Polícia rastreia golpes dos irmãos do pornô: 'Me senti um trouxa'

Vítimas de roubo em 'Boa Noite, Cinderela' relatam como quadrilha cometeu sequência de crimes em diversas cidades do Brasil.

dupla | Reprodução
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Por Época

Foi na suíte Caribe, equipada com piscina aquecida, sauna e teto solar, que teve fim a viagem criminosa de João Bosco Rodrigues Junior, de 28 anos. Ele havia pagado R$ 438 para dividir por 12 horas com a namorada, grávida de sete meses, o quarto do motel na Barra Funda, Zona Oeste paulistana, quando foi preso. O casal ainda se acomodava no espaço decorado com porcelanato marfim e espelho no teto quando foi surpreendido por agentes do 78º Distrito Policial, da região dos Jardins. Ao lado de pelo menos outros quatro jovens, todos musculosos e tatuados, além de uma extensa rede de apoio que inclui porteiros e até taxistas, Rodrigues Junior é acusado de liderar uma quadrilha que roda pelos quatro cantos do Brasil abordando e dopando homens e mulheres para roubar dinheiro, joias e celulares, no famoso e antigo golpe conhecido como “Boa noite, Cinderela”.

Ator pornô, conhecido pelo nome artístico de Rodrigo XXX, Rodrigues Junior, nos últimos cinco anos, circulou por Alemanha, Itália e França, trabalhando em restaurantes brasileiros. Em 2016, ao chegar à Espanha, o rapaz passou a atuar também em filmes eróticos, protagonizando mais de dez obras, pelas quais ganhava € 2.500 de direitos autorais. Em um site especializado, seu perfil, com 82 vídeos e 12 fotos, foi visualizado 411.047 vezes. Em depoimento à Polícia Civil de São Paulo, ao ser detido, às 22h30 do dia 26 de outubro, ele contou ter voltado ao Brasil em 2018, trabalhando até então como garoto de programa.

Aos investigadores, o jovem disse que havia decidido retornar à Europa em abril, mas, com o início da pandemia, seu voo foi cancelado. Segundo ele, se viu obrigado a aplicar os golpes para conseguir angariar alguma renda com o irmão, Jemison Portela dos Santos, de 32 anos, que também estava desempregado. Nesse período, confessou que os dois passaram por Santa Catarina e Minas Gerais, além do Rio e de São Paulo. A julgar pelo histórico de um aplicativo de entrega de comida, o grupo criminoso esteve ainda na Bahia, no Distrito Federal, no Amazonas e na Paraíba. No total, foram 72 pedidos realizados para quartos e apartamentos de hotéis em que se hospedaram. Na capital fluminense, 27 das 35 refeições solicitadas foram levadas a endereços no centro da cidade.

Investigações mostram que, apenas no eixo Rio-São Paulo, dez vítimas reconheceram integrantes do bando nos últimos seis meses. O prejuízo total que elas tiveram gira em torno de R$ 500 mil. Mas, segundo a polícia, os números ainda estão subestimados. “Rastreamos boletins de ocorrência em que as dinâmicas apresentadas foram semelhantes e conseguimos, analisando um a um, localizar pessoas que foram lesadas por esses criminosos. Por eles andarem bastante, aplicando golpes em diversos estados, a identificação fica prejudicada”, explicou o delegado titular da 13ª Delegacia Policial, de Ipanema, Felipe Santoro. O investigador conseguiu, seguindo as pistas das transferências de cerca de R$ 40 mil a partir da conta de uma das vítimas, feitas na madrugada de 15 de outubro, chegar em Eloisa Cristina da Silva Barros, a namorada de Rodrigues Junior, e cercar o líder da quadrilha.

O roteiro do golpe é tão conhecido quanto um clichê de filme pornô. Os criminosos flertavam com a vítima — em sua maioria homens — em bares e boates. Fortes e atraentes, se aproximavam, simpáticos, querendo conhecer melhor a presa. Entre uma conversa e outra, colocavam em sua bebida a substância para dopá-la. A dupla usava a ketamina, originalmente empregada para induzir e manter a anestesia em animais de grande porte, como cavalos. Conhecida como Special K, a droga, quando dissolvida em bebida alcoólica ou cheirada, provoca efeitos alucinógenos e a perda dos sentidos. “Na maioria das situações, as pessoas não desmaiam. Elas ficam sonolentas, inconscientes, têm uma amnésia daquele período, mas costumam interagir, conversar e, provavelmente, até responder aos questionamentos dos criminosos”, explicou Santoro.

Era noite de quinta-feira, 15 de outubro. O servidor público federal Pedro (nome fictício), de 39 anos, estava com um amigo, no bar Jobi, no Leblon, Zona Sul carioca. De longe, percebeu que o ator pornô e seu irmão, Jemison dos Santos, flertavam com ele. Os dois se aproximaram amistosamente. Os quatro conversaram até o amigo se sentir mal e ir embora. Sozinho, tudo se apagou. A última lembrança que tem remete aos três entrando em um táxi, cujo motorista, Fábio Borges dos Santos, de 44 anos, foi preso em dezembro. Pedro acordou deitado nas areias da Praia de Botafogo, sem os pertences, na manhã seguinte. Mais de R$ 40 mil haviam sido gastos em seu cartão em compras durante a madrugada.

Na região onde ficam o bairro boêmio da Lapa e a Praça Mauá, até o momento, três vítimas já denunciaram ter sido roubadas pela quadrilha em duas boates. Em um dos casos, um contador de 33 anos dançava ao som de um DJ de música eletrônica com dois amigos quando percebeu a aproximação de João Marcos Batista de Matos, de 28 anos, e Matheus Gidiony Tavares, de 27. Era por volta das 3h30 de um domingo de dezembro, e ele contou ter conversado com Matos no segundo andar da casa noturna por cerca de quatro horas, período em que foram juntos ao bar quatro vezes para comprar água, refrigerante e vodca. Ao descer para ir embora, o rapaz sugeriu pegar o mesmo táxi do contador, em direção a Copacabana. “Entramos juntos no banco de trás, e logo depois ele pediu que parássemos em um posto de gasolina, no Aterro do Flamengo, para ir ao banheiro. Fiquei esperando, e depois de uns dez minutos o motorista me alertou que ele não estava voltando e teria ido embora. Quando percebi, ele tinha levado meu celular e meus cartões”, relatou a vítima, em entrevista.

Ao chegar em casa e conferir os extratos bancários, ele identificou diversas transações, que totalizavam R$ 28.950. “Comecei a lembrar que todas as vezes que eu desbloqueava o celular ou pagava as bebidas, ele ficava olhando fixamente para a senha que eu digitava. Eu me senti um verdadeiro trouxa”, resumiu. Dias depois, um espanhol procurou a Delegacia Especial de Apoio ao Turista (Deat), no Leblon, e relatou uma história parecida. Ele estava com um colega quando foi abordado pela dupla durante uma festa e, ao saírem para cheirar cocaína, teve a carteira roubada por eles. Quando chegou a seu hotel, horas mais tarde, recebeu mensagens que mostravam compras feitas por eles em sites estrangeiros, num total de € 3 mil euros.

Para o delegado Fábio Daré, da Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco), de São Paulo, é justamente o entorpecimento que faz as vítimas caírem nos golpes, que até então não passam de uma paquera. “Inicialmente, há uma conversa normal em um ambiente movimentado, em geral frequentado por pessoas de alto poder aquisitivo. Ninguém é forçado a ir para outro lugar ou fazer qualquer coisa. Depois de alguns minutos ou até horas, com a mistura da ketamina na bebida e a vítima já fora de si, começam as operações financeiras”, pontuou. “É importante frisar que estamos diante de um crime grave, em que as pessoas perdem a capacidade de resistência, podendo, inclusive, sofrer complicações de saúde e até morrer. Por isso é fundamental que as vítimas colaborem e busquem imediatamente a Polícia Civil”, destacou o delegado Antenor Lopes Martins Junior, diretor do Departamento-Geral de Polícia da Capital (DGPC) fluminense.



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