Quadrilha age nos sinais de trânsito se passando por vendedor ambulante

Mercadorias roubadas são repassadas para ambulantes que as revendem ali mesmo

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Mochila sobre o peito e uma caixa de biscoitos na mão, ele desce para a pista, misturando-se ao trânsito e aos ambulantes que aproveitam a hora do rush para vender suas mercadorias. Já passa das 17h e a Avenida Presidente Vargas é um mar de veículos parados e de trabalhadores rompendo obstáculos para chegar à Central do Brasil. É assim, em meio à multidão, que ele investe contra uma mulher ao volante, acompanhada de uma criança no banco do carona, e leva o celular que a motorista passa por uma fresta da janela do carro. O falso vendedor foge em direção à estação de trem e, 20 minutos depois, lá está ele de volta, pronto para um novo bote.

O flagrante foi feito por repórteres do GLOBO que, durante três dias, acompanharam a ação de punguistas no entorno da Central do Brasil. Tudo acontece ao lado da 4ª DP e da sede da Secretaria de Segurança Pública do estado. A maioria dos ataques é de adolescentes, que trocam de camisa ainda nas pistas para evitar um possível reconhecimento. As mercadorias roubadas são repassadas para ambulantes que as revendem ali mesmo.

Ao se perguntar a um ambulante o preço de um celular, ele dá um valor irrisório para o aparelho:

? Custa R$ 20 ? afirma.

Menores são apreendidos, mas voltam

Segundo a polícia, quando capturados, esses infratores ? menores ou não ? retornam às ruas por falta do registro de ocorrência e depoimento da vítima. Se, durante o dia, os ladrões se misturam ao confuso trânsito para atacar, à noite, eles se aproveitam da má iluminação e das ruas desertas no entorno da Central. Muitas das vítimas são estudantes da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, no Centro, que lançaram uma petição online para protestar contra a violência e exigir segurança, que já tem 1.643 assinaturas. ?Passamos a evitar ir a determinadas aulas devido ao horário e ao alto risco de ocorrência de crimes. Nas últimas semanas, podemos afirmar que não há um dia sequer que não se tenha notícia de alunos da faculdade vítimas de assaltos.? Também foi criado um grupo de trabalho em segurança do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco). O estudante João Barreto, um dos coordenadores do grupo, diz que a situação é crítica:

? São bandos que atacam principalmente mulheres.

Aluna do 9º período de direito do turno da noite, Renata Cardelli contou que foi atacada quando ia para a faculdade, no dia 21 do mês passado.

? Desci do ônibus na Praça da República, por volta das 19 horas, e fui cercada por uns dez menores que me empurraram contra o muro do Campo de Santana ? relatou, contando que os postes de luz estavam quase todos apagados, tornando o lugar mais inseguro.

Uma comissão de alunos foi recebida pelo comandante do 5º BPM (Praça da Harmonia), tenente-coronel Sidney Camargo, que chamou a atenção para a necessidade de se fazer o registro, fundamental para planejar o policiamento. Há três semanas, a PM apreendeu 27 jovens que, sem um mandado judicial, foram liberados. Para o desembargador Guaraci Vianna, que foi juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, falta investigação policial.

? A polícia do Rio não faz investigação para apreender o adolescente infrator. Eles só são presos em flagrante.

A aluna Mariana Ornelas, do 9º período de direito, disse que, em 2010, após ser assaltada, teve síndrome do pânico.

? Mudei de turno por um ano. Ainda hoje, só vou à aula de carro ou táxi. À noite, ligo e peço para o funcionário do estacionamento me esperar na esquina da faculdade ? disse ela que, no último dia 29, quase foi assaltada mais uma vez, dentro do carro. ? No engarrafamento em frente à Central, um cara bateu no meu vidro, mas o trânsito andou e eu arranquei.

O Instituto de Segurança Pública (ISP) constatou um aumento de apenas 4,59% nos roubos na área, nos três primeiros meses deste ano (957 casos contra 915 em 2012). Já apreensões de menores passaram de 46 para 85, no mesmo período. Segundo a PM, o problema se agravou com a migração de viciados em crack do Parque União para a região.

Relatos de insegurança

Nos últimos três meses, a coluna ?Dos Leitores? do GLOBO vem recebendo, em média, 25 cartas por semana, com depoimentos de vítimas denunciando assaltos em todas as regiões da cidade e, sobretudo, a falta de policiamento. Distantes das estatísticas oficiais, os relatos revelam uma angustiante rotina de roubos, com hora e lugar para acontecer, deixando nas vítimas uma sensação de insegurança, mesmo em regiões onde os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam queda nos índices de criminalidade, como acontece em bairros da Zona Sul.

É o caso de Lygia Castro. Ela conta que, depois de escrever por duas vezes sobre inúmeros assaltos que ocorrem nas proximidades do Posto Seis, em Copacabana, o policiamento no local foi reforçado. Mesmo assim, fora do horário de assaltos:

? No final da tarde, quando os PMs vão embora, os bandidos assaltam com facas e até bisturis. Meu genro travou uma luta com um deles para defender uma senhora, mas resolveu soltá-lo, pois o bandido era menor de idade ? conta.

Afonso Sartório diz que seus filhos vêm sendo ?caçados? na Lagoa Rodrigo de Freitas, nos mesmos horários:

? Entre o Clube Piraquê e a sede do Flamengo, adolescentes atuam em bando para assaltar transeuntes. Meus filhos têm sido assaltados mensalmente, e abordados semanalmente. Minhas idas à delegacia da Gávea, após cada assalto, têm sido inócuas.

Trabalhando no Centro, André Jouval denunciou que foi assaltado por voltas das 22h, quando saía de um curso nas proximidades da Candelária com a Av. Presidente Vargas.

? Os assaltantes estavam armados e ameaçaram me matar se não cooperasse. Os assaltos nesse horário são constantes na região ? afirma.

Miguel Antonio Bahury Júnior reclamou dos roubos a estudantes em Botafogo, no trecho entre as ruas Eduardo Guinle e Ministro Raul Fernandes, onde, segundo ele, os bandidos são os mesmos.

Para o pesquisador Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o problema da segurança no Rio e em outros estados do país é a falta de ?análise criminal? para a prevenção de crimes:

? Todos esses crimes têm um padrão de tempo e espaço. Por isso, a prevenção deveria levar em consideração o horário e o local, para que o reforço do policiamento seja eficaz. Não adianta colocar uma viatura parada de um lado da calçada apenas, sem investigar e prender os ladrões.

Dados do ISP, divulgados ontem, mostram um aumento de 15% no número de roubos a transeuntes, passando de 4.278 em abril de 2012 para 4.925 em abril deste ano no estado. Na capital, o aumento foi de 80 casos (2.269 para 2.349). O número de roubos de celulares na capital subiu 11%, passando de 219 para 243. Já os homicídios aumentaram 22% em abril deste ano (415) em comparação com o mesmo mês de 2012 (340).



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