado, bem assim seus próprios avanços e conquistas, apesar das dificuldades financeiras da maioria de seu povo, decorrentes também da má distribuição de renda, o que igualmente acontece com outros Estados da Federação. Como também entende que o piauiense precisa saber lutar pela defesa de seu Estado, nos mais diversos segmentos. E, para isso, exigir das instituições competentes o efetivo cumprimento de suas obrigações. Enfim, ter a consciência de seus diversos valores e saber defendê-los, quando agredidos.

“Nós já tivemos épocas áureas no Estado, a exemplo da exploração de pedras preciosas; da exportação de carne bovina e do couro; da exploração da carnaúba e da castanha de caju, atividades ainda pujantes, com ótimas divisas para o Piauí. Hoje temos importantes empreendimentos ligados ao turismo, às energias renováveis, à cultura, à educação e aos serviços de saúde. No passado, o Piauí derramou sangue na luta pela Independência do Brasil, na Batalha do Jenipapo, e isso só foi registrado recentemente em livros de história. O Brasil, de um modo geral, não imagina que o Piauí tem esse valor. Por vezes, até o próprio piauiense o desacredita, quiçá também pelas adversidades que muitos tentam superar e não conseguem. Mas o certo é que também falta ao piauiense mais autoestima. O piauiense tem que ter orgulho de ser piauiense - e não por obrigação - mas em decorrência da própria consciência de nossos valores e de nossas conquistas”, pondera Luzardo.

Efrém Ribeiro

Jornal Meio Norte – Há quantos anos o senhor está no Ministério Público do Trabalho?

João Luzardo Soares – Eu me formei em julho de 1986, na Universidade Federal do Piauí. Trabalhava, à época, na Previdência Social, no Instituto Nacional de Seguridade Social. Daí, fui exercer a advocacia no Sistema Telebrás, na nossa subsidiária, a então Telepisa, que eram estatais. Depois, fui para a Procuradoria Geral do Estado, onde passei mais de três anos, como Procurador do Estado, ajudando na defesa dos interesses do Estado, e onde também atuei, desde a sua criação, na Procuradoria Especializada em Combates de Corrupção e Improbidade Administrativa. E estou no Ministério Público do Trabalho há 25 anos.

JMN – O senhor também se qualificou no exterior. Que tema tratou no Doutorado?

JLS – Eu já fazia cursos de pós-graduação, aperfeiçoamento e de especialização desde que eu me formei em Direito. Como membro do Ministério Público do Trabalho, continuei estudando e fiz cursos muito interessantes, inclusive na Itália e na Espanha, sempre me reciclando, buscando o aperfeiçoamento profissional, relacionados com minha área de atuação. Pelo Ministério Público do Trabalho, exerci minhas funções no Piauí, no Maranhão, em Brasília, e fiz algumas inspeções na Amazônia. O meu trabalho científico foi perante uma banca da Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona (Espanha), onde abordei o Trabalho Escravo Contemporâneo.

JMN – Por que o senhor resolveu abordar o tema trabalho escravo?

JLS – Até poderia ter abordado outros temas, mas preferi me aperfeiçoar em uma das ações prioritárias do Ministério Público do Trabalho, que era o combate ao trabalho escravo. E assim o fiz, com abrangência tanto no meio rural como nos grandes centros urbanos, analisando as formas de exploração e identificando toda a cadeia produtiva dessa terrível exploração, que começa com a falta de solidariedade e ganância humanas, alimentadas por crises de desemprego, ignorância dos trabalhadores envolvidos, falta de qualificação profissional e insuficiente proteção social. Então, passa-se à fase de arregimentação de pessoal, onde atua o famoso “gato”, que adianta algum valor para o trabalhador e sua família e aí já se inicia uma dívida impagável. Em seguida, e sem os devidos registros em Carteira de Trabalho, são transportados em pequenos grupos, para não chamar muito à atenção, porque a fiscalização nessa etapa também foi se aperfeiçoando (muitas vezes, são embarcados em meios de transporte regulares, para disfarçar a irregularidade a ser perpetrada). Daí, podem ir a grandes centros urbanos, o que ocorre mais em relação a trabalhadores imigrantes ilegais, como também para regiões inóspitas, onde usam vários meios de transporte, muitos sem as mínimas condições de segurança. São, em regra, pessoas muito humildes, desesperançosas; mas também há imigrantes ilegais, criminosos e fugitivos da Justiça. Atualmente, as algemas e os chicotes são a fome, o abandono social, a ingenuidade, a falta de qualificação profissional, o desemprego. Na verdade, tais trabalhadores, muitas vezes, nem são obrigados a permanecer em locais ermos ou inacessíveis. Acontece que passam a acreditar que estão sempre devendo e, muitas vezes, trocam o trabalho por comida e por tais dívidas. De maneira geral, também são péssimas as condições de higiene; é um trabalho indigno e indecente, uma verdadeira e covarde forma de exploração. Por isso, penso que não se pode banalizar a expressão “trabalho escravo”. Não se confundem, assim, o trabalho em condições ruins ou sem proteção ao trabalhador, com a situação anterior, que é degradante, desumana e realmente humilhante.

Efrém Ribeiro

JMN – Desde que o senhor resolveu abordar esse tema em doutorado, a situação do trabalho escravo foi controlada ou se ampliou? Ocorreram mudanças?

JLS – A defesa de meu trabalho científico foi feita em 2006. Em termos de mudanças, o Brasil deu um passo muito importante, à época, ao reconhecer que existia no país e passou-se a discutir mais sobre esse tema. A OIT, a Organização Internacional do Trabalho, por volta de 2004, divulgou um relatório muito importante tratando dessa forma de exploração no mundo. Houve uma evolução em melhor entender o tema, seja no âmbito urbano, seja no meio rural, onde o trabalho escravo está sempre relacionado com crimes ambientais. Muitas vezes, usam dessa exploração de mão de obra para desbravar, para desmatar, e ali vão desenvolvendo atividades na mineração, na pecuária, no contrabando de madeira e na produção de carvão, por exemplo. O Piauí já figurou como um dos maiores fornecedores de mão de obra escrava, mas na última década foram constatados casos de trabalho escravo no próprio Estado, combatidos pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho.

JMN – Além de sua atividade no Ministério Público do Trabalho, o senhor tem atuado na defesa do meio ambiente. Quais suas preocupações nessa área?

JLS – Nós, piauienses, vivemos em um ambiente natural muito especial. Nós temos o bioma caatinga, inclusive a arbórea, grande áreas de cerrado, imenso lençol freático, belíssimo litoral, parques arqueológicos,      bacias hidrográficas e o sertão. E o sertanejo, como diz o poeta, é bravo! Eu tento apreciar e entender todo esse patrimônio. Tanto que, não apenas por diletantismo, comecei a criar a raça de gado bovino Curraleiro Pé-Duro, há quase uma década, incentivado por outros abnegados criadores e em decorrência de alguns estudos científicos sobre a raça, patrocinados pela Embrapa Meio Norte, à época feitos e também estimulados pelo engenheiro agrônomo Herculano Carvalho, o qual já tinha excelentes resultados, eis que aquela empresa havia montado, há mais de vinte anos, e sob sua gestão, uma fazenda experimental, em São João do Piauí. A sobrevivência e adaptação desse gado às condições adversas me chamaram muito a atenção, eis que viviam tranquilamente em ambiente mais seco, praticamente sem água, fazendo com que o animal descobrisse na própria natureza as plantas xerófilas (o mandacaru), raízes e outras formas de beber e se alimentar. Noto que o nordestino ou sertanejo também é um ser diferente e muito especial. Fui observando esses fatos e a relação do homem do campo com suas criações e plantas da região, e pude constatar a beleza da natureza regional e dessa interação. Passei também a visitar mais o Nordeste, inclusive em suas épocas mais secas. Certa vez fui à Paraíba, passando pela Região do Cariri, desde o Ceará, quando conheci a Fazenda Carnaúba, em Taperoá-PB, do engenheiro Manoelito Dantas e família, e também pude ratificar a possibilidade de convivência de pessoas e animais em situações adversas. E tive a certeza de que o caminho era saber entender a natureza e melhorar a criação dos animais nativos. Assim como os animais, o nordestino também foi forjado nessas dificuldades. E daí a sua fortaleza! Isso decorre do próprio instinto de sobrevivência, que é inerente a qualquer animal. Portanto, não é preciso trazer animais exóticos para uma região onde irão sofrer, como também não é preciso trazer plantas exóticas ou gramíneas, se podemos cultivar melhor as plantas nativas e que são lindíssimas, como as flores do cerrado, da caatinga, a exemplo da flor do mandacaru, que até adivinha chuva. Também fui percebendo que há lugares em nosso meio ambiente que exigem mais cuidados, onde maior concentração populacional pode trazer sérios prejuízos. Olhando Barra Grande, povoado do município de Cajueiro da Praia-PI, percebemos que precisava de mais proteção. E que a comunidade local precisava entender e se mobilizar para tal intento. É que, quando falamos em meio ambiente, não pensamos apenas na fauna e na flora, não! Estamos também pensando na proteção do ser humano. Quando cuidamos do meio ambiente, estamos também defendendo a própria vida humana.

JMN – Por que o senhor defende, de forma tão enfática, as coisas do Piauí e da região?

JLS – Eu tenho um perfil de gostar das coisas do sertão, das coisas da nossa região, da nossa cultura, da nossa música, da nossa culinária, enfim, da nossa gente e da nossa maneira de ser. Daí porque devemos valorizar tudo isso, até para que nossos valores históricos e culturais não se desintegrem.

JMN – Por isso a defesa que o senhor faz do patrimônio piauiense é o mesmo “fio da meada” da defesa do meio ambiente?

JLS – A defesa do meio ambiente natural também está relacionada com o meio ambiente histórico e cultural. A gente percebe isso andando em cidades com importante patrimônio histórico, como Oeiras, Pedro II, Parnaíba, Amarante, Campo Maior, Valença do Piauí e região, Corrente e Teresina, dentre outras cidades e muitas fazendas interioranas, com importantes registros épicos. Nós somos o único povo que derramou sangue na luta pela Independência do Brasil, na Batalha do Jenipapo, e isso foi reconhecido tardiamente, pelos historiadores. Ninguém imagina que o Piauí tem esse valor. O que falta ao piauiense é mais autoestima; tem que ter orgulho de ser piauiense, da consciência de nossos valores, de nossa educação, de nossas conquistas e tradições e também saber defendê-los, quando necessário.



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