Projeto resgata o amor de jovens pela vida

A pedagoga Meiry Duarte mostra o poder do diálogo e da compreensão para salvar vidas de estudantes com comportamento autolesivo

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Ninguém sabe a dor de ninguém. Mas e quando a dor é em uma criança ou adolescente, que ainda estão em processo de formação dos comportamentos e emoções? O que fazer quando a dor psicológica ultrapassa os limites do sistema nervoso e marca o físico com cicatrizes que indicam um prognóstico negativo de desamor à vida?

Psicopedagoga e terapeuta holística Meiry Duarte | Raíssa Morais

O comportamento autolesivo, onde marcas de gilete terminam nos braços e pernas, é uma consequência de rancores e sofrimentos internos que demonstram problemas complexos que podem levar, inclusive, ao suicídio. Mas como enfrentar de forma ostensiva um problema de saúde pública que afeta também as escolas? A psicopedagoga e terapeuta holística Meiry Duarte tem a resposta.

A profissional começou a atuar no Centro de Educação em Tempo Integral João Mendes Olímpio de Melo, na zona Sudeste de Teresina. Na escola, ela pôde perceber uma realidade marcada pela depressão. Seja pela separação dos pais, condição socioeconômica ou outros problemas diversos, ela encontrou alunos que chegavam a se lesionar seis vezes por dia.

Assim surgiu o projeto “Vida Inteira”. “Tenho observado que as instituições de ensino que atuamos, o índice de alunos com sofrimento psíquico é intenso. Como este ano decidimos dar uma atenção redobrada aos cuidados com os alunos, implementamos o projeto com interesse de melhorar as atividades mentais deles”, avalia a psicopedagoga.

Essa, infelizmente, é a realidade de muitas crianças em Teresina, no Brasil e mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 8% das crianças de 6 a 12 anos podem sofrer de depressão infantil. No Brasil, o número de crianças que tiraram a própria vida cresceu em 10% em cinco anos, como aponta o Mapa da Violência. 

Crédito: Raíssa Morais

Demanda espontânea e dados preocupantes

Meiry percebeu, na educação básica, uma lacuna que precisava ser preenchida. Para isso, ela buscou capacitação e alternativas para mudar uma realidade marcada por tristezas e angústias. 

Através de oficinas de terapia holística, a psicopedagoga encontrou crianças e adolescentes que precisavam urgentemente de atenção. “A maioria dos alunos já me chamava para conversar. Então fui aliando ferramentas da terapia holística. Comecei com práticas integrativas de reflexologia, arteterapia e iridologia. No entanto, com o passar do tempo, percebi que os alunos vinham mais por questões emocionais, que pelas próprias práticas”, explica.

A profissional buscou o conhecimento para lidar com dados preocupantes. “Fiz especialização em Saúde Mental, para atender a demanda de sofrimento psíquico. Eles puderam desenvolver competências socioemocionais para enfrentar dificuldades. No caso da autolesão, tivemos 57 alunos atendidos e oito casos de autolesão. Dois desses tinham intenções suicidas”, acrescenta Meiry Duarte.

O principal problema vem de berço: as crianças não são educadas para lidar com adversidades. “O que tenho observado é que o foco do nosso trabalho está sendo feito. Eles desenvolvem habilidades para enfrentar os problemas de frente. Esses meninos e meninas, muitas vezes, vêm de uma situação difícil, mas não são criados para ter autoconfiança e buscar apoio quando precisam. Eles não sabem lidar com problemas e conflitos, mas estamos correndo atrás disso”, aponta. 

A adolescência, por si só, é um período de mudanças que provoca um turbilhão de sentimentos na cabeça dos estudantes. “Como profissional, penso muito no tipo de público que atendo. Não vou mentir para você, é sofrido. São jovens e você desenvolve em um vínculo maior, porque estão em situação de formação. Eles têm uma vulnerabilidade social maior, em fase de adolescência com peculiaridades. Quando vem o agravante psíquico, isso torna muito mais difícil”, revela. 

Casos tiveram final feliz

Das mais de 50 crianças que passaram pelas orientações de Meiry Duarte, todas, felizmente, estão bem. Mesmo os casos em que as complicações foram maiores, foi dada a volta por cima. Os entrevistados tiveram os nomes modificados e identidades preservadas por questões de segurança. 

Ana é mãe de Maria, uma das estudantes atendidas pela psicopedagoga. “Eu identifiquei porque comecei a ver manchas nela, parecidas com cortes. Ela era uma menina alegre, ninguém dizia que ela tinha alguma coisa diferente, que era depressiva. E ela sempre foi cercada de gente, não ficava sozinha. Até que um dia vi um corte na perna dela e perguntei o que era. Ela disse que tinha caído, mas eu falei na cara dela que não tinha cara de queda”, conta.

Crédito: Raíssa MoraisAna viu que a filha poderia estar em apuros. “Quando percebi, eu lembrei da Meiry e pedi para ela ver minha filha. Contei mais ou menos o caso, mas dois dias depois a minha filha disse que tinha conhecido ela e que tinha sido ótimo. Eu perguntei o que ela tinha, mas ela sempre desconversava. O pai dela mesmo achou que era cisma minha, mas insisti”, lembra emocionada.

Hoje a garota vive com a irmã. “Graças a Deus hoje ela está bem. Foi morar em São Paulo com a irmã e mudou de vida. Então, enfim, ela me chamou para conversar e disse que o psicológico abalado levou a vários problemas. Então percebi que eu sabia de tudo, mas que não poderia fazer nada. Até por uma questão ética. Precisava respeitar o trabalho da Meiry. Sempre que ela retornava das conversas com a Meiry, ela vinha com outro semblante. Ela soube ouvir eu e a Meiry, enfim”, ressalta.

Helena e José viveram situações parecidas. “Como ele estuda em escola integral, eu o via somente à noite. Quando o encontrava, eu percebia uma certa agressividade. O pouco que eu conversava com ele, notava isso. Ficava me questionando. Até que então eu vi, enquanto ele dormia, os braços dele marcados. Uma vez vi um prestobarba quebrado no quintal, então imaginei que fosse aquilo”, acrescenta.

Meiry, no caso, foi um anjo mais uma vez para salvar a vida de José. “Eu chamava ele para conversar e a única coisa que ele dizia é que eu não entenderia, mas que tinha conversado com uma pessoa na escola e que tinha sido muito bom, que ele havia aberto o próprio coração. Mas ele não queria falar sobre o assunto comigo e nem especificar nada. Mas o projeto da professora salvou a vida do meu filho”, aponta a mãe do garoto.

As marcas nos braços agora são lembretes do que não fazer. “Ficaram as cicatrizes. Não sei se com o tempo isso vai desaparecer, conforme ele for crescendo. Mas eu sempre pego o braço dele e digo: Meu filho, isso não machuca só você, machuca sua família inteira. Mas graças a Deus ele está bem”, declara Helena.

Ação da psicopedagoga melhorou o rendimento escolar no CETI

O diretor da escola, Antônio Lindomar Neves, reconhece os benefícios do trabalho de Meiry Duarte. A força-tarefa da psicopedagoga melhorou até o rendimento escolar da unidade. “Às vezes criam um certo modismo. Os jovens agem muito à toa e não se preocupam em atuar. E isso é consequência da ausência da família. Agradecemos ao profissionalismo da Meiry, que fez um trabalho muito bonito com os alunos sobre a importância de uma conversa. Até mesmo as notas das provas melhoraram”, conta.

Diretor da escola, Antônio Lindomar Neves

Antônio Lindomar revela que é preciso plantar a semente do autocuidado. “Eles precisam se autovalorizar. Faltam alguns conceitos que a família deveria ter trabalhado com os filhos. É preciso resgatar a autoestima dos alunos, principalmente com a parte humana. O jovem só quer saber do celular, filmes e computador. A família tem que dividir esse espaço”, acrescenta.

A parte emotiva também está integrada à educação. “É preciso trabalhar a parte emotiva, valores e princípios. Sentimos uma carência grande de trabalhar essa parte emocional. Mas sentimos essa mudança na prática. Ela, por si só, com serenidade, traz leveza aos alunos. De forma muito profissional, ela anulou os casos de automutilação. Até os comentários tristes estão diminuindo. A evolução disso tudo tem sido visível”, finaliza.



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